quarta-feira, 30 de março de 2011

O BELO COMO ESPLENDOR DA FORMA - O belo essencialmente



Evaldo Pauli

TRATADO DO BELO

CAP. 2-o
O BELO COMO ESPLENDOR DA FORMA. 0764y115.
 
( O belo essencialmente)
 
 116. Tema de ontologia. Que seria o belo em si mesmo? Já não perguntamos, ao modo da gnosiologia, pela sua manifestação teorética à inteligência; passamos agora à pergunta pelo belo em si mesmo, ao modo como se faz na ontologia.
Indagamos agora pela sua natureza, tanto pela sua natureza essencial, como pelas suas propriedades intrínsecas.
117. Divisão do estudo do belo simplesmente pela sua forma. O sequencial da ontologia do belo, nos aspectos mais significativos e sua natureza, obedecem ao seguinte esquema de questionamentos:
- O belo como modo transcendental do ser (Art. 1-o);

- O belo como verdade ontológica em destaque, ou seja, como esplendor da forma, ou ainda, como perfeição em realce (Art. 2-o);

- O belo e suas propriedades intrínsecas (decorrentes de sua natureza), ou seja ter contrário (o feio), graus e semelhantes (Art. 3-o). Fica para capítulo a parte, a propriedade extrínseca, dita esteticidade.

118. Caminhando por partes, chegaremos a estabelecer simplesmente o que o belo é.

Não temos outro método senão o da fenomenologia, observando diretamente o que se apresenta como dado. Em sendo tudo fenomenológico, no que se refere à evidência sempre imediata, nada há a demonstrar por meio de exaustivos argumentos, porque tudo já se encontra dado desde o primeiro momento. Contudo, apesar deste caráter de tudo dado sobre o belo desde o primeiro instante, a atenção humana, por ser limitada, precisa de advertências continuadas para ver mais e melhor o que desde sempre está posto

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    ART. 1-o. O BELO COMO UM TRANSCENDENTAL DO SER. 0764y120.
 
121. Posição. Uma vaga e ampla concordância leva aos filósofos a admitir que todas as coisas são ser e que todas coisas em principio se possam de alguma maneira dizer belas. E por isso, o ser e o belo são transcendentais, e não conceitos unívocos.

Mas, conforme anteriormente advertimos, os empiristas metem muitas restrições neste conceito geral, e assim também os racionalistas idealistas.

Quem se situar uma vez numa posição racionalista (anti-empirista) e realista (anti-idealista), precisa operar coerentemente com o pressuposto adotado, ainda que com cautela. Apresentado o belo como uma propriedade metafísica do ente, tudo fica condicionado ao valor gnosiológico desta metafísica.


122. Caracterizada a predicação do belo como sendo transcendental, importa esclarecer este modo de predicar, para com isto lançar mais luz sobre o que o belo é. Já então o belo não fica apenas na posição de simples destaque de uma coisa, porque passa a ser considerado como um modo do ser como tal, e portanto como um transcendental a atingir o ser universalmente, ainda que por analogia (vd n. 124).

Existe a nobreza rural (a dos barões) e a nobreza da corte (a dos príncipes). Depois que o belo for visto como um transcendental, encontradiço em tudo o que se possa denominar ser, fica identificado como sendo da mesma corte do ser, e não apenas uma nobreza como a da flor do campo.

Transcendental se distingue de categorial. Trata-se de dois modos fundamentais de ser. Ao transcendental também se diz modo geral. Ao categoria, modo especial.

É transcendental o modo de ser que se predica de maneira própria a todos os seres, independentemente de sua diversificação em categorias. Assim, por exemplo, ser é um transcendental, porque tudo o que se puder imaginar existir, é, de algum modo ser em sentido próprio. Outro exemplo claro de transcendental é coisa; não há o que não se possa denominar uma coisa. O mesmo não se dá com as noções categoriais.

Em contraste, uma categoria somente se pode de outra de outra categoria num sentido impróprio, ou metafórico. Por exemplo, há o que se diz plúmbeo em sentido próprio (porque verdadeiramente é chumbo), e o que o é apenas em sentido impróprio, como plúmbeo em céu plúmbeo. Não é assim que o belo se diz de todo o ser, porque em todo o ser é sempre propriamente belo.

Temos dado estes exemplos de transcendental, para enfim dizer que também o belo é um transcendental, porque tudo o que se possa imaginar como sendo algo, é, de algum modo belo. Esta afirmativa gera evidentemente, à primeira vista dúvidas, porquanto equivale a dizer que até o Diabo é bonito! Destas dificuldades cuidaremos oportunamente.

123. Transcendentais supremos. Há uma hierarquia nos transcendentais (vd. n ...). Umas noções transcendentais são eminentemente supremas, ou totalmente gerais.

Com algumas pequenas divergências entre os autores, são mais lembradas como modos supremos do ser as seguintes noções transcendentais:

o ser (quando dito ser como tal, ou ens ut sic);

coisa (res);

algo (aliquid);

verdadeiro (verum);

bom (bonum) (vd. n....).

Sob os modos transcendentais supremos se encontram as demais noções transcendentais, resultantes de abstrações formais, ou de subdivisões em perspectivas. Mas todas conservam a propriedade de poderem predicar-se em sentido próprio das mais variadas categorias de ser. Importa firmar o que advertimos, que as subdivisões de um transcendental sempre conservam o seu sentido transcendental, isto é, predicam-se de maneira própria, de qualquer categoria de objeto.

O exemplo de uma noção transcendental por subdivisão, que agora nos interessa, porque posto como tema em discussão, é o belo. Portanto, o belo é um transcendental, porque se diz de todas as coisas em um sentido próprio, tal como os demais transcendentais se dizem de todas as coisa; e o belo é ainda um transcendental por subdivisão, porque participa, à maneira de parte, de outro transcendental.

Qual é o outro transcendental, do qual participa o belo? Depois (§ 2-o) mostraremos enquadrar-se o belo no campo do transcendental verum (= verdadeiro).


124. Voltamos a insistir, que os transcendentais são noções sempre analógicas (vd n 122). Se assim não fossem, não poderiam predicar-se de maneira própria de todas as coisas. Esta maneira de predicar foi sobretudo desenvolvida por Aristóteles, com ela pondo ordem nova na filosofia, destacando aos transcendentais como analógicos e às categorias como de predicação unívoca, cada qual estanque em relação à outra.

Comentou Heidegger sobre o significado da analogia na filosofia do ser: "Com este descobrimento (a analogia), apesar de toda sua dependência respeito à maneira de fazer Platão a pergunta ontológica, pôs Aristóteles o problema do ser sobre uma base nova" (Heidegger, Ser e tempo § 1-o).

O transcendental se predica, portanto, dos seres simpliciter e não apenas de estratos incomunicáveis de ser. Define-se também a analogia como sendo aquela predicação que se diz dos seus inferiores em parte igual e em parte não; alcançando a tudo em todos, em cada um se aplica de algum modo igual e não igual. De muitas coisas se pode dizer que são belas em sentido próprio; entretanto, em cada uma a beleza se diz à sua maneira.

Diferentemente, a predicação unívoca, acontecida nas categorias de ser, se faz inteiramente igual em cada camada de ser. Pedro e Paulo se dizem animais pela mesma razão pela qual são animais o boi e o cavalo, a cobra e o sapo, ainda que Pedro e Paulo, além de serem animais sejam também homens.

Entretanto, não se predica do mesmo modo unívoco o belo, pois cada qual é belo ao seu modo: Pedro como Pedro, Paulo como Paulo, e assim também é belo o boi como boi, o cavalo como cavalo, a cobra como cobra, o sapo como sapo.

Isto parece sugerir, como já se adiantou, que o Diabo seria belo como Diabo; certamente importa distinguir: o Diabo como ser, e não o Diabo enquanto lhe falta a generosidade para ser bom. Do mesmo modo, o sapo, ainda que seja belo como sapo, não é belo enquanto inferior ao cavalo. Finalmente assim as bestas não são belas enquanto inferiores ao ser humano; mas todas, em seu devido lugar, são belas.


125. Indiferentemente o belo caminha por entre todas as categorias, porque não está preso a nenhum estrato de nenhuma delas. Em parte igual e em parte não, vai o belo, - através do expediente da analogia,- ornando aos objetos, não apenas exteriormente, como se fosse uma camada distinta do seu interior, mas intrinsecamente, atravessando por todos os extratos do ser.

Por isso o belo está onipresente, conforme afirmamos de início, mas já agora com melhor capacidade de compreensão; nas colinas , nos regatos, nas encostas, nas flores, nas pedras preciosas, nas nuvens e no sol, nas porcelanas e nas vestes, na mocidade elegante, em tudo o que de algum modo for positivamente ser, por toda a parte como louvor universal.

 

ART. 2-o O BELO COMO VERDADE ONTOLÓGICA EM DESTAQUE. 0764y127.
 
128. O belo é um modo de ser transcendental em relativo, enquadrado no campo do verum, e que supõe arquétipos (vd...). Tudo isto está contido desde o início na revelação do belo, mas não é de pronto percebido. Importa à fenomenologia do belo fazer mais um sequencial de advertências.

Colocadas as noções supremas dos transcendentais, - ser, algo, coisa, verdadeiro, bom (vd n 123), - à qual delas se reduz o belo? Não ao ser, não à coisa, não à algo, não ao bom, mas ao verdadeiro, ou seja, ao verum. E no campo interno do verum se diferencia, como este mesmo verum em destaque.

Em decorrência dois serão os parágrafos a seguir.
 
    § 1. O belo como verdade ontológica. 0764y129.
 
130. Saber que o belo é um transcendental do ser em muito explica o fenômeno do belo. Enveredando agora pela noção da verdade ontológica, mais elementos vão ser descobertos para clarear e estender os conhecimentos sobre o fenômeno da beleza, que encanta e enche de admiração.

Mas, o que é a verdade ontológica? Na linguagem da filosofia empirista, positivista, neopositivista é uma noção de pouco sentido, ou até de um sem sentido. Admitida uma vez a ontologia, ela será útil para ampliar a visão, instituindo uma ordem integralizadora em tudo.


131. Que disseram os grandes filósofos sobre a verdade ontológica?

Os pitagóricos e Platão interpretaram todas as coisas como sendo formadas de acordo com arquétipos, ou seja, de acordo com modelos exemplares. Estes eram vistos como bastante extrínsecos, e por isso denominados números reais, ou idéias reais, ou mesmo arquétipos reais, ou seja tipos primeiros em função à realidade deste nosso mundo de coisas.

Aristóteles passou os arquétipos para a natureza intrínseca das coisas, como uma espécie de lei metafísica. Para o estagirita nada há fora da realidade individual; todavia dentro desta realidade havia algo a governá-la.

Tratou Aristóteles do uno, da verdade e do bem como noções transcendentais, não lhes tendo dado o mesmo desenvolvimento classificatório como com sucesso fez com as 10 categorias de predicação unívoca.

Os filósofos árabes, embora no tratamento aos transcendentais não tenham dado novos desenvolvimentos apreciáveis no que se refere aos arquétipos, transmitiram contudo estas especulações aos escolásticos do século 13.


132. Para efeito do esclarecimento do belo, o que importava era atingir uma classificação dos transcendentais supremos, destacando a verdade ontológica, tanto em si, como em suas relações com as demais noções, a fim de finalmente bem situar o belo.

Felipe, o Chanceler (c. 1170-1236) é autor de uma primeira enumeração conhecida, de quatro termos: ser, unidade, verdade, bondade. "Dicendum est quod sunt tres conditiones concomitantes esse: unitas, veritas, bonitas".

Ainda no século 13 fez-se o acréscimo de res (= coisa) e aliquid (= algo), perfazendo o número de 6 transcendentais. Quanto ao pulchrum (= belo) jamais foi colocado como transcendental supremo, mas sempre reduzido a algum deles, ora ao verum (= verdadeiro), ora ao bonum (= bom).

Quanto a avaliação dos transcendentais supremos ocorreram discordâncias. Uns estabelecem numero maior, como Tomás de Aquino (1225-1274), outros menor, como Francisco Suarez (1548-1617).

Modernamente, a filosofia dos valores (H. Lotze, W. Windelband, M. Scheler, N. Hartmann) diverge bastante na classificação de noções supremas. Mas isto acontece, porque tratam a questão seguindo desde o início por caminhos diversos do contexto da metafísica anterior.


133. Para decidir sobre as noções transcendentais e obter uma classificação assegurada como definitiva, importa um critério intrínseco de ordenação.

A regra da boa divisão é a dicotomia e pontos de vista fundamentais, as que dividem entre o simplesmente (simpliciter) e o segundo algo (secundum quid); entre o em absoluto (absolute) e o em relativo (relative); entre essência e existência (divisão fundamental do ser); entre o afirmando e o negando. Acreditamos que o belo consiste em mais uma opção, da qual cuidaremos depois.

Tomás de Aquino fez uma primeira tentativa de classificação orgânica mais abrangente dos transcendentais. Ultrapassando a mera numeração, dispõem as noções transcendentais em função a pontos de vista que as ordenam. O texto básico se encontra em Questiones disputatae (I, De veritate, Q. I, art. 1, Respondeo). Sua ordem de citação dos 6 transcendentais é: ens, res, unum, aliquid, bonum, verum,

A classificação de Tomás de Aquino subdivide as noções transcendentais, mostrando que umas se dizem em absoluto, outras em relativo (a um termo exterior). Em cada opção, umas noções se dizem em afirmando e outras em negando.

Importantíssima esta maneira de dispor de Tomás de Aquino. Ela põe ordem orgânica em todos os transcendentais do ser e geram luz para as derivações.

No futuro se falará muito em valor, ou valores. Neste sentido poder-se-ia juntar as noções de verum e bonum, sob um título só, diminuindo a lista dos transcendentais, da seguinte forma: ens, res, unum, valor (somando verum e bonum), aliquid.

134 Sistema dos transcendentais. Sistematizando dicotomicamente, passa a ser o seguinte o quadro dos transcendentais (alterado em relação à 1-a edição de nosso Tratado do Belo, p.83):


SER (ens):
1) Ser simplesmente, ou ser como tal (ens ut sic)
2) Ser segundo certo ponto de vista (secundum quid):
1) absolutamente:
1) afirmando em função
a) à essência: = aliquid. b) à existência: = res.
2) negando em função
a) à essência: = unum.
b) à existência = contrário do nada.
2) relativamente:
1) afirmando (= valor) em função
a) à essência = verum. b) à existência = bonum.
2) negando (= dever )
a) à essência = coerência.
b) à existência = dever moral.


135. Ser como tal. Primeiramente o ser se apresenta simplesmente (simplíciter), sem restrições de qualquer ponto de vista. Considerado assim, o ser se restringe à perspectiva de ser como tal (= ens ut sic, ou ens qua talis). Este ser como tal resultou de uma abstração formal, aquela que separa formas às formas, isolando um ponto de vista, contra outros pontos de vista. Não se trata de uma abstração total, aquela que separa um ser apenas dos indivíduos, como quando dizemos ser geral, ou ente comum (o latino ens communis).

136. O ser segundo certo ponto de vistas e em absoluto. A seguir, apondo um certo ponto de vista, portanto um certo secundum quid ( = segundo algo), e já não simpliciter, o ser admite considerações, que são os demais modos transcendentais do ser. Já não são o ser transcendental, mas as propriedades transcendentais do mesmo.

Coincidindo com o ser, as propriedades lhe estão implícitas (melhor confusamente), e agora são tomadas em separado e expressamente afirmadas como aspectos de seu ser.


137. Em "absoluto e afirmando", em função à essência, o ser é algo (aliquid); como algo, o ser tem um modo de ser na ordem da essência, não lhe sendo possível ser senão deste ou daquele modo; é o que as vezes se diz natureza da coisa. Ser algo, responde à pergunta, pelo que o ser é.

Ainda em "absoluto e afirmando", mas desta vez sob o ponto de vista da existência, o ser se diz coisa (res); como coisa o ser está sendo visto sob a perspectiva da existência, não lhe sendo possível estabelecer-se senão como um existente.

Na linguagem ordinária usamos quase indiferentemente os nomes algo e coisa, porque efetivamente tudo tem efetivamente ambos os modos transcendentais de ser. Mas, subtilmente, quando perguntamos, se há alguma coisa, em um determinado lugar, pensamos no que lá poderia existir, ou não existir. Se qualificamos, por exemplo, a filosofia, falamos diferente, pensando na ordem da essência; então podemos dizer: a filosofia é algo abstrato.


138. Ainda no plano dos transcendentais do absoluto, se dá o unum (= uno), que é sua forma em negando.

Significa unum simplesmente que o ser tem uma unidade, pela qual não se une com o seu contrário.

Não se une, nem com o contrário do seu existir (o nada), nem com o contrário de sua essência (que o define contra outros).

138. O ser segundo certo ponto de vista e em relativo. Passando aos modos transcendentais do ser em "relativo", o quadro se desenvolve paralelamente ao anterior, todavia com características mais sensacionais, sendo onde vamos encontrar uma faceta, que se denomina o belo.

Agora se trata de referências para o exterior, e por conseguinte para arquétipos. Prosseguindo por esta via estamos a caminho do belo, o qual requer, por causa da referência em relativo, a consideração sobre os arquétipos.


139. Em consequência do caráter complexo das noções transcendentais em relativo, importa atender aos muitos aspectos que estas noções em relativo oferecem , bem como à terminologia.

Kant, ao estabelecer o belo como uma noção em relativo, o declarou "sem objeto", "sem conceito". Com isso destacava ao belo como não sendo uma noção em absoluto, como se fosse algo de que se constitui o objeto, mas como fazendo um julgamento em função a algo em relativo. Efetivamente, o belo não é constitutivo, como o algo, a coisa, nem como a maioria das categorias de ser, e que Kant também dizia conceitos. Por isso, advertia que o belo é sem objeto, sem conceito (vd...).

Em "relativo e afirmando", o ser se diz valor. Trata-se de um valor ontológico, no sentido de que a partir de dentro de si o ser se realiza como valor, ainda que este valor obedeça um arquétipo exterior.

O valor se diz, ora em função à essência, e então, se trata do valor verum (= verdadeiro); ora em função à existência, e então o valor é o bonum (= o bom). Chegamos agora ao continente onde habita o belo, porque dito em relativo. Mas, no continente importa ainda o que pertence ao país do verum, onde efetivamente mora o belo, e o que ao bonum.


140. Importa advertir de que o transcendental verum não é a verdade lógica e sim a verdade ontológica, em virtude da qual o ser se realiza como deva ser. Por exemplo, um automóvel é um verdadeiro automóvel se coincide com a idéia de um efetivo automóvel. O que está fora do alinhamento com seu padrão arquétipo, é um falso ser; no exemplo citado, seria um falso automóvel. Em decorrência, quando se diz que o belo é a verdade, se pensa na verdade ontológica. Se esta verdade é vista como plenamente realizada, ela está em destaque frente à que não é.

O verum indica a conformidade perfeita com termo arquétipo ao qual realiza; este termo na linguagem empírica surge sob designativos os mais diversos, como ideal, idéia arquétipa, essência absoluta, essência possível, modelo, universal metafísico, molde, idéia exemplar. Quando conforme ao seu modelo, o ser se diz ontologicamente verdadeiro, porque efetivamente realiza este padrão. Neste sentido ontológico dizemos homem verdadeiro, máquina verdadeira, documento autêntico, música genuína e equivalentes.

O fato de haver um nome coletivo para verum e bonum, - valor, - merece um comentário. O mesmo não tínhamos para o caso paralelo de res e aliquid. De outra parte, valor se diz com mais ênfase para designar bonum, d que verum; contudo, o termo é adequado para ambos os modos em relativo, quer para verum, quer para bonum. Uma vez admitido o nome de valor indistintamente para o verum e para o bonum, o belo fica integrado como um valor. No caso, qualquer seja seu posicionalmente, quer como a verdade, quer como o bem, é correto dizê-lo um valor. Mas, se situássemos o valor apenas no plano do bem, e o belo no do verdadeiro, já seria inadequado situar o belo no quadro do valor.


141. E o que seria o ser segundo certo ponto de vista, em relativo, negando? Aqui a questão dos modos de ser ingressa em temas como o dever ser da essência, que importa em coerência, e o dever ser da existência, cujo contrário é o mal. Agora os caminhos já estão muito além do campo do belo, e são cada vez mais difíceis de trilhar.

 
O belo no mesmo plano da verdade ontológica.

142. Constatado o belo como perfeição em destaque (ou em realce, ou esplendor), onde se situaria o belo no quadro geral dos modos transcendentais? A noção de perfeição está obviamente na área da essência, isto é, na maneira do existir, e não no mesmo existir.

Mas precisamos decidir ainda, se como modo dito em absoluto, ou se como modo dito em relativo

São modos transcendentais ligados à essência: algo,- dito em absoluto; e verdadeiro,- dito em relativo. Dali a dupla pergunta:

- Seria o belo simplesmente um algo, que é dito em função à essência em absoluto?

- ou seria o belo um verdadeiro, que é dito em função à essência em relativo?

Resposta: - O belo é um verdadeiro.

É evidente, que, para haver destaque, é preciso um termo de comparação. Sem arquétipo, em função do qual se compare e se qualifique, nada se destaca, nada se diz belo.

Situado o belo no círculo da verdade ontológica, ele terá o caráter do que é dito em relativo, como acontece com a referida verdade ontológica e também com bondade ontológica, e não o caráter do que é dito em absoluto, como acontece com res e aliquid. Neste sentido o belo não é constitutivo, como se resultasse diretamente de componentes, porque noção dita em relação a algo extrínseco a ele mesmo, e que é seu arquétipo.

Não obstante, o belo não coincide simplesmente com o verdadeiro (verum).Não é tão vasto quanto o verdadeiro, mas se reduz a uma de suas instâncias. Todo o belo é verdadeiro; nem todo o verdadeiro se destaca como belo. Teorético como o verum, o belo é um ponto de vista do verum. Este ponto de vista é a verdade ontológica enquanto realce. Neste sentido, o belo é o esplendor da verdade, ou seja, do realce da verdade ontológica realizada pela coisa. Não sendo o verum simplesmente, supõe o verum, porque é o verum, quando este está bem realizado. O belo é a verdade, quando esta resplandece. O belo não é algo chulo e trivial; é a manifestação metafísica do ser, a maneira de face onipresente, perfeita e bela, embora tenha graus.

Apesar de se distinguir do verum, o belo não se desconecta dele, porquanto algo sempre há nele e que está em realce. E porque, tal como o ser, o verum existe por toda a parte, também o belo igualmente existe em tudo.

143. O juízo do belo. Importa fazer um juízo, quando se verifica o belo. No juízo há termos de comparação, e que a afirmação une como predicado e sujeito.

O juízo do belo não é o de qualquer união de predicado e sujeito ao qual se atribui. No juízo do belo se afirma um predicado com características especiais, e que sempre se diz em comparação com um arquétipo.


144. Requer o juízo do belo um certa capacidade, e que se denomina gosto. Kant definiu o gosto como "a capacidade de julgar do belo".

Quis também Kant que a capacidade de julgar o belo fosse uma faculdade especial: Urtheilskraft (= Faculdade do Juízo). Teria por objeto específico enunciar as coisas em função a um termo arquétipo exterior.

Para a filosofia do belo como conteúdo não importa muito se o gosto é uma operação da faculdade geral de julgar, ou se de uma especial. No ponto de vista aristotélico uma só é a faculdade de julgar, porque, em última instância, se trata apenas de afirmar ou negar pelo mesmo verbo ser.

 
§ 2-o. O belo como realce. 0764y145.

145. Até aqui já advertimos que o belo se predica à maneira de transcendental e que se integra no transcendental do verum ontológico. Resta demorar-nos no conceito denominado de realce, de que são nomes equivalentes, destaque, esplendor e similares. Neste exame continuamos sempre no plano meramente fenomenológico da observação direta do que se mostra, sem ingressar em argumentação cursiva.

O realce é apenas uma relação de superioridade sobre o inferior. Estas superioridade tem a sua motivação na perfeição do ser, no sentido de verdade ontológica frente aos arquétipos. O mais perfeito se realça diante do menos perfeito. A perfeição em si mesma não diz diretamente a superioridade. Uma perspectiva, que quase se confunde com ela, passa a ser declarada em separado; então se julga a perfeição como sendo bela. Quando percebemos o perfeito, já estamos próximos de conhecer o belo. Percebida a superioridade da perfeição, expressamente como superior, esta nova perspectiva, eis o belo que se mostrou.

A verdade apenas separa a verdade da não verdade; ela pode dizer que o vale não é o monte, e que o monte não é o vale. O belo, além de separar a verdade da não verdade, ainda atende às distâncias, graus de diferença. A verdade tem como contrário o erro; o belo tem como contrário o feio.

Similar ao conceito de realce é o de elegância. No sentido etimológico quer dizer eleição entre vários. Observação similar ocorre em torno do conceito de grau; o belo é a conformidade perfeita a sobressair como grau superior frente ao termo inferior.

Importa ainda advertir que no caso dos seres compostos, o belo assume características particulares, como harmonia, integridade, proporção. Tais denominações ajudam a entender o que seja o belo, pois mostram, como na multiplicidade ocorre o destaque.

Tais noções sobre o belo na multiplicidade deverão ser usadas com a devida cautela, porquanto não se dizem de maneira própria para os seres simples. Harmonia somente se diz da harmonia de partes. E assim também se fala de integridade e proporção, com propriedade, somente onde ocorre a distribuição em partes.


146. Como verdade ontológica, o belo se aproxima da noção de glória. De certas maneira o belo é glorioso. A glória é a manifestação ativa da perfeição, a qual se manifesta particularmente quando se realça. Por ser ativa, a glória se aproxima do conceito de culto.

Como manifestação, a glória é dita um certo brilho. Enquanto o belo indica sem mais a superioridade em realce, a gloria ativamente enaltece o realce, atribuindo tal perfeição como mérito do seu portador. O belo é estático; a gloria é ativa. O belo é próprio para ser conhecido e ser contemplado. A glória ativamente conhece e exalta. O belo é louvado. A glória é louvor.

A glória é objetiva, quando quem a exerce, quando manifesta apenas ontologicamente pelo seu ser perfeito, o realce atingido.

É formal a glória exercida conscientemente.


147. Considerando a variedade de nuances nas opiniões dos que definem e opinam sobre o que mais essencialmente é o belo, convém ouvir mesmo as vozes dos que tentaram dizer grandes autores. As vezes nos confundem, porque não fazem mais que descrever o belo em casos particulares. Mas, no fundo sempre se subentende que, naqueles casos particulares, o que faz o belo ser belo, é o realce.


148. Na antiguidade, Aristóteles: "O belo é o que, sendo preferível por si, é digno de louvor, ou o que, sendo bom, é agradável pelo fato de ser bom; se o belo corresponde a esta definição, a virtude é necessariamente bela" (Arte retórica I, c. 9, 3).

Para Horácio, o belo é a "ordem reluzente" (lucidus ordo) (em Ars poetica, 41).Texto completo:

"Sumite materiam vestris, qui scribitis, aequam
Viribus, et versate diu quid ferre recusent,
Quid valeant humeri. Cui lecta potenter erit res,
Nec facundia deseret hunc, nec lucidus ordo.
Ordinis haec virtus erit et venus, aut ego fallor,
Ut jam nunc dicat jam hunc debentia dici,
Pleraque differat, et praesens in tempus omittat"
(Horatius, Ars poetica 38-44)


149. Na Idade Média, Tomás de Aquino aponta como belas as coisas perfeitas, no sentido de completas, devendo ser proporcionais as suas partes dentro do todo; enfim, hão de realçar-se, o que ele chama de claridade (esplendor). Na primeira indicação, em que fala de perfeição, e mais na segunda, apresenta o que é genérico na beleza; também a proporção é um caso de perfeição, para os seres compostos. No terceiro elemento se completa a especificidade do belo, pela indicação do seu realce. O texto:

"Três condições exige a beleza. Primeiro, a integridade ou perfeição (integritas, sive perfectio); donde vem que coisas mesquinhas são por isso mesmo feias (quae enim diminuta sunt, hoc ipso turpia sunt). Segundo, a proporção devida ou consonância (debitas proportio sive consonantia). E por fim, o esplendor (Et iterum claritas), que nos leva a chamarmos belas às coisas de colorido brilhante" (Suma teológica I, Q. 39 a. 8, corpus, trad. de Alexandre Corrêa, à qual entremeamos alguns termos latinos, para garantia da acepção original). A integridade tem como seu contrário o incompleto, que portanto é algo diminuído; o latino diminuta traduzido por "coisas mesquinhas" há de ser entendido portanto primeiramente como incompleto. Aliás, perfeição e imperfeição exercem o mesmo sentido originário de completo e incompleto.

Integridade ( ou perfeição) não significa expressamente a superioridade do realce. Também diminuído (diminutum) tem a acepção direta de que lhe foi tirado algo; não indica prontamente inferioridade amesquinhadora, como contrário de realce. Uma vez que Tomás de Aquino aponta em separado a claridade (ou esplendor), esta terceira nota do belo adverte que o belo não é apenas a verdade ontológica (o verum), mas um seu aspecto, quando esta verdade adquire destaque, realce, esplendor, que, em sua formulação latina, deu como claritas.

Quanto à segunda nota, ela como que é uma redundância, ou um encaminhamento da terceira. Dizer "proporção devida ou consonância" não é mais que estabelecer um detalhe da primeira nota (a perfeição), que se refere aos seres constituídos de partes. Num ser composto, requer-se para sua perfeição, a ordem entre as partes. Insistia já Plotino, contra os estóicos, que o belo não se podia definir como ordem e proporção das partes, porque esta maneira de o definir pressupunha a composição dos seres, quando a beleza já devia poder ser definida para o instante simples da entidade. A segunda condição do belo descrita por Tomás de Aquino importa em ser reduzida à primeira ou terceira.

150. João Duns Scotus (1266-1308), também da Idade Média, diz: "A beleza não é uma qualidade absoluta no corpo belo, mas é a soma de tudo o que convém a tal corpo (aggregatio omnium convenientium tali corpori), como da grandeza da figura e da cor, e a soma de tudo o que respeita a estes corpos e a eles entre si. Assim a bondade moral do ato é quase um certo decoro daquele ato, incluindo a agregação da devida proporção a tudo o que o ato deve se proporcionar, por exemplo, à potência, ao objeto, ao fim, ao tempo, ao lugar, ao modo; e isto especialmente para que tais coisas se digam dever convir à reta razão" (Oxon., q. 17, a. 3., n. 13).

No texto de Duns Scotus se retoma a doutrina do belo como perfeição levada ao destaque, tendo um referencial arquétipo, em função do qual é concebido como verdade ontológica. Além disto, Duns Scotus se refere às coisas em que o belo se materializa, sem deixar de mencionar a categoria da ação, onde o exemplo dado é o do ato moral. Ao estabelecer o belo como uma qualidade que diz respeito a um termo ideal, revelou ao mesmo tempo que o belo se constitui da soma de tudo o que lhe convém e que consequentemente é a perfeição.

151. Nos modernos continua a mesma convicção de que o belo se caracteriza como realce. Dizem também muito sobre o belo e que acreditamos que ele não seja. Destacamos agora o que dizem do belo como realce, deixando para outra oportunidade o que dizem, sem que ele o seja (vd cap. 5-o).

Alexandre Baumgarten (1714-1762), em colocando o belo como objeto específico das sensações, chama de belos sobretudo os objetos sensíveis perfeitos. Ainda que se possa contestar a Baumgarten o caráter essencialmente sensível do belo, não se lhe contesta o haver posto a perfeição como um seu caráter essencial.

Emanuel Kant (1704-1804), ao fazer do belo um ajuste do objeto à finalidade formal, ou seja aos gêneros e espécies, ainda que estes não passem de apriorismos, implicitamente estabeleceu o belo como algo nobilitante, que aperfeiçoa e honra as coisas.

Hegel adverte para o belo como para algo superior. Cuidando ainda de hierarquizá-lo, colocou acima do belo da natureza, o belo da arte, porque esta contém elementos que lhe vieram do espírito. Em graduando os diferentes belos, joga exatamente com conceitos de realce. Não importa se é válida ou não a assertiva de já maior presença do espírito na arte, que na natureza; o que agora vale, é o princípio de Hegel, de que maior é o espírito e de que em consequência desta superioridade de perfeição, nele acontece maior volume de beleza.

154. Os que muito se afastam da noção do belo como verdade ontológica em destaque, não têm problemas para distinguir entre o belo e a referida verdade ontológica. Mas, os que colocam o belo como verdade ontológica em realce, podem sentir dificuldades para distinguir um e outro. Dali vem que alguns, apesar de manterem a interpretação fundamental do belo como verdade ontológica em destaque, procuram algumas aproximações do belo com o bonum da vontade, alegando a esteticidade, ou agrado do belo.

A redução do belo ao bem, em vez de à verdade, foi sempre uma tentação do platonismo. Deve-se amar o belo; em amar o belo está toda a sabedoria (Banquete, 210).

Lemos em Plotino (205-270), o maior dos neoplatônicos: "Todo o homem começará por fazer-se belo e divino para obter a visão do belo da divindade. Assim se elevará primeiro até a Inteligência (Logos), na que contemplará a beleza de todas as formas, e proclamará que todas esta beleza reside nas idéias. Com efeito, tudo é belo nelas, toda a vez que são filhas e a essência mesma da Inteligência. Por cima destas encontrará Aquele a quem chamamos natureza do Bem, e que faz irradiar em torno a si a Beleza; de sorte que, em resumo, o primeiro que se apresenta é o Belo. Se se quiser estabelecer uma distinção entre os inteligíveis, ter-se-á que dizer que o Belo inteligível é o lugar das idéias; que o bem, situado por cima do Belo, é sua fonte e princípio. Posto o Bem e o Belo como um só princípio, este fica sendo antes de tudo o Bem, e somente em segundo lugar o Belo" (Ennéada I, 6, 9, conclusão).

155. Alguns escolásticos modernos, para distinguir o belo e a verdade, têm-se inclinado a ligar o belo com a vontade, ou seja com o bonum. E o que apontam como essencial, não é senão a propriedade que o belo apresenta como produtor de sentimento estético. Neste caso não se faz necessário insistir na diferença entre o belo e a verdade ontológica da coisa bela. Mas, se assim fosse, o conhecimento, como explicar que também o conhecimento produz agrado?

F.-X. Maquart, eminente tomista francês, depois de contestar a J. Gredt e a I. Webert O. P., que afirmavam serem apenas propriedades do belo a satisfação e o amor que este produzia na vontade, argumentou em favor de sua posição pessoal: "Se assim fosse, não haveria diferença essencial entre verum, que aquieta o apetite natural do inteleto, e o belo. Além disso o verum permanece verum nem se torna belo mesmo que a complacência do apetite natural do inteleto redundasse à maneira de propriedade no seu respectivo apetite elícito. Portanto, deve-se manter o seguinte: a) Com J. Gredt, que o belo tem uma relação imediata com o apetite racional; b) mas que incide no apetite elícito, de maneira porém que a relação para o apetite elícito seja a mesma essência do belo; c) e que assim o belo se diferencia, tanto do bonum, que tem relação imediata com o apetite elícito, quanto do verum, que tem relação essencial somente para o apetite natural da potência cognoscitiva" (Elementa philosophiae, III-II p. 127, Paris, 1938).

Conforme já insistimos, nem o belo e o verum ontológico se distinguem tão profundamente; nem pode Maquart insistir que o verum não produz satisfação, pois conhecer também agrada, ainda que este agrado ocorra na vontade.

156.Os arquétipos. É possível discordar sobre o que sejam os arquétipos da verdade e do belo, mas não é possível pensar o belo sem eles. Sendo o belo um juízo em relativo, importa em um termo de comparação.

A mais frágil das formas de arquétipo é a da filosofia empirista. É belo o que agrada para se conhecer, seja para se ver ou ouvir, seja para de algum modo imaginar ou pensar.

Os racionalismos idealistas estabelecem qualquer referência apriori ou subjetiva, em função da qual se conceitua o belo.

As filosofias, ditas dos valores e similares ditas alogicistas, também concebem um termo de referência a seu modo, em função do que operam suas doutrinas sobre o belo.

Finalmente, as filosofias da metafísica do ser, estabelecem a este como um dado definitivo, de cuja análise passam a construir o sistema, no qual os arquétipos são a base de toda uma ontologia, em que também o belo tem sua vez.

A essência arquétipa absoluta nada tem acima de si para se comparar e adquirir relação de perfeição. Mas, esta essência suprema se compara consigo mesma, tomando-se a si em função apenas aos graus de plenitude; comparam-se os graus a partir de um primeiro, do qual seguem para o infinito. Sendo por definição o grau máximo, sua mesma definição já aponta que o termo de comparação está para baixo e não para cima.

Também a essência divina se diz perfeita em função aos graus inferiores; estes, os graus, se encontram aliás contidos eminenter no grau superior e absoluto.

O arquétipo, ao se comparar com os graus inferiores, os considera em abstrato. Não se diz maximamente belo em função a este ou àquele indivíduo belo, mas simplesmente como grau máximo de todos os graus inferiores tomados simplesmente. E assim, como bem expressa Platão, o arquétipo não varia com os termos concretos limitados.

"... este homem verá bruscamente certa beleza, de um natureza maravilhosa. Verá um ser que, em primeiro lugar, é eterno, que não nasce, nem morre, que não aumenta e nem diminui, que além disso não é em parte belo e em parte feio, agora belo e depois feio, belo em comparação com isto e feio em comparação com aquilo, belo aqui e feio acolá, belo para uns e feio para outros. Conhecerá a beleza que não se apresenta com rosto ou com mãos ou qualquer outras coisa corporal. Beleza, ao contrário, que existe em si mesma e por si mesma e por si mesma sempre idêntica, e da qual participam todas as demais coisas belas. Estas coisas belas individuais, que participam da beleza mesma suprema, ora nascem, ora morrem, mas essa beleza jamais aumenta ou diminui, nem sofre alteração de qualquer espécie" (Banquete 210 e -211 a).

 

ART. 3-o. PROPRIEDADES DO BELO: O SEU CONTRÁRIO,
O FEIO, E AINDA SEUS GRAUS E SIMILARES. 0764y160.


161. Uma conhecida propriedade do belo é a sua esteticidade, pela qual se diz que o belo agrada. Esta é uma propriedade extrínseca, no sentido de que o belo atua sobre as faculdades apetitivas do homem. Desta propriedade do belo trata a estética psicológica (vd cap. 3-o). O belo apresenta também propriedades intrínsecas. Definido essencialmente como uma qualidade do ente, o belo tem como propriedades intrínsecas, - e portanto de primeiro plano, - aquelas que são peculiares a todo e qualquer qualidade. Por esta via, o belo tem a propriedade de ter contrário, - o feio; a propriedade de ter graus, - o mais belo, o menos belo; e ainda a propriedade de ter semelhante, referidos pelos termos que significam com proximidade da palavra belo, entre outros, glória, majestade, fulgor, fama.

Advertiu Aristóteles para estas três propriedades da qualidade, pensando mais no modo categorial da qualidade. Sem prejudicar sua posição, é possível aplicar a mesma divisão às propriedades dos modos transcendentais. Assim, por exemplo, a verdade tem seu contrário no erro; o belo tem seu contrário no feio.

Ocorrem, segundo o Estagirita, três propriedades irredutíveis na qualidade: 1) Tem a qualidade um seu contrário; 2) é suscetível de mais e menos, de crescimento e diminuição; 3) admite o semelhante e o dissemelhante, sendo que esta última qualidade acontece apenas na qualidade (Categorias, 10b 12 - 12a 35).

 
§ 1-o. O belo e o feio como contrários. 0764y162.


163. Em virtude da propriedade que possui a qualidade de poder admitir o seu contrário, tem o belo, como qualidade que é, um seu contrário, - o feio. Classificar o belo e o feio como duas determinações que possam ocorrer em uma qualidade, constitui ponto de vista radicalmente distinto daquele outro que classifica o belo, ou o feio na linha do mais e do menos, do aumento e da diminuição, que resulta em graus. Ambos os temas confluem pela circunstância de afetarem formalmente o belo e não apenas a matéria em que este corre; mas diferem pelo ponto de vista em questão. O que agora simplesmente nos ocupa é apenas a contrariedade: o belo, enquanto contrário do feio, e o feio, enquanto contrário do belo. Mas não o belo e o feio enquanto possam constitui-se como graus, porque isto não o são. Afirmou Platão expressamente serem o belo e o feio contrários ( Fedon, 70b; I Fedro, 246e).

Forneceu-nos Aristóteles a conceituação geral sobre o assunto: "A contrariedade pertence também à qualidade; por exemplo, a justiça é o contrário da injustiça, o preto da brancura, e assim por diante... Tal, porém, não é sempre o caso; o vermelho, o amarelo e as cores do gênero não têm contrário, embora sejam qualidade. Além disto, se um dos dois contrários é uma qualidade, o outro será igualmente uma qualidade. Isto se mostra evidente desde que apliquemos (aos nossos exemplos) as outras categorias; assim, se a justiça é uma qualidade, a injustiça será também uma qualidade; nenhuma outra categoria, com efeito, se comporá com a injustiça, nem a quantidade, nem a relação, nem o lugar, nem, de um modo geral, nada que não a qualidade. O mesmo vale para todos os demais contrários encontrados sob a qualidade" (Arist., Categorias, 10b 12-25).


164. Prontamente nos vêm algumas observações a propósito do belo e do feio.

Poderia, ao que diz Aristóteles, uma qualidade não ter o seu contrário, como o amarelo que de fato não o manifesta possuir. Se o belo tem o feio como seu contrário necessariamente, contudo não resulta esta situação simplesmente da circunstância de se constituir o belo como qualidade, porquanto há qualidades que também não o têm.

Além disto, se um dos contrários é uma qualidade, o outro termo, quando existe, também será necessariamente de natureza qualitativa. Suposto, portanto, que o belo seja uma qualidade, admitido que o feio se configure como seu contrário, o feio se constitui como qualidade e não como quantidade, ou relação, ou lugar, ou qualquer outra categoria de ser.

Não se deve confundir a questão do belo e do feio com as oposições do estético e anti-estético; tais duas outras propriedades dizem ;respeito simplesmente à consequências afetivas de que o belo e o feio são capazes. Apenas materialmente o belo e o estético poderão coincidir.


165. Pelo aspecto estético, a questão do belo e do feio oferece considerações muito específicas; não tem faltado o interesse de alguns autores neste sentido.

Karl Rosenkranz, 1867, publicou a primeira vez uma Estética do feio (Aesthetic des Haesslichen, Koenigsberg). Depois não decresceu o interesse em torno assunto.

Levam ainda os nossos dias a peculiaridade muito especial de haverem permitido o ingresso amplo do feio no campo da arte. É que o artístico, interpretado hoje como mensagem não envolve diretamente a questão do belo e do feio. O artístico se opões ao não artístico, mas não ao feio. Realçada a função a função da arte ;como expressão sensível de uma idéia que se põe na obra, resultou que a arte moderna seguiu por veredas antes não conhecidas, desenvolvendo-se ora pelas formas elegantes do belo, ora pelas disformidades do feio, sobretudo quando se trata de atingir a singularidade (Cf. J. A. Tobias, O feio, São Paulo, 1960).


166. O feio, como qualidade oposta ao belo, possui as mesmas propriedades do belo, mas em direção inversa: a teoreticidade e a esteticidade. São as mesmas, porque se situam num mesmo gênero, embora com inversão.

a). A teoreticidade, no belo, significa o objeto enquanto se presta a ser contemplado pelo inteleto. Assim, o feio se configura como algo que se apresenta à percepção cognoscitiva. A teoreticidade distingue o feio como distinto do imoral, porque este diz respeito à ordem prática; enquanto o feio não é apreciado para ser visto, o imoral não o é, para ser praticado. A mente não busca o feio, a vontade não quer o mal.

A teoreticidade do feio caminha na direção inversa da teoreticidade do belo. O feio faz o objeto configurar-se como algo fora de um esquema que deveria ter valido. Ocupa-se, então, o inteleto em reconhecer desproporção. Em conhecendo o objeto feio, anota o que apresenta de positivo; e, por desconto, avalia também aquilo de que se encontra privado.

b). A esteticidade, como índole própria do belo, enquanto capaz de produzir um sentimento de agrado, também ocorre no feio. É notável que o feio repercute na faculdade apetite. Mas a direção é inversa; enquanto o belo promove a aquietação afetiva, o feio retém o apetite em resistência. Por contraste, aumenta a esteticidade da beleza do objeto colocado em direta oposição ao objeto feio.


167. A afetividade admite interferências no seu comportamento; destas circunstâncias se ocupa a estética psicológica. Tanto isto ocorre com o belo como com o feio; ambos repercutem no sentimento e se exercem com um comportamento cujas leis são determináveis.

A propósito da propriedade estética do feio, precisamos ainda anotar que, embora o termo estético aqui também se adote para os efeitos afetivo, costuma ordinariamente se restringir para os resultados positivos do sentimento do belo. Para o uso normal é chocante falar em esteticidade do feio; mas se subentende aqui; uma esteticidade, que significa apenas a reação afetiva. Tal como o sentimento do prazer , que só se usa para o efeito positivo, a afetividade indica somente o afeto positivo. Entretanto, tal como o sentimento, que poderá ser ora o agradável, ora o desagradável, o estético passou a permitir ambos os pólos.


168. Que seria o feio em si mesmo, sob o ponto de vista da essência? Também aqui o feio se desdobra em noções idênticas às do belo, porém numa direção inversa. Apresenta-se o belo como um ajuste entre concreta e o seu arquétipo absoluto; o feio é o desajuste da coisa com o seu arquétipo absoluto. Tanto no belo, o ajuste ocorre por exigência do ser, como no feio o desajuste violenta esta exigência; por isso ainda no feio falta precisamente algo que é devido. O feio é o ser privado de uma beleza devida; sabe-se que é devida, em virtude de se conhecer a norma ou essência exemplar que deveria preencher para alcançar sua linha ontológica conveniente.

O feio não está nos elementos faltosos; estes simplesmente não existem. Não coincide o feio com os elementos que subsistem. Estes, enquanto subsistentes, são belos. Mas apenas enquanto vistos pelo lado que lhes falta, são ditos feios.

O fundamento do feio é real. Os objetos, embora em si mesmos belos, no referente ao que são ser, encontram-se limitados. Em função desta limitação, dizem-se feios com fundamento na coisa. Não existe o feio em si mesmo, como já se vê. Configura-se o feio como um ser de razão, com fundamento real na coisa.


169. Em assim sendo, não se pode dizer que o feio é a beleza menor comparada com a maior. Já um antigo afirmou, que o mais belo dos macacos é feio diante do mais belo dentre os homens. Esta assertiva estabelece algo que não coere com a nossa afirmação. Contudo, tomada ao modo pretendido pelos ancestrais, ela mantém o seu valor. É pretendia apenas destacar diferenças.

Não é exato dizer que os graus do belo principiam no feio. Ainda que os graus do belo iniciassem num ponto zero, para dali avançar até o grau máximo, continuaria falsa a afirmação de que belo principia no feio. Diz-se o feio de um objeto em desproporção de seu arquétipo. Isto se apresenta com outra figura. Não resulta o feio de uma graduação inferior. Cada grau é legítimo, desde o ponto zero. O feio é a ausência de uma perfeição devida, em qualquer grau de perfeição que isto ocorra.

Invocando as propriedades que Aristóteles via na qualidade, punha a justiça e a injustiça como contrários, opostas por contrariedade. É isto que procuramos mostrar ocorrer entre o belo e o feio.

Quanto à distinção em graus de beleza, já é outro aspecto. Mas também aqui ocorre a lista paralela de graus de feiura, como nojento e asqueroso, esquisito e extravagante.

Ainda sempre em função à contrariedade, completamos enfim as noções: o belo é a perfeição em realce; o feio é a imperfeição em realce.

 
§ 2-o. Graus de beleza e estilo. 0764y170.

171. O mais e o menos, que se faculta à qualidade, permite ao belo graduar-se, a começar de um mínimo, até alcançar um máximo de perfeição; ao mesmo tempo ocasiona a possibilidade de progressão, progredindo de um para outro, de sorte a aumentar o volume de beleza.

A graduação da beleza é inegável. Todos os níveis de perfeição se observam na natureza, nas obras humanas e nas concepções. Também é inegável uma progressão da beleza. No botão da flor vemos como se desdobra, se amplia, desabrocha e finalmente exibe um estado pleno, o qual é apreciado como belo. E assim também nos animais, nas pessoas, em tudo que se move e se altera, a progressão da beleza ocupa estádios diversos de intensidade.

A regressão pelo embotamento, pelo envelhecer, pela destruição, eis a prova inversa de que a beleza pode crescer e diminuir. Estes são os fatos. ;A filosofia procura conceituá-los, mostrando que o mais e o menos, o aumentar e o diminuir são propriedades cabíveis na qualidade em geral, embora não necessariamente; além disto, outras categorias são capazes do mais e do menos, do crescer e do diminuir.

Platão, ao tratar dos graus do belo, descreveu o belo do mundo sensível como sendo sombra do belo arquétipo.

Aristóteles tratou dos graus mais sistematicamente, Fazendo considerações valiosas:

"As qualidades admitem também o mais e o menos. Uma coisa branca, com efeito, é dita mais ou menos branca que uma outra, e uma coisa justa mais ou menos que uma outra. Além disto, a qualidade em si mesma recebe o crescimento: o que é branco pode tornar-se mais branco. Esta propriedade não pertence, contudo, a todas as qualidades, mas somente à maior parte. Sustentar que a justiça aceita o mais e o menos não se admite sem dificuldade; alguns o contestam e pretendem que não se pode absolutamente dizer que a justiça é susceptível do mais e do menos, e igualmente com referência à saúde. Tudo o que se pode dizer, é que uma pessoa possui menos saúde que uma outra ou menos justiça que uma outra, e o mesmo vale para a gramática e outras disposições... (depois de mais algumas considerações conclui). Todas as qualidades não admitem pois o mais e o menos" (Arist., Categorias, 10b 25 - 11a 15).

E o belo, como qualidade, admitiria graus do mais e do menos? Não o afirma Aristóteles no texto referido, mas o admite em seu tratado de Retórica, ainda que não coloque a questão diretamente em função a esta peculiaridade referente à qualidade em geral. A ocorrência dos graus na beleza, como arrolamos os fatos anteriormente, é incontestável.

172. Os graus de beleza pelos seus nomes. Os graus de beleza recebem seus nomes, pelos quais se fazem conhecer.

Os nomes são todavia dados eventualmente e não expressam sistematicamente a progressão dos graus. Então os muitos graus têm de ser estudados sem atenção imediata aos respectivos nomes. Eles podem mesmo nos perturbar com sugestões etimológicas e sedimentações semânticas, que mais indicam aspectos secundários, do que a medida justa dos graus.

Além disto, em cada idioma, principalmente nos grupos idiomáticos inteiramente isolados, variam os nomes e as sugestões. Até os nomes relativamente universais, como belo e beleza, - que contudo se limitam quase só ao espaço das línguas latinas,- não indicam os graus senão por meio de contexto. Diante disto, os graus de beleza são denominados dispersivamente pelos seguintes nomes: belo, lindo, elegante, formoso, Schoen (alemão), fein (alemão), fine (inglês), krasotá (ruso), kalós (grego), pulcher (latim). Ingressando por especificações mais caracterizadas, ocorrem ainda as denominações como: sublime, excelso, humorístico, chistoso, ingênuo, etc.

Em geral belo e pulcro significam de maneira mais abstrata.

Elegância realça a importância do realce entre outros.

Formoso insiste no acabamento brilhante das formas.

Sublime e excelso ocorrem quando as dimensões metafísicas do bel ultrapassam o ordinário e apelam particularmente ao espírito.

Humorístico, chistoso, ingênuo, indicam o belo ao mesmo tempo que certo desequilíbrio; com as normas sociais (especialmente no caso do humorístico), ou desequilíbrio pelo choque de desencontros de idéias e imagens (no chistoso), ou desequilíbrio no amadurecimento mental (no ingênuo).

173. O estilo. Ao estilo se junta ordinariamente o significado de beleza.
Variando os estilos por meio de elementos que não mudam a essência da espécie, pode fazê-lo também pelos graus de beleza, porquanto estes graus também não afetam a essência da espécie. Então, graus de beleza e graus de estilo podem eventualmente equivaler-se.

Mas, o estilo é antes de tudo um termo do círculo da arte. Ora, o artístico se refere à expressão sensível, à mensagem, ao que se põe em obra. Portanto, estilo não significa diretamente o pondo de vias da beleza, que é o de realce da perfeição. Por isso não se incorre em tautologia ao se falar em belos estilos, dado que o estilo não diz necessariamente o belo.

Etimologicamente, estilo é indicador de origem. Tal circunstância se acomoda perfeitamente à arte, visto que esta produção lembra efeitos de origem. Procede o termo estilo da radica indo-européia steig-, com o sentido fundamental de picar. Dali derivam, entre outros, os termos estigma, instigar, instinto, estímulo, estilo e seu diminutivo estilete.

Como se pode ver, o sentido originário de estilo é aquele ainda conservado em estilete, objeto pontiagudo para picar e escreve. Considerando que as formas da ação de picar, resultam do instrumento, estilo passou a indicar a forma em si mesma. A capacidade de um mesmo autor se restringe naturalmente a; um certo; tipo de escrever, como se observa na caligrafia peculiar em cada um de nós. Espontaneamente se foi firmando a acepção de estilo com modalidade de escrever, de pintar, de construir.

Diante do exposto, estilo e grau de beleza não se identificam. Em virtude, porém, da aproximação dos empenhos do esteta e do artista, os termos irradiam semanticamente, de sorte a poderem em circunstâncias especiais de contexto, significar uma e outra coisa.


174. No plano da arte, que é estilo? Vagamente, estilo é um modo peculiar de escrever, de construir, de pintar, de compor a música, de fazer teatro e ballet.
Com mais precisão, estilo é a maneira de realizar a obra de arte em seus aspectos acidentais, com uma repetência de certos modelos, de sorte a se estabelecer certa , que faça distinguir grupos de indivíduos dentro da mesma espécie. Assim sendo, o estilo é o acidental, que se tornou uma frequência, sem que chegue a alterar a espécie.
Também nas espécies naturais ocorrem elementos que se repetem, sem que afetem essencialmente os indivíduos da mesma espécie, e nem cheguem a ser propriedades decorrentes necessariamente da respectiva natureza. O ser branco, moreno, preto, louro, alto, mediano, é peculiar a certas etnias. Apenas não é hábito denominar estilo às variantes acidentais frequentes na natureza. Além disto não se comportam igualmente os estilos das artes e os "estilos da natureza".

Estilo é a qualidade em que uma obra se determina por ter sido realizada dentro de certas características individualizantes.


175. Cada estilo suporta um certo grau de variantes em relação ao seu denominador principal. O de maior variação é estilo eclético; o de variação mínima é estilo puro. O de variação média, é estilo no sentido como ordinariamente é praticado.

Dentro destes princípios de variação, com o fim de manter alguma individualização, se aplica a cada obra de arte algum elemento somente seu. E assim também, cada artista, apresenta alguns elementos peculiares às suas obras como um todo.

Enfim há padrões abstratos que orientam as obras em geral, e que então se dizem de um certo estilo, por exemplo, clássico, barroco, romântico, moderno.

Na arquitetura um certo padrão orienta a abertura das janelas, o lançamento dos arcos, a expansão das abóbadas, o desenvolvimento das linhas, a ordem nas sucessões, o comportamento dos volumes e das faces expostas.

O estilo gótico, de origem conhecida, com desenvolvimento sobretudo na França, tendo como paradigma a catedral de Saint-Denis, constrói segundo feições inegavelmente próprias: arcos com ogivas, abóbadas típicas, janelas pontiagudas, gosto pela altura.

O estilo arquitetônico barroco, desde logo prestigiado em Roma, no século 16, com o paradigma na igreja de Gesù (dos jesuítas e traçada por Vignola), constrói entumecendo os volumes, distorcendo linhas, arrebentando arcos e planos, dali resultando volutas e decorações.

O clássico, constrói com elementos bem calculados. É sempre lógico, absoluto, à medida que foge do individual.

Analogicamente os mesmos princípios de variação de estilo valem nas restantes artes.


176. Psicologicamente, o estilo se reduza a um expediente antropológico de ritmo, modelizado com recorrências, com o fim de facilitar a apreensão cognoscitiva e suavizar o efeito sentimental.

De uma parte, a limitação antropológica das faculdades humanas do conhecimento nos obriga a conhecer os objetos por partes que se fazem suceder; estas exigem certa sequência em que a parte nova não constitua mudança inteira sobre a parte precedente; por isso, não é qualquer ritmo que se proporciona aos processos inteletuais e sensitivos do homem. Há, portanto, ritmos padrões para a sucessão dos movimentos mecânicos, para a mudança das cores, para a sequência dos sons, das palavras, dos pensamentos, etc.

A consideração em separado do elemento que não; muda, possibilita a modalização do ritmo, ou da sequência da ação, das cores, dos sons, das linhas, etc. Resultam dali a recorrência, a rima, o acento, o motivo, a unidade de estilo e técnica.

O estilo é uma necessidade estética baseada na limitação antropológica do conhecimento; humano. Este não se pode dispersar excessivamente e então, a ordem rítmica, com partes iguais e partes diferentes, estas modalizando a sequência, amparam o conhecimento subordinando-lhe objetos ajustados dentro de um certo tipo de formas assimiláveis. "O estilo é a vida e o sangue mesmo do pensamento" (Flaubert, Pensées, 153).

Sob o ponto de vista estético-belo importaria que as formas escolhidas para serem postas em sequência rítmica, fossem perfeitas e realçadas. Mas sob um ponto de vista meramente estético-artístico tal não se requer; o objetivo é transmitir mensagem, e então qualquer forma, desde que viável antropologicamente, funciona. Ainda que o estilo não seja do gosto do artista, nem do eventual apreciador, basta que as linhas retornem constantemente à mesma índole geral, para que ocorra a normal presença de um estilo.

Ora funcionando o estile como técnica uniformizadora, ora o algodão ensopado em tinta, - por si só a técnica já garante um estilo, evitando a dispersividade despersonalizadora. Sob o ponto de vista estético-belo, os estilos belos são aqueles que escolhem esquemas aceitáveis. E assim há estilos belos e menos belos.

177. Moda, estilo, beleza. A moda é necessariamente um estilo, porque padroniza certo tipo de elementos acidentais, com o afastamento de outros.

Como o estilo, não é a moda necessariamente artística, embora consiga eventualmente por outras razões chegar a ser.

Ainda como o artístico, a moda não é necessariamente bela, ainda que faça do belo um dos seus principais recursos. Mas, enquanto o motivo antropológico do estilo é facilitar a apreensão, o da moda é o de chamar a atenção, sendo o belo um dos instrumentos deste objetivo. A moda tem o falar como um seu objetivo direto; por este lado, a moda está mais próxima da arte, que da beleza.

Se a moda estivesse antes de tudo próxima do belo, não se sentiria necessidade de mudá-la tão depressa.

"Que é a moda? Do ponto de vista artístico, é correntemente uma forma de fealdade tão intolerável, que nos vemos obrigados a mudá-la cada seis meses"(Oscar Wilde).

Neste modo de conceituar acontece algum exagero, porque na verdade a moda sempre tende a ser bonita. O que na verdade a moda procura é aproveitar-se das vantagens da variedade. O que a boa moda principalmente faz, é pôr um ritmo temporal a longo prazo, como o outro ritmo faz a curto tempo.

178. Originalidade. Próxima ao estio e aos graus de beleza se encontra a originalidade.

Na acepção direta, a originalidade não se confunde com o estético, e nem sequer com o artístico, embora dela muito se preocupem os artistas.

É a originalidade aquela qualidade que uma obra de arte associal pela circunstância de se ter originado como algo inteiramente novo.

A imitação produz o belo, sem a originalidade. Não obstante, o que reprodução reproduz conserva o mesmo valor na escala absoluta do belo. Neste sentido, a beleza e a originalidade não se identificam e nem precisam estar juntas.

O Palácio do Congresso Nacional do Brasil se apresenta certamente original. Não decorre dali que ele seja estético.

Em 4 de abril de 1961, - reportando-nos a primeira vez sobre Brasília arquitetônica, então apenas inaugurada como capital federal, que fora no ano anterior, - escrevíamos:

"O Palácio do Congresso, pela localização e largura, alcança imponência considerável. Dominando o panorama, parece tentar dizer que nesta Nação deve governar o Parlamento. Mas, em troca de uma plástica massuda, ficou sem aberturas, numa terra de sol, onde tudo sugeriria janelas. Esfinge faraônica, de ouvidos fechados, alheia ao barulho, tenta decifrar os destinos da Pátria. Certamente é original. O Congresso é um exemplo em que a originalidade não coincide com a estética; não falta a estética; mas certamente muito maior é a originalidade" (A Gazeta, Florianópolis, 4-5-1961).

Pode a originalidade ser também interpretada como autenticidade: como coincidência da obra sensível com a idéia exemplar concebida pelo autor. Quando ocorre a sinceridade, a obra de arte necessariamente exprime a situação espiritual do artista; as obras de todos os artistas, a situação de um povo.

Escutando a voz da subjetividade artística, rompem-se muitas vezes os laços dos artistas com escolas a que pertenciam e que estavam em voga. Os estilos são uma necessidade antropológica, porque necessita o homem de uma certa ordenação rítmica de manifestação e assimilação; mas a escolha entre os estilos não se impõe antropologicamente; dentro de cada estilo, as manifestações também se conservam da livre inspiração do artista. Nas escolhas, eis onde o artista se mostra autêntico; escolhe em função a uma necessidade íntima e não por simples laço exterior de escola e convenções reinantes.

"Não consiste a originalidade na observância das leis do estilo, mas na inspiração subjetiva que, em vez de se formar de uma certa maneira para sempre utilizada, escolhe um assunto racional em si mesmo e o desenvolve escutando apenas a voz da subjetividade artística" (Hegel, Estética, II, c. item 3 c. p. 255)

179. Comparadas as belezas, ocorre uma evidente preferência pelas que se sobrepõem em grau. Isto ocorre tanto dentro de uma espécie, em que os indivíduos satisfazem diferentemente à sua essência específica, como também ocorre de essência para essência, até alcançar a máxima, a divina beleza.

Entre os jovens, preferimos o melhor conformado, assim também com as jovens, com as crianças, com os animais, com as plantas, com as flores. Entre as essências, preferimos a beleza espiritual sobre a corpórea, a beleza divina sobre a criada. Apenas a ilusão induz a outro comportamento estético.

Mostra Platão que a sabedoria está em vislumbrar o belo absoluto através das belezas concretas dos indivíduos e das essências inferiores. Observa ainda que o belo absoluto merece todo o nosso amor.

A insinuante doutrina de Platão sobre a estima à beleza, a apresenta ele mesmo belamente, em forma de discurso admirável, pela boca de Diotima, sacerdotisa de Mantinea, falando a Sócrates. Neste discurso sobre a metafísica do amor, se refere ainda aos mistérios de Elêusis, - os ritos praticados pelos adeptos, que se iniciavam em todos os graus de perfeição até o mais elevado.

"É possível, caro Sócrates, que tenhas acesso a este grau de iniciação na doutrina do amor. Não sei todavia se poderás atingir ao grau superior, o da revelação que é o fim a que irão ter todos os que praticam a boa via. Não sei se ela está ao teu alcance. Todo aquele que deseja atingir esta meta, praticando acertadamente o amor, deve começar em sua mocidade por dirigir a atenção para os belos corpos, e, antes de tudo, deve amar um só corpo belo, e, inspirado por ele, dar origem a belas palavras.

Mas, a seguir, deve observar que a beleza existente em determinado corpo é irmã da beleza que existe em outro, - e que, desde que se deve procurar a beleza da forma, seria grande mestra da insensatez não considerar como sendo uma única e mesma coisa a beleza que se encontra em todos os corpos. Quando estiver convencido desta verdade, amará todos os belos corpos, passando a desprezar e ter como coisa sem importância o violento amor que se encaminha unicamente para um só corpo.

Em seguida, considerará a beleza das almas como muito mais amável da que o dos corpos, e destarte será conduzido por alguém que possua uma bela alma, embora localizada num corpo despido de encantos, e a amará, zelando por sua felicidade, e inspirando-lhe belos pensamentos capazes de tornar os jovens melhores. O amante contemplará desse modo a beleza que há nos costumes e nas leis morais, notando que a beleza está relacionada com todas as coisas e considerará a beleza corpórea como pouco estimável.

Depois destas considerações, é para os conhecimentos científicos que o guia dirigirá a seu discípulo, afim de que ele possa agora perceber a beleza que existe nesses conhecimentos. Lançando o seu olhar sobre a vasta região já ocupada pela beleza, deixando de ligar, como um lacaio, a sua ternura uma única beleza, - a de uma jovem, a de um homem, a uma única beleza, - o discípulo liberta-se desta escravidão, deixa de ser ente miserável. Ao contrário, volver-se-á agora para o oceano da beleza e, contemplando-o, dará à luz incansavelmente belos e esplêndidos discursos" (Simpósio 210 a-e, trad. Paleikat).


180. Avaliação dos graus de beleza e estilo. A propriedade que exerce a categoria da qualidade, se estabelece com graus, o que permite tomar como legítimos todos os graus de beleza.

Duas perspectivas se apresentam para examinar: estabelecer o princípio de que há um grau absoluto supremo, em função do qual se estabelecem graus, e determinar quais são estes graus. Mais especificamente: estabelecer o princípio de que há um grau supremo do belo, e determinar quais são os graus do belo.

Avaliar, ou valorar, é medir e comparar. Preocupa-nos agora medir os graus de beleza, o que se faz comparando-os com um modelo admitido como absoluto.

Somos levados espontaneamente a fazer comparações quando os graus efetivamente se apresentam. Mas por causa do fato de os graus afetam diferentemente aos gostos dos indivíduos, nos deixa perplexos, e ficamos a perguntar se haveria mesmo um termo absoluto, em função do qual se mediriam os diferentes graus. Suposto o metro (como padrão absoluto de medida), as demais dimensões se denominam em função dele. Por isso, as dimensões ficam sendo necessariamente, - ou iguais, ou menores, ou maiores.

Eis o que se pergunta, quando se requer um absoluto para a avaliação ou medida dos graus entre si comparados.

Nas cinco vias, ou cinco provas da existência de Deus, que Tomás de Aquino deu como as únicas provas válidas , está arrolada como quarta via a que se fundamenta no princípio de que os graus de perfeição requerem um grau máximo. Ora, há efetivamente graus de perfeição; logo, existe o grau máximo, a saber, Deus (S. Tomás, Summa Theologica, I, q. 2, art. 3, corpus).

O princípio de que os graus supõem um grau máximo, considerado importante para a validade de uma das provas da existência de Deus, o é também para a estética, bem como do tratado do belo em geral. Se o belo apresenta graus, há um grau absoluto de belo.

Uma vez aceito o valor absoluto de comparação, a marmita, de que se ocupa um diálogo de Platão, não é bela antes de tudo porque mais perfeita entre outras marmitas singulares da mesma espécie; é bela a marmita enquanto comparada com um termo absoluto, ao qual realiza pelo menos em parte. Nem a donzela, ou virgem, é bela apenas enquanto comparada com o símio, e feia quando a comparação se faz com a deusa.

Há uma inferioridade da donzela diante da deusa. Mas neste caso ocorre um outro modo de comparação, a dos dois termos absolutos, o da virgem como tal e o da deusa como tal. Efetivamente, pode uma virgem ser perfeita, como "esta" virgem... E uma deusa poderia ser imperfeita como "esta" deusa. Em tal outra hipótese a virgem satisfaz ao seu termo absoluto de comparação e a deusa não ao seu respectivo.

No diálogo Hípias maior, de Platão, se manipulam pontos de vista, ora absolutos, ora relativos, de maneira a ocorrerem os sofismas que lá o mestre da Academia procurou desfazer, derrocando o contendor,.

Há, portanto, uma perfeição que se diferencia de essência para essência e outra que se diferencia nos indivíduos dentro de uma essência. A diferenciação, que vai de uma essência para outra, ocorre, como quando comparamos, por exemplo, a essência de macaco e a essência de homem. Nesta hipótese o mais belo dos símios é sempre inferior a; qualquer indivíduo humano. Entretanto, no interior do quadro de uma essência, podem ocorrer realizações desde o indivíduo menos acabado, até aquele que exaure as formas de sua respectiva essência arquétipa. Neste sentido definiu Aristóteles:

"Chama-se perfeito, o que nada pode superar em seu gênero (Met. , 1021b 12).

182. Estética absoluta e estética relativista. A questão dos graus de perfeição nos leva a discutir e ter que decidir entre uma estética absoluta, com um termo arquétipo máximo, e uma estética relativista, sem outra referência, que a eventualidade.

Não houvesse um termo máximo, os graus não se poderiam fixar de maneira definitiva em seu valor. Nada teria um padrão absoluto para nele se medir. Algo que fosse belo, o seria apenas porque superior a um grau anterior. Ainda assim não se poderia estabelecer como belo senão de maneira muito relativa. Pela mesma razão que fosse belo, por ultrapassar um ser inferior, poderia ser feio, enquanto ultrapassado por um ser superior. E assim nada seria verdadeiramente belo e nem feio mas tudo relativo.

O ponto alto das grandes filosofias está ali onde conseguem explicar como o singular se coordena sob o universal e absoluto. O relativismo, produto do empirismo, não vê liames a unir os seres particulares entre si; quando os parece enxergar, como sucede com o positivista, não faz senão filosofia incoerente a um autêntico empirismo. Por isso não pode ir além de uma estética relativista.

A filosofia clássica, como se formulou em Parmênides, Platão,

Aristóteles, Tomás de Aquino, e depois ainda continua nos modernos Descartes e Leibniz, admite princípios universalmente válidos, a comandarem com anterioridade a constituição das coisas concretas contingentes. Tudo quanto surge, somente aparece dentro dos esquemas impositivos das essências absolutas e imutáveis.

Tais doutrinas supremas repercutem imediatamente para dentro da estética do belo. Nada seria belo apenas porque eventualmente se realça com maior volume sobre outros graus de ser inferior. Antes desta comparação algo já é belo enquanto se realiza dentro de um esquema absoluto, em que os graus de realce não se medem primeiramente entre si, mas em função de sua aproximação com o termo arquétipo absoluto.

Em função ao que expúnhamos, quando tratamos do belo como verdade ontológica (vd), o ideal absoluto existe.

Suposto o absoluto, supostos os graus de beleza, ocorrem ainda detalhes sobre a influência do absoluto na avaliação do belo nos graus que apresenta, os quais também merecem ser considerados.


183. Não podendo os graus do belo oscilar desde que ocorra um termo absoluto de comparação, a diversidade das apreciações feitas pelos humanos, se deve atribuir à subjetividade dos manifestantes.

Há ainda uma subjetividade direta e desejada, a artística. Neste sentido, adverte-se que a arte é manifestação em obra sensível, a partir da qual exprime seu objeto. Transformou-se então aquele material sensível de acordo com o que lhe foi dado exprimir; a função que recebeu para exercer poderá não coincidir com a mais bela entre as formas. É por isso que a obra poderá ser eminentemente perfeita como arte, e não ainda como simples entidade absoluta de matéria. Pode a arte inclusive buscar a representação do feio.

O belo da perfeição artística independe daquilo que representa e daquilo que é representado.


184. O belo também se limita quando algo se exerce como parte dentro de um todo, ao qual obedece. As partes enquanto se proporcionam e se ordenam em um todo, devem comportar-se em função à totalidade, o que resulta em limitações para as partes em si mesmas. Um porta se subordina ao todo da sala. Um cantor se coordena ao coral. Um tambor isolado talvez não valha o que representa integrado em uma banda de música. Como a grandeza de um exército sob comando se mede pela despersonalização do soldado, o todo belo se realiza plenamente com as partes perfeitamente subordinadas ao conjunto. Então as partes se limitam necessariamente e de modo justificado.

E assim asseveram alguns filósofos que até o mal concorre para o realce do bem, como o feio do belo. Não obstante, o fim não justifica os meios. Não se permite o mal e o feio para destacar o bem e o belo. O destaque que dão ao bem e ao belo, o dão apenas acidentalmente. Além disto o dão apenas nos casos particulares. Como um todo, o bem absoluto e integral é superior ao bem ao qual adere algum mal. Igualmente como um todo, o belo absoluto e integral é superior ao belo ao qual polui alguma coisa feia.

185. Avaliação subjetiva e histórica dos estilos. Variam os gostos, apesar da ordem objetiva imutável. É que a apreensão do apreciador se concentra em distintos aspectos, com a consequente diferença de gostos, porque baseados em motivos também distintos. Assim sendo, todos apreciadores têm subjetivamente razão, ao se diferenciarem nas opiniões e gostos. Aparentemente pelo menos, a razão está mesmo com Protágoras, quando dizia ser o "homem a medida de todas as coisas".

Mas se a atenção se tornar crítica, de sorte a se atender a todos os aspectos de um mesmo objeto, os efeitos estéticos já não poderão diferenciar-se muito. A partir desta consideração, a variedade dos gosto não resulta tanto da diversidade intrínseca da estrutura psicológica dos indivíduos, mas de diferenciação de cultura, de educação.

A diversidade na apreciação parece mesmo fundar-se principalmente na atenção diferenciada às coisas. Uma simples desatenção faz a mesma pessoa mudar de opinião e apreço. O estudo aponta para novos aspectos subtis. O ignorante é incapaz de atender a um grande número de elementos e se reduz ordinariamente às sensações mais evidentes, como a cor em geral e não às suas cambiantes e sugestões. Mas eventualmente o ignorante poderá subtilizar sua atenção no exercício de uma eventual profissão. O homem selvagem tem audição acurada às necessidades da vida na floresta, e muito pouco sabe cantar.

O hieratismo da estatuária egípcia talvez fosse acertado até um momento de sua história, porque a preocupação se concentrava antes na majestade da dimensão. Na Grécia clássica a mesma tradição estatuária se transformou imediatamente em expressão de vida e graça, atenta certamente a outros ideais.

Através da história se fixaram certos tipos fundamentais de estilo, marcando que, apesar das ;divergências, ocorrem denominadores comuns na apreciação. A filosofia poderá, por obra do esforço especulativo, determinar estilos e graus de beleza ainda não realizados. Pela filosofia todos os graus são determináveis, como a numeração indefinida. A história apenas fixa aquelas formas que se fixaram como preferidas. É também possível que o mais perfeito dos estilos não tenha ainda podido se manifestar integralmente.

186. Alternância cronológica dos estilos. As realizações históricas dos estilos se têm processado com alguma oscilação. De maneira geral, as oscilações marcaram, ora preferência pelo equilíbrio harmônico, ora pelas modalidades bruscas das formas. Se dermos ao clássico o sentido amplo de harmônico e absoluto, ao romântico a acepção de forma brusca e individual, podemos dizer que o clássico e o romântico são aquelas duas maneiras fundamentais da oscilação dos estilos.

O clássico domina no 4-o século a.C. entre os gregos, inaugurando a primeira grande manifestação da arte, sem precedentes até então.

Retorna o classicismo no auge do Império Romano ao tempo de César Augusto.

No 9-o século dos medievais encontra-se o classicismo novamente vivo no chamado estilo românico, ainda que não se estabilize e nem alcance o antigo destaque.

Uma possante Renascença no curso dos séculos 15 e 16 marca um helenismo humanístico em contraste com o ascetismo cristão.

Mais uma vez, na volta de 1800, surge o clássico, sob a denominação, sob a denominação de neoclassicismo e derivações chamadas acadêmicas.

Por último, Um neoclassicismo também se pode notar em alguns ritmos da arquitetura moderna, apesar de sua inspiração predominantemente romântica. A poesia parnasiana foi também uma renovação classicista.

Nos entre-espaços ocorreram as mais diversas modalidades de estilos não clássicos, em que o propósito consistia na fuga do universal e do absoluto, em troca do singular, do eminentemente concreto, do brusco, do contingente, do histórico. Em tal contexto tinham lugar particularmente os objetos sensíveis, os sentimentos, a imaginação.

Já na antiguidade pré-clássica dos gregos se podem observar diversas formas de estilo desta outra natureza.

No período helênico, inaugurado por Alexandre Magno, prevalece um moderado naturalismo e o realismo, que reproduzem a natureza e realidade, sem insistência nos absolutos.

O estilo gótico dos medievais representa uma das formas mais peculiares da fuga da linha harmônica. O linearismo favoreceu a expressão da energia da virtude cristã e da ascensão mística.

Renova-se a vida na leveza da vegetalidade do barroco e na graciosidade do manierismo. A ênfase deste estico aconteceu com o rococó de enfeites arbitrários.

Enfim, depois do neoclassicismo de 1800, o romantismo faz retornar os gostos para o espontâneo, para as formas sentimentais, para um novo gótico medieval, para os sentimentos nacionais.

Não acontece depois do romantismo uma alternação para classicismo bem definido, ainda que se viesse a falar em estilos acadêmicos. Sem sair essencialmente do romantismo, formaram-se diferentes estilos chamados modernos, que vão desde o realismo e o naturalismo, inclusive parnasianismo e simbolismo, impressionismo e cubismo, até as extravagâncias do expressionismo, futurismo, surrealismo, abstraccionismo.

Os estilos modernos tem como característica fundamental a distinção entre o estético e o artístico. É o artístico caracterizado como mensagem infundida em obra sensível.

Cada estilo tem a sua filosofia da arte. Como algumas filosofias talvez não voltem a ter encantos como no passado, os respectivos estilos talvez não voltem com o mesmo ímpeto. Por exemplo, o simbolismo do final do século 19 estava apoiado na filosofia espiritualista eclética, fundada em recursos especiais de conhecimento, como a intuição e similares, com o que buscava ir mais além do positivismo, do cientificismo, do materialismo.

187. Combinação e composição. A multiplicidade de determinações que concorrem no mesmo objeto, permite que se lhes dê um tratamento em separado, de sorte a influenciar o grau de beleza do todo. Tanto isto pode ocorrer nos objetos da natureza, como nas obras de arte.

Numa tela poderia haver bom desenho, má combinação de cores. Poderia o desenho realizar-se bem como forma, e contudo não alcançar expressão.

Na música, os sons isoladamente podem ser belos. Sua ordenação rítmica temporal não depende apenas desta circunstância. Assim também os tons, que sobem e descem na escala, poderão, independentemente da qualidade dos sons e do ritmo temporal, compor-se segundo as leis da harmonia.

O escultor poderá atender ao que deseja figurar e esquecer a perfeição meramente formal dos volumes.

O arquiteto, atento ao principal, constrói no espaço, compondo linhas, planos e volumes, em função à sua ocupação útil. Poderia não estar atento às cores.

Assim também o literato. Ora atende ao ritmo dos sons articulados, ora ao ritmo das idéias. Ora faz dos termos a expressão convencional direta de; um pensamento (como na prosa). Outra vez suas palavras figuram ;imagens e estas vão por sua vez indicar escultoricamente, por associatividade, as idéias por meio de imagens que se atraem poeticamente.

O que acontece na arte, ocorre também nas manifestações da natureza. A combinação das cores se apresenta geralmente muito cuidada nas flores. Mas, em detrimento parecem menos realçadas nos desenhos, porque excessivamente simétricas.

O corpo humano, de volumes bem formados em suas partes isoladamente consideradas, também incorre em simetria notória, em que a cada parte da esquerda corresponde uma outra à direita. Por este motivo os escultores quebram a simetria binarista da natureza, fazendo avançar ora um pé mais que outro, ora curvando o busto para um dos lado, ora inclinando a cabeça mais para a direito, ou mais para a esquerda.

188. Simetria e assimetria. Tende a natureza para a simetria e a esteticidade para a assimetria, mas sem rigidez, nem num caso, nem noutro.

O fenômeno da simetria da natureza ocorre em geral por causa do binarismo das forças, quando em equilíbrio. Todo o prevalecimento de um elemento sobre outro, incorre em movimento, mas que tende a um novo reequilíbrio. Nos conjuntos maiores, fundamentalmente sempre binários, estabelecem-se algumas assimetrias, por causa de interferências nos reequilíbrios.

As células, em princípio redondas e formando com as primeiras redivisões indivíduos arredondados, tendem a diferenciações. Um dos dedos da mão, o polegar, deixou de se redividir, e por isso em vez de 6 dedos são apenas cinco. O corpo do ser vivo, se redividiu, de sorte a ser igual à esquerda e à direita. Mas não se redividiu do mesmo modo em baixo e em cima, ocorrendo pois a assimetria de baixo para cima.

A esteticidade é, portanto, favorecida pelos reequilíbrios diferenciados por obra de interferências da natureza. Não fossem estas interferências, seriamos todos como formas com a figura de bolas.

O índice desejado de diferenciação é de pelo menos de 1 para 1,50. Nos experimentos de Fechner, as preferências são marcadas pela figura de 1x1,66cm. Parece, portanto, que a natureza binarista criou a simetria, deixando à espontaneidade do indivíduo tomar as posições estéticas. Mas coopera a natureza algum tanto com suas interferências.

Explica-se a interferência na simetria pelo fato de que a natureza não é apenas um sistema binarista. Ela se constitui também num todo maior.

Vistos os elementos como partes de um todo maior, surge o princípio da ordem e proporção. É pela ordem e proporção que as partes se tornam partes. Sem a ordem e a proporção não seriam partes e viriam em detrimento do todo.

Nos todos morais a relação entre as partes é menor, ocorrendo então um afrouxamento da relação de ordem e proporção. É o que acontece na sociedade e também na composição artística.

Na arte abstraccionista a composição artística procede pela aparente desatenção a alguns dos elementos, os quais estando compulsoriamente no todo moral, não devem ser levados em conta.

O mesmo fenômeno do todo moral, com desatenção a certos elementos naturais, ocorre na arte por equivalentes convencionais. Na linguagem, que é um sistema de equivalentes convencionais, vale em princípio a convenção, esquecida praticamente a sonoridade musical da voz.

No plano arquitetônico, estilo funcional é aquele que se ocupa tão somente com as formas necessárias, conduzindo às demais a um instante neutro. Mas nem aqui deixa de ocorrer o todo moral, embora alguns elementos sejam desconsiderados.

§ 3-o. O belo e os seus similares. 0764y189.


190. A terceira propriedade da qualidade é admitir a semelhança. Eis a característica, que ocorre apenas com a qualidade. Admitido que o belo seja uma qualidade, resta a pergunta, - quais os similares do belo? Sabedores que a qualidade possui similares, o belo deverá consequentemente tê-los também.

Seja relembrado o texto de Aristóteles: "Enquanto que nenhum dos caracteres que vínhamos mencionando é exclusivo da qualidade, o semelhante e o dissemelhante se dizem unicamente da qualidade. Uma coisa é semelhante a uma outra por nada diferente do que por aquilo em virtude de que ela é qualificada. Disto resulta que o próprio da qualidade será de se ver atribuir o semelhante e o dissemelhante" (Categorias, 11a 15).

Dizemos que as coisas são semelhantes, quando conferem entre si em alguma determinação, que se encontra em cada uma das mesmas.

As coisas belas se assemelham às coisas belas, e se desassemelham das que não o são, isto é, das que são feias, por motivo de algo que se encontra nelas.

A relação entre a qualidade e a sua semelhança se diz de causa formal e de efeito formal. Isto quer dizer que o efeito, ao ser produzido se mantém na própria causa como uma sua perfeição. Não tem o efeito formal o aspecto dos efeitos na ordem da causa eficiente, que se distanciam da causa.

A qualidade atua diretamente no sentido de diferenciar as coisas entre si. Ela faz que a coisa seja uma qual e qual coisa. Aliás, neste sentido, toda a essência é fundamentalmente uma qualidade, enquanto vista como diferenciadora das coisas entre si.

Ainda que as outras determinações categoriais, por exemplo de quantidade, sirvam de base para a diferenciação dos seres entre si, estas outras determinações, enquanto diretamente consideradas, não são qualidades.

Mas, uma coisa pode ter a qualidade de ter quantidade. Ou ter a qualidade de ter qualquer das outras categorias de ente.

Efetivamente, um corpo, além de sua determinação quantitativa, tem a qualidade de ser quantificado. Em função a esta qualidade é que se diz que uma quantidade é igual, ou que difere de outra.

O belo, como qualidade do ser, redunda consequentemente em ter semelhante e dissemelhante, exatamente como qualidade. Haverá portanto seres que se assemelham pela beleza, ou por causa dela se desassemelham. As semelhanças e dissemelhanças então ocorridas se atribuirão diretamente ao belo como qualidade e não ao belo por causa de outras razões que nele haja simultaneamente.


191. Todo o processo cognoscitivo, como já se tem dito, opera por meio de relações de semelhança. Os assemelhados se acusam. Na mente a idéia, como assemelhado do objeto exterior, o acusa conscientemente. Na obra de arte, a forma, enquanto assemelhada com o tema (quer tema abstrato, quer tema concreto) não alcança consciência do que acontece; contudo o assemelhado o acusa objetivamente, em razão do que o observador externo (o artista, ou o consumidor da arte), poderá interpretar aquela expressão objetiva.

Os indivíduos da mesma espécie exprimem-se mutuamente, na medida que se assemelham. Não se exprimem naquilo em que diferem. Efetivamente diferem pela individualidade. Por causa desta individualidade a expressão de um em relação ao outro se dá apenas objetivamente.

No teatro, por mais que o ator personifique o personagem, não o faz senão objetivamente.

Somente Deus, enquanto conceituado como forma não individualizada dentro de uma espécie, é a expressão de todas as coisas. Em consequência Deus, por natureza, é o universal conhecimento de tudo. Deus é, - como disse Aristóteles, - pensamento de pensamento.

As coisas belas exprimem-se mutuamente, na medida que as belezas forem iguais.

Na gnosiologia de Aristóteles o objeto próprio do pensamento é o ser sensível concreto, apreendido embora abstratamente. É o ser da cor, o ser do som, o ser das plantas, e assim por diante. O sentido vê a cor; a inteligência atinge o que a cor é (em termos de verbo ser). E assim em qualquer coisa, há uma diferença no objeto formal atingido. Enquanto o sentido vê, ouve, toca o belo, a inteligência atinge o que o belo é.

Tudo se dá no plano da qualidade, enquanto tem o seu semelhante.

Importa ainda advertir que a qualidade se reduz ao plano da essência, e não da existência.

O conhecimento se dá no plano da essência (qualidade fundamental) e não da existência. Por isso, o pensamento atinge claramente as qualidades, confusamente a existência.

Claro é o belo. Confuso é o fato empírico.

Este, - o fato empírico é confuso, apesar da nitidez aparente do sentidos, porque o fato diz respeito quase só à existência. O conhecimento empírico se mantém praticamente no fato como existência, e somente adquire significado pleno quando combinado com a inteligência que o penetra como essência.

192. A teoreticidade é uma importante propriedade que o belo apresenta enquanto capaz de se exercer como objeto de conhecimento.

Aliás todo ser é cognoscível, porque admite alguma semelhança, ainda que parca e analógica. O belo, porém, não é dos aspectos do ser, que sejam dos menos aquinhoados.

Fosse o belo algo que não fosse qualidade, não teríamos dele uma aproximação tão significativa. O belo se mostra sempre claro e contundente. Basta que exista, para que o percebamos prontamente.

Ainda como qualidade, é qualidade eminente. Por esta razão, ou seja, pelo seu volume ontológico, o belo atrai a atenção da mente, resultando em instrumento de curiosidade.

Não têm fundamento as orientações estéticas que põem mistérios na percepção da beleza. Objeto sempre claro, o belo se apresenta algo eminentemente teorético.

Sempre em disponibilidade para se deixar ver, o belo não usa vestido. O belo não é como uma dama esquiva. O olhar da beleza não é melindroso. Mas aberto como o da donzela franca e perfeita. O belo não é apenas a deusa venusta. O belo também é Apolo.

193. A esteticidade do belo decorre da teoreticidade, a qual por sua vez decorre da sua condição de ser qualidade e ter semelhança.

É difícil entender a atividade conjunta da inteligência e vontade, porque em concreto como que se confundem. Todavia os objetos são distintos, e por isso também distintas são as duas faculdades.

O que é próprio para ser contemplado pelo inteleto, a vontade o aprecia como um bem em favor daquela faculdade; enquanto assim aprecia o belo como um bem teorético da inteligência, a vontade se aquieta sentimentalmente. Neste estado psíquico consiste a esteticidade como estado psíquico.

Importa atender o significado do bem, como sendo o que convém do ponto de vista de entidade como existência.

Ao entender o objeto, a inteligência se realiza especificamente como conhecedora; mas ao mesmo tempo a inteligência se realiza como entidade, convindo-lhe pelo conhecer realizar-se também como existência. Eis o que busca a vontade para a inteligência; quando o consegue, o fato repercute como estado psíquico, ou afetividade, que agora denominamos esteticidade.

A ciência em geral produz satisfação, enquanto teoreticamente atende à inteligência. Mas sobretudo a beleza agrada ao ser conhecida, porque apresenta o objeto com mais ser, portanto como ser em destaque.


194. A semelhança pode dar-se entre os graus de beleza. Então a semelhança e a dissemelhança oscilam com a aproximação e o afastamento dos graus.

Observando as coisas concretas e que sejam belas, assemelham-se, ao mesmo tempo que se desassemelham, enquanto estão mais próximas ou mais distantes do belo ideal.

Também poderá ocorrer a semelhança para fora da área do belo. Em sendo uma noção analógica, o belo se predica de algum modo de todos os seres, enquanto eles são entes.

A partir do lado de fora do belo, que coisas mais se assemelham ao belo?

São os demais modos gerais do ser, mas sobretudo o modo denominado verdade ontológica (o verum), do qual diretamente deriva o belo.

Por isso, embora por analogia, poder-se-á dizer enfaticamente, - o belo é a verdade.

A seguir, igualmente por analogia, dir-se-á, referindo-se aos demais modos gerais do ente, - o belo é o bem, o belo é a unidade. Nesta direção se encontra o sentido da expressão de Santo Agostinho, - "a unidade é a forma de toda a beleza" (De vera religione, c. 41).

Por analogia de atribuição, em função às causas e condicionamentos que dão origem à situações belas, admite-se finalmente dizer, - o belo é a saúde, o belo é a riqueza, o belo é a juventude.

Pelos seus efeitos, o belo ainda se define descritivamente, - o belo é a esteticidade, o belo é a doçura, o belo é a alegria, o belo é o preferido.

Pelos objetos em que se encontra, diz-se, - o belo é a natureza, belo é a consciência moral dentro de mim (Kant), o belo é o céu estrelado sobre mim (Kant), o belo é o verdadeiro Deus, pensamento de pensamento (Aristóteles).


Cap. 1ÍndicesCap. 3
Fonte:


ENCICLOPÉDIA    SIMPOZIO

(Versão em Português do original em Esperanto)
© Copyright 1997
  http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/megaestetica/TratBelo/0764y115.html#Top_of_page
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres. 
Sejam abençoados todos os seres.

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