quarta-feira, 30 de março de 2011

O BELO DAS COISAS - O belo materialmente - Evaldo Pauli


Evaldo Pauli


TRATADO DO BELO.  
CAP. 3-o
O BELO NAS COISAS. 0764y195.

    (O belo materialmente)
    
    196. Mais agradável é conhecer as coisas que são belas, do que indagar pela mesma essência do belo e entendê-lo.
   
    Efetivamente nos é fácil e muito agradável ver coisas belas, como o ouro, a flor, a mulher elegante, as nuvens em manhãs jubilosas, ou o sol surgindo vitorioso após a tempestade, ou ainda o céu estrelado e a consciência ornada com a lei moral.
   
    "Duas coisas enchem o ânimo de crescente admiração e respeito,
    veneração sempre renovada,
    quanto com mais frequência e aplicação,
    delas se ocupa a reflexão:
    por sobre nós o céu estrelado;
    em mim a lei moral" (Emanoel Kant).
   
    Indagar, porque as coisas são belas, é tema dos eruditos, os quais se ocupam em escrever tratados. Vê-las, é próprio de todos, mesmo dos homens simples.
   
    Não obstante, o saber erudito sobre o que o belo é, também ajuda a ver cada vez melhor o belo e a apreciá-lo sempre mais.
   
    Por isso importa ingressar neste estudo, para ultrapassar a simplicidade.
   
    A nova perspectiva colocada sob exame, - o belo nas coisas, ou seja, as coisas que se exercem como belas,- é uma perspectiva material, porque já não se ocupa com o aspecto formal, isto é, da especificidade ou essência em si mesma do belo.
   
    Havendo tratado anteriormente o ponto de vista formal do belo (de que acabou de se ocupar o 2-o capítulo), passamos ao ponto de vista material. Usualmente o oposto de formal se diz material.
   
    Ainda que material se possa dizer oposto à espiritual, também admite semanticamente o sentido de complementar à formal.
   
    Paradoxalmente, quando se trata do belo materialmente, inclui-se o belo do espírito. Neste modo de conceituar, as coisas espirituais, quando vistas sob a perspetivas de portadoras do belo, se dizem paradoxalmente matéria, frente à forma determinante.
   
    Semelhantemente, em outras áreas da especulação, falamos em movimento do ponto de vista material, no sentido de as coisas que se movem; do ponto de vista formal, o movimento não é a coisa que se move, mas uma determinação mui peculiar em virtude da qual a coisa se desfaz de seu lugar e forma um novo lugar para si, aliás um fenômeno difícil de esclarecer.
   
    Cuidando agora da matéria em que está a beleza, tratamos quase mais das coisas mesmas, do que daquilo que as torna belas.
   
   
    197. Didaticamente, importa uma certa ordem sequencial no tratamento do belo nas coisas. Em vista de estar o belo de algum modo em todas as coisas, podemos considerá-lo pelas diferentes categorias de ser a que elas pertencem.
   
    Neste sentido importa primeiramente uma preliminar sobre as categorias de ser (Art.1-o).
   
    A seguir passa-se ao exame do belo na categoria da qualidade por tratar-se da que é mais atingida pela questão do belo nas coisas (Art. 2-o). Finalmente há a examinar o belo nas demais categorias de ser como o belo na substância, o belo na quantidade, o belo no lugar, o belo no tempo, o belo na ação, etc. (Art. 3-o).
   
    ART. 1-o. PRELIMINAR SOBRE O BELO NAS CATEGORIAS. 0764y197.
   
   
    198. Invade o belo todas as categoria de ser. Por isso passamos a arrolar todas elas, para determinar de que modo por toda a parte a beleza se distribui, como que estabelecendo seu jardim de variedades.
   
    Para apreciar sistematicamente esta variedade material de seres atingidos pelo belo, importa atender à existência de um quadro de categorias, como ainda considerar que as categorias superiores se instalam como arquétipos das inferiores, e estas dos seus indivíduos.
   
    199. As categorias. Em princípio, os seres concretos são indivíduos. Somente os indivíduos são reais, já advertiu Aristóteles, contra Platão, que admitia universais reais, fossem as noções de espécie e gênero, fossem noções eminentemente abstratas.
   
    Tendo algo em comum, os indivíduos formam categorias, denominadas espécies, como por exemplo homem.
   
    De novo estas, - as espécies, - se coordenam em gêneros, como por exemplo, animal, em relação à bruto e homem.
   
    Continuam também estes a se ordenar ainda em subgêneros, e finalmente em gêneros supremos irredutíveis. Sobretudo os gêneros supremos se denominam Categorias.
   
    Esta sequência em pirâmide veio a ter o nome de Árvore Porfiriana. A denominação é uma referência à Porfírio o Fenício, que examinou detalhadamente sua estrutura, em livro que se fez conhecer por + Æ F " ( T ( Z (Eisagogé = Introdução), cujo título total é Introdução às Categorias de Aristóteles.
   
    Arrolou Aristóteles 10 categorias supremas, - substância, quantidade, qualidade, relação, tempo, lugar, posição, ação, paixão, hábito, - tendo cada uma a respectiva árvore porfiriana.
   
    Ordenada toda a parafernália dos conceitos, o belo nas coisas também passa a poder ser visto por ordem.
   
    Quer sejam 10 as categorias supremas, quer sejam12, conforme Kant, importa examinar dentro de uma ordem destas o belo materialmente. Temos, no caso de seguirmos Aristóteles, que considerar por ordem: o belo na substância, o belo na quantidade, o belo na qualidade, o belo na relação, o belo no tempo, o belo no lugar, o belo na posição, o belo na ação, o belo na paixão, o belo na posse.
   
    200. A maneira de haver o belo nas categorias. Não indicam as categorias diretamente o belo, mas as respectivas diferenciações pelas quais um se diferenciam umas das outras.
   
    Por exemplo, a quantidade diz primeiramente sua indicação quantificadora. Num segundo momento, esta determinação,- ao ser considerada como uma perfeição, e que eventualmente pode estar em destaque,- diz-se uma bela quantidade, uma bela proporção, uma bela simetria, etc.
   
    Além disto, o belo surge através da qualidade (vd 205). Um ser, além de ser quantificado, tem a qualidade de estar quantificado. Esta qualidade pode destacar-se, e então, a quantidade também passa a dizer-se bela.
   
    O belo poderá estabelecer-se nos indivíduos concretos, bem como nas denominações abstratas, como as de espécie, gênero, gêneros subalternos, gênero supremo.
   
    Ocorre, portanto, uma beleza nos indivíduos chamados Pedro, João, José, ou nas senhorinhas denominadas Marina, Leila e Blumenita.
   
    E ainda uma beleza nas espécies, como em planta, animal, homem, bem como nos gêneros, gêneros subalternos, gêneros supremos, como substância, quantidade, qualidade, relação, tempo, lugar, posição, ação, paixão, posse.
   
    201. Arquétipos. As espécies e gêneros são os assim arquétipos, em função dos quais os indivíduos concretos se dizem belos, à medida que os realizam como modelos; mas, os arquétipos não são apenas arquétipos, pois vistos em si mesmos, são algo de expressivo e capaz de se denominar também de belo, em função a um arquétipo ainda mais alto, portanto, materialmente, o belo o podemos buscar nos indivíduos concretos e nas noções gerais. Os artistas, ao tomarem por tema o belo, escolhem por vezes o belo individualizado, outras vezes o belo do tipo arquétipo.
   
   
    202. Como descobrir as feições exatas de cada arquétipo?
   
    Os escultores clássicos, que atendem ao ideal arquétipo, se tem preocupado especialmente com o arquétipo do corpo humano. Polícleto, clássico grego, fixou um cânon. Seu Dorífero, idealizado e viril, sem movimentos paralelos, mas todos próximos dele, marcando serenidade ao mesmo tempo que vida espontânea, expressa o homem arquétipo do cânon de Polícleto. Outros cânones surgiram a começar da Renascença e continuam a aparecer, consciente e inconscientemente.
   
    Os arquétipos, que estão como gêneros subalternos, poderão tomar seus elementos genéricos aos superiores. Mas, em tudo o mais, a fixação deverá ser direta, dependendo da descoberta empírica.
   
    São, por exemplo, canonicamente superiores, ao homem, o aspecto matemático, as relações sobretudo de proporção e ordem. Ainda se reduzem a esta área as considerações a respeito do ritmo antropológico; os elementos bruscos e os monótonos não oferecem condições estéticas, em virtude da situação antropológica peculiar do conhecimento humano.
   
    Tendem certamente à radicalização os cânones que insistem predominantemente a subordinar os arquétipos subalternos aos superiores.
   
    Tal parece ocorrer com o modelo estético clássico de Leonardo da Vinci, no qual "a largura do espaço compreendido entre os braços do homem é igual a sua altura". Em torno se poderia traçar o círculo, mostrando o homem como integrado no universo.
   
    Mais equilibrada é a posição dos que admitem elementos de fixação empírica. Exatamente, a espécie, naquilo que tem de específico, é autônoma. E como tal, tem de ser descoberta a partir de dados empíricos.
   
    A espécie, em absoluto, já está fixada; resta descobri-la. Mas, não será a partir de deduções de arquétipos superiores, que ela se manifestará, pois que os superiores apresentam apenas aquilo que não é específico à espécie. Apenas a indução nos pode fazer descobrir um arquétipo. Por meio de tal processo, descobria Sócrates o conceito das coisas; ainda foi por simples indução que Aristóteles estabeleceu as dez categorias (predicamentos) do ser: Substância, quantidade, qualidade, etc...
   
    Dr. H. V. Heller cria uma Tábua de Proporções, em que o método foi empírico-indutivo com milhares de fotografias e de medidas, em que atende inclusive ao esqueleto (H. V. Heller, Proportionstafeln Gestalt, Viena, A. Schroll; Dürer, Tratado das proporções; Vignola, Tratado da perspectiva; Daniel Bárbaro, Idem; Fra Luca Paccioli di Borgo, De divina proportione; Jay Hambidge, Dynamic Symmetry; The greek vase; Matila C. Ghyka, Esthétiques des proportions dans la nature et dans les arts; Le Corbisier, Modulor). Hambidge (+1924) encarregou-se de verificar as mesmas proporções nos desenhos dos vasos gregos inclusive dos egípcios, com vistas a criar uma classificação material dos seres belos.
   

    ART. 2-o. O BELO NA CATEGORIA DA QUALIDADE. 0764y204.
   
   
    205. O mesmo belo é uma qualidade, porém transcendental. Ocorrem outras qualidades, que se reúnem sob o gênero chamado categoria da qualidade; chamam-se também qualidades predicamentais, visto que em Latim se diz predicamento, o que em grego leva o nome de categoria.
   
    As qualidades predicamentais, enquanto predicamentais, são predicações unívocas e não analógicas como ocorre com as predicações transcendentais.
   
    Qualquer qualidade, quer categorial, quer transcendental, se define como aquilo que introduz no ser um quale, que o faz estabelecer-se como uma tal e qual coisa. Enquanto assim o faz, a qualidade é aperfeiçoativa.
   
    Entende-se por perfeição, aquilo que acrescenta e completa; ora, a qualidade indica expressamente esta perspectiva.
   
    Apenas se diferenciam as maneiras de o fazer no transcendental (onde se situa o belo) e no predicamental (onde se encontram as outras qualidades, pelas quais agora perguntamos).
   
    206. Classificam-se as qualidades, materialmente, segundo as mais diversas determinações que forem possíveis arrolar. Qualquer determinação, ainda que não indique diretamente uma qualidade, pode, sob outro ponto de vista ser considerado como um acrescentamento, de sorte a surgir como qualidade.
   
    A substância, enquanto expressamente diz substância, é um ser em si, como em seu sujeito; mas sob outro ponto de vista esta situação admite considerar-se como aperfeiçoativa; nasce, então, a qualidade de ser substância (a substancialidade).
   
    E assim também a quantidade resulta na qualidade de ser quantidade (a quantificação). E sucessivamente vão nascendo as qualidades de algo a se exercer como relação, tempo, lugar, situação, ação, paixão, posse.
   
    Aristóteles ao classificar algumas das qualidades, pôs em primeiro lugar "estado e disposição", a seguir "potência e impotência", "alteração recebida" à maneira de paixão, enfim "figura e forma"( Categorias, 8b 27-31).
   
    Acrescenta porém que ainda há outras qualidades, mas que estas são as mais frequentes (ibidem 10 a 25).
   
    Uma revisão na classificação de Aristóteles deve tentar reduzir as qualidades indicadas às diferentes categorias. Por exemplo, é claro que forma e figura estão em função à categoria de "situação". Na verdade, em virtude da situação as partes se situam no espaço e adquirem a qualidade de estarem situadas como forma e figura. Trata-se, contudo de uma classificação material.
   
    Sutilmente, penetra a qualidade por entre todas as categorias.
   
    Com finura, precisamos estar continuamente atentos para não confundir a qualidade e as categorias que a oferecem.
   
    Depois de haver explicado o sentido da qualidade, exclamou exausto João de Santo Tomás:
   
    "Haec videtur probabillior explicatio in re tam occulta et varia, sicut qualitas est" (Cursus Philosophicus, logica, p. 10b).
   
    Todavia o filósofo português se houve com maestria no assunto, ainda que não houvesse conseguido ordenar as muitas espécies de qualidade em uma fórmula aceitável. Colocou ele as quatro espécies de qualidade como subespecificações, à maneira de árvore porfiriana.
   

    §1-o. O belo nas qualidades que dizem estado e disposição. 0764y207.
   
   
     208. Como aperfeiçoativas e portanto belas, destacam-se entre as qualidades as que levam o nome de estado e disposição, conforme já o advertiu Aristóteles:
   
    "Uma primeira espécie de qualidade pode ser chamada estado e disposição.
   
    Difere o estado, da disposição, nisto que ela tem mais duração e estabilidade.
   
    São estados (hábitos), as ciências e as virtudes.
   
    Efetivamente, a ciência parece estar bem no número das coisas que permanecem estáveis, e são difíceis de mover, mesmo que se tenha uma fraca aquisição, a menos que uma grande mudança se produza em nós após uma doença ou por qualquer outra causa desta índole.
   
    E assim também a virtude, por exemplo, a justiça, a temperança e toda a qualidade desta espécie não parece poder facilmente ser movida, nem mudada.
   
    Ao contrário, chamam-se disposições as qualidades que podem ser facilmente removidas e rapidamente alteradas, tais como o calor e o frio, a doença e a saúde, e assim por diante...
   
    Os hábitos são ao mesmo tempo disposições, mas as disposições não são necessariamente hábitos" (Categorias, 8, 8 b 25- 9 a 10).
   
    Já como arquétipos, os estados e disposições, - tais como ciência, bondade, doçura, saúde, doença, - se mostram como apreciáveis ou depreciáveis. Sob estas perspectiva são belos ou feios.
   
    Mas sobretudo os seres que exercem tais qualidades se dirão belos e feios. O Homem, como ser vivo, requer a saúde e por isso a beleza se realça quanto mais a tiver, como também declina na direção do feio à medida que não a possuir.
   
    A beleza temática de Rubens, o grande pintor barroco flamengo do século 17, está precisamente na saúde dos seus personagens. Luz, energia, movimento, vitalidade, profundeza de alma, força e titanismo, numa só palavra saúde, eis o belo nos temas de Rubens.
   
    De Rubens, aprecie-se em Rapto das filhas de Leucipo o vigoroso redemoinho de formas rolantes de volumes femininos, homens e cavalos.
   
    Aprecie-se o mesmo em Golpe de Lança da crucificação, com as figuras titânicas expressando uma grande luta de forças maiores.
   
    Até mesmo a atraente Betsabé junto à fonte recebendo a carta de Davi, o santo rei sedutor, se desenvolve em clima de saúde; reconhece-se a fisionomia de Helena Fourment, com quem teve núpcias.
   
    Três graças, de Rubens, não é senão a evocação de suas três sucessivas esposas, vigorosas e salutares.
   
    O estado interior, como qualidade permanente, é visado pelos grandes retratistas, mesmo pelos fotógrafos mas sobretudo pintores.
   
    O sorriso transitório e superficial (que é disposição e não estado) não importa como temática de grande pintura e grande arte fotográfica.
   
    Mundialmente famosa é Gioconda, de Leonardo da Vinci, do Renascimento Clássico. Este retrato de Monalisa, realizado de 1501 a 1505, consegue expressar um estado interior de peculiar doçura, mediante um ligeiro sorriso que os olhos acompanham.
   
    Gioconda, pela sua adorável jucundidade feminina de mulher já estabilizada, é um triunfo de expressão artística, sobretudo porque realizado com os métodos da temática idealizada do estilo clássico, que por isso mesmo tem dificuldade de se libertar da frieza e monotonia.
   
    Principalmente é um triunfo temático, porque Leonardo da Vinci foi encontrar o tema certo em uma qualidade de alma, que é estado e não mera disposição, indo encontrá-la no instante da mais perfeita feminilidade da doçura da mulher. Ali temos, pois, mais um exemplo de beleza, a saber, a beleza de uma qualidade estável de alma, no instante de realce.
   

    §2-o. O belo na forma e figura, na ordem e proporção das partes. 0764y209.
   
   
    210. A forma e a figura se dizem belas, enquanto tais determinações forem vistas como perfeição, sobretudo quando como operação em destaque. Mas, o que é mesmo a forma, antes de ser dita belo, e o que é a figura, antes de ser igualmente dita bela?
   
    Depois de haver partes (categorias da qualidade) depois de haver lugar (categoria de lugar), depois de haver disposição das partes (categoria da posição), resulta haver forma (categoria da qualidade, em função à posição).
   
    A distribuição das partes no espaço resulta em uma qualidade que leva o nome de forma; não há forma, sem haver partes que se dispõem no espaço.
   
    Enquanto as partes se dispõem uma em relação à outra, as partes realizam a determinação chamada "posição". Os seres constituídos de partes, têm por isso, uma posição.
   
    Mas, enquanto as partes se colocam uma por fora da outra, aquele ser se diz ter quantidade, que se realiza num espaço.
   
    Enquanto as partes se dispõem simplesmente, sem atender as ainda às relações de posição e de quantidade, assumem a condição chamada lugar.
   
    Ocorre ainda uma distinção entre forma e figura.
   
    Conforme já definido, forma é a disposição das partes no espaço.
   
    Quando esta disposição assume caráter estável, dita natural, se diz figura.
   
    Em sentido inteiramente vasto, forma significa qualquer determinação de elementos; é quando pode significar até mesmo essência, porquanto esta se imagina ser uma disposição de elementos, que constituem a coisa.
   
   
    220. O belo na forma e figura, como já se advertiu de começo, se diz quando forma e figura se exercem como algo perfeito, participando por conseguinte como uma determinação do ser. Em tal condição, belas é a forma, porque enriquece o ser com as suas disposições no espaço, e bela é a figura, porque, além das disposições no espaço, as dispõem de maneira estável.
   
    Como arquétipos, as formas e as figuras modelam as coisas cujas partes se hão de distribuir no espaço. Informes e desfiguradas, as que não se modelam por eles, se exercem como feias.
   
   
    221. A multiplicidade das partes, na forma, exige uma ordem e proporção. As coisas que obedecem à ordem e à proporção se dizem belas, na medida que esta determinação constitui perfeição.
   
    A proporção e a ordem em si mesmas não são o belo, mas o são, como advertimos, enquanto dizem perfeição.
   
    Afasta-se com esta advertência a afirmativa estóica e positivista em geral (vd 223), de que o belo seja a ordem a proporção. Não se pode confundir a matéria do belo, com o mesmo belo. As coisas são belas, mas não enquanto são tais coisas. Nem o ouro é o belo, nem a virgem, como já se dizia nos diálogos de Platão. E assim também a ordem e a proporção constituem a coisa bela, e não o mesmo belo.
   
   
    222. Considerando que a ordem e a proporção se dizem apenas dos seres compostos, que obedecem consequentemente a uma disposição de partes, deve-se admitir que o belo não se define como ordem e proporção, senão sob esta perspectiva particular do ser composto.
   
    Ainda aqui há uma restrição fundamental a fazer. A ordem e a proporção se definem como determinações que se situam no plano das categorias; nestas condições trata-se de noções estratificantes, que não se diluem para fora do conteúdo univocamente indicado.
   
    Por outra via ingressa a beleza na ordem e na proporção; uma nova determinação, que não se confunde com a mesma ordem proporção, vai fazer que a ordem e a proporção sejam belas. A ordem enquanto perfeita, diz-se uma ordem perfeita. E assim também a proporção, enquanto perfeita, se diz uma proporção perfeita. A ordem e a proporção, ao se realçarem, por motivo da perfeição, se dizem, então, belas. Por conseguinte, o belo surge na ordem e na proporção sob a mesma perspectiva de como aparece nas demais qualidades e seres.
   
    Explica-se porque facilmente se confundem o belo com a mesma ordem e proporção. É que, sendo a ordem e a proporção duas qualidades mui visíveis, nelas sobretudo resplandece a beleza. E então uma grosseira materialização nos faz confundir o belo com a mesma ordem e proporção. Somente se admite dizer que o belo é o ordem e a proporção se com esta definição pretendemos aquilo em que ele se materializa, sobretudo em que mais vezes se manifesta.
   
    É bem claro que o belo não se define, nos seres simples, como ordem e proporção. Também nos seres compostos, onde há vez para a ordem e a proporção dos elementos, esta ordem e proporção constituem qualidades categoriais, que em si mesmas ainda não são o belo.
   
    Também nos compostos, o belo não se define como ordem e proporção das partes. Em sendo noções categoriais (predicamentais) não podem definir a beleza. Mas o belo está na ordem e na proporção, quando perfeitas e em realce, portanto sem se identificar com a mesma ordem e proporção.
   
   
    223. A ordem e a proporção como essência do belo, foi própria das definições dos estóicos, como se vê em Cícero (Tusculanas 4,3).
   
    Plotino reagiu polemicamente, denunciando a definição:
   
    "Todos afirmam por assim dizer, que o belo é a simetria das partes, uma em relação às outras e em relação ao conjunto; a esta simetria se ajuntam as tintas; a beleza nos seres, como de resto em todos os seres, é a sua simetria e sua medida" (Enéada I, 6 Do Belo 1, 20-22).
   
    Ato contínuo tece a crítica, mostrando que a definição atinge apenas o caso particular dos seres compostos:
   
    "Para quem pensa assim, o ser belo não seria um ser simples, mas somente e necessariamente um ser composto; além disso o todo deste ser seria belo; e suas partes não seriam belas cada uma por si só, mas em se combinando para que seu conjunto seja belo.
   
    Contudo, se o conjunto é belo, faz-se necessário que suas partes o sejam também; certamente uma bela coisa não é feita com partes feias e tudo o que ela contém é belo.
   
    Além disso as cores que são belas, como a luz solar estariam nesta opinião fora da beleza, visto que são simples e não obtêm sua beleza da simetria das partes.
   
    E o ouro, como seria ele belo? O clarão que vemos brilhar dentro da noite que o faz belo?
   
    O mesmo acontece com os sons; a beleza de um som simples se desvaneceria; e contudo muitas vezes, cada um dos sons que faz parte dum belo conjunto, é bela por si só.
   
    Conservando embora as mesmas proporções, o mesmo rosto, ora se apresenta belo, ora feio; como não dizer que a beleza que está nestas proporções é outra coisa e que é por outra coisa que o rosto bem proporcionado é belo" (Enéada 1, 6, 1, 25-40).
   
    O importante, ao citarmos Plotino, não é apurar se acertou ao enunciar exemplos; o que importa foi ter insistido na distinção entre o belo no ser simples e o belo no ser composto.
   
    Em afirmando que o belo já deve preexistir nas partes, prenuncia também a nossa interpretação racional do ritmo, que põe o belo nas partes individualmente consideradas, antes que no todo, e que o ritmo somente se desenvolve como ritmo desde que as partes individualmentes se manifestem. Isto não obsta a que os todos, como no acorde, adquiram novos valores.
   
    Para a compreensão integral do tema, precisamos também distinguir os todos que se organizam desde a união da essência, como o ser humano, que reúne substancialmente alma e corpo, e o todo que se cria por uma união meramente moral ou acidental.
   
    Nesta última hipótese, o afrouxamento de união permite às partes uma notória personalidade, o que tem de ser levado em conta, visto que então mais se requer a sua beleza individual. Na música, por exemple, os sons exercem um valor próprio além da função no todo da partitura. O mesmo ocorre na pintura, em que apreciamos também em separado as cores e as linhas. Na linguagem elegante, além do sentido que temos em vista, nos toca particularmente a sensibilidade, a beleza das flexões e da métrica.
   

    § 3-o. A ORDEM. 0764y225.
   
   
    226. Ordem, na significação inicial do latim, indicava "pôr os fios na trama". Dali passou a indicar a ordem em geral. Conserva-se ainda um resto do significado em urdir e urdidura.
   
    Os termos exórdio e primórdio ainda continuam a sugerir vagamente o início de uma urdidura de fios e de coisas. Nas expressões ornar, ornamento, adorno também remanescem delicadas sugestões indicativas da ordem existente no belo.
   
    A ordem é uma necessidade em um todo constituído de partes; eis porque a ordem se faz um elemento de perfeição, a partir de onde progride para significar beleza.
   
    Efetivamente, há de haver uma relação das partes para o todo, sem o que as mesmas partes não chegariam a determinar-se como partes, nem o todo como um todo. A fim de que o todo se faça, é mister que as partes se ordenem para realizar o todo.
   
    A ordem das partes para o todo é uma propriedade (um proprium) e não uma situação meramente acidental. E uma vez que a ordem das partes para o todo se impõe na qualidade de proprium converte-se, por isso mesmo, em elementos de perfeição, no sentido exato de perfeição entendida como norma, idéia absoluta, essência eterna.
   
    "No seu lugar próprio, tudo está bem, tudo é bom, tudo é grande" (Alphonse de Lamartine, Meditations poétiques, II,v. 56). No seu lugar certo, tudo é ordem, tudo é perfeito, tudo se destaca, tudo é belo.
   
    227. Função. A ordem das partes para o todo suscita a função. Esta se diz sempre de uma finalidade que a parte tem a exercer no todo.
   
    Geralmente se diz dos todos acidentais, como os que resultam da obra humana, como da porta em uma casa, da caneta na mão de quem escreve, da roda no eixo de um carro.
   
    Também, no todo natural se diz que as partes exercem função. Diz-se particularmente quando estas funções se exercem com especificidade; assim, o estômago tem a função de digerir, a inteligência a de pensar. Menos usual é chamar de função o exercício meramente constitutivo, como o pé de mesa é parte da mesa.
   
    Etimologicamente, função origina-se de bhung - com o sentido fundamental indo-europeu de completar. Dali procede em sânscrito bhungte (desempenhar-se de) e em latim fungi, functus, functio (desempenhar-se, executar), defunctus (morto, que completou a vida).
   
    Próximo ao conceito de ordem está o de unidade. Efetivamente, a ordem é a unificação das partes para constituir o todo.
   
    É próprio de um todo constituído da partes ser uno e não disperso. Sem o uno não haveria o todo. Por conseguinte, o unidade é a perfeição.
   
    Já os antigos firmavam a função da unidade no acabamento do ser.
   
    Plotino mostra como a unidade resulta da forma; o ser material ao receber a forma, assume unidade e dali alcança a beleza.
   
    "Ao unir-se à matéria, a forma coordena as diversas partes que devem compor a unidade, as combina e graças à harmonia das mesmas, produz algo que é uno. Posto que é uno, aquilo a que dá forma há de ser também uno, tanto quanto um objeto composto possa sê-lo. Quando este objeto tiver chegado à unidade, a beleza reside nele e se comunica assim às partes como ao conjunto. Quando a beleza encontra um todo cujas partes são perfeitamente semelhantes, estende-se uniformemente por ele...desta sorte, os corpos possam a ser belos graças a sua participação em uma razão que lhes vem de Deus" (Enéada, I, 6, 2 no fim).
   
    Procede também S. Agostinho por esta via quando define:
   
    "A unidade é a forma de toda a beleza" (De vera religione, c. 41). Não se deve entender, porém, o uno formalmente como uno, mas como perfeição realçada; só neste sentido o uno é belo.
   
    Evidentemente a unidade, mesmo como perfeição, não pode indicar a essência de toda a beleza, senão de certa categoria de coisas, a saber dos seres dotados de partes, os seres criados, pois somente tais são capazes de realizar a unidade das partes. Entretanto, não ocorre impedimento que se considere o uno no sentido transcendental. Neste caso, todo e qualquer ser é uno, inclusive Deus.
   
    Embora sobretudo os escolásticos do século 13 desenvolvam o estudo das propriedades transcendentais, começando por Felipe o Chanceler, já os gregos conheceram bem uma delas como conversível com o ser, - a unidade.
   
    Platão anota a unidade do ser.
   
    Aristóteles sobretudo mostrou esta unidade.
   
    Felipe, o Chanceler, mostrará esta peculiaridade do uno, havendo dado impulso à investigação na filosofia escolástica medieval.
   
    Passando ao campo das verificações, podemos julgar os estilos em função à ordem ou unidade, a saber, das partes em relação ao todo.
   
    Na igreja basilical, a torre se justapõe; na gótica ela nasce do mesmo organismo arquitetônico do edifício; ocorre portanto uma ordenação mais acabada das partes para o todo no gótico que no basilical. O feitio estirado e estático da basílica já por isso não se presta para se lhe juntar uma torre; estas como não lhe pertence, e poderia mesmo construir-se em separado e distante; por conseguinte sob o ponto de vista estético, não devia tê-la.
   
    Para o gótico, pelo contrário, a torre vem completar e realçar o sentido geral da construção. A beleza estética das construções renascentistas de antes de 1500 está nas decorações, ao passo que a das obras clássicas, que se seguem (Bramante, Miguel Ângelo),está nas mesmas estruturas.
   

    § 4-o. A proporção. 0764y229.
   
   
    230. A proporção, eis uma determinação qualitativa de importância para o acabamento aperfeiçoativo das coisas. Esta qualidade categorial, vista sob mais outra perspectiva, a da perfeição e realce, eleva a proporção a ser uma bela proporção .
   
    Neste sentido, a proporção é um elemento de considerável influência na determinação da beleza das coisas. Não basta a perfeita ordem para garantir a um ser o predicado das coisas. A ordenação das partes em função ao todo requer ainda, - para que este ser alcance perfeição, - a proporção perfeita das partes entre si.
   
    É que as partes, quando entram na composição de um ser, exercem funções definidas. Estas poderão ser idênticas para cada parte, outras vezes distintas e mesmo variáveis no tempo. Em qualquer das hipóteses, as partes hão de exercer seu papel definido, sem o que não serão proporcionais, em detrimento da perfeição e do belo. Por conseguinte, ocorre uma distinção entre ordem e proporção; mas são conceitos que se realizam em tempos sucessivos.
   
    A proporção se diz das partes em relação ao todo (gênero, em que coincide com a ordem) mas enquanto faz caber a cada parte sua especial função como parte (diferença específica, que distingue entre si a ordem e a proporção).
   
    Como termo, proporção deriva do étimo latino proportio, composto de pro-portione, lembrando, pois, a distribuição das funções para as partes.
   
    Portio, derivado do velho reri, significava primeiramente contar, depois julgar.
   
    Dali nasceu ratio, com o sentido de conta, e que depois evoluiu ratio no sentido de razão
   
    Também ratiocinare, significou primeiramente calcular, depois raciocinar no sentido atual.
   
    Enfim, em composição, através de pro-portione, resultou proportio, -onis, no sentido atual de proporção, como relação medida entre as coisas.
   
    A função das partes no todo pode ocorrer em muitas ordens categoriais, portanto segundo a quantidade, qualidade, tempo, lugar, posição, ação, paixão, hábito, com todas as variante dos gêneros, sub-gêneros, espécies e graus. De acordo com isto se estabelecem as partes proporcionalmente com maior ou menor quantidade individual, volume, peso, qualidade, cor, posição, tempo, etc., como enfim vemos ocorrer nas obras de arte. A ocorrência de tantas ordens categoriais deriva não só na multiplicação empírica de nomes, mas efetivamente em conceitos distanciados entre si.
   
    231. Regularidade é o termo para indicar a proporção das partes entre si, quando estas partes se proporcionam como igualdades rigorosamente exatas.
   
    Na sua origem semântica, regularidade se diz particularmente da sequência das partes no movimento retilíneo.
   
    Aliás, a raiz indo-européia reg- exprime o movimento em linha reta.
   
    Dali os termos latino regere (dirigir em linha reta), rectum (reto), regula (regra de onde enfim procede regularitas (regularidade).
   
    Opõe-se a regularidade à simetria, que, no proporcionamento das partes, coordena, embora adequadamente, partes nem sempre iguais; a simetria opera geralmente com dimensões pares, em que as partes de cada par conferem, mas não os diferentes pares.
   
    "A regularidade como tal consiste geralmente na igualdade exterior, ou, com maior precisão, na repetição de uma só e mesma figura determinada que confere à forma a unidade determinante" (Hegel, Estética, I, c. 2, item 1,b).
   
    No processo do ritmo (vd), a regularidade facilita o conhecimento das partes em sucessão.
   
    É que os elementos em sucessão variam apenas em parte, e por isso o elemento posterior em parte já está conhecido. Por causa desta função facilitadora dos elementos, o ritmo se torna agradável.
   
    Exerce a regularidade uma função personificadora nos estilos. Para evitar o excesso de novidade que a mudança constante dos elementos provoca sobre o comportamento estético do indivíduo, se requer o retorno frequente de motivos a se repetir, quase como uma tônica.
   
    Dali porque ocorre um compasso no movimento do ritmo a retornar constantemente sobre si mesmo; um retorno de certas figuras musicais dominante (leit motiv); uma repetição de certas linhas fundamentais no mesmo edifício arquitetônico. A regularidade, portanto, exerce uma função definida na composição das partes
   
    232. Simetria é a proporção das partes entre si, de modo a ajustar convenientemente a igualdade e a desigualdade. "A igualdade associa-se à desigualdade, e a diferença irrompe através da vazia identidade. Assim nasce a simetria. Consiste ela, não na repetição de uma só e mesma forma abstrata mas na alternância desta forma com uma outra que também se repetia; esta, considerada em si mesma, é também determinada e sempre a mesma, mas desigual da primeira a que se acha sempre associada: (Hegel, Estética, c. 2., item 1 b.).
   
    Hegel encarregou-se também de exemplificar. Embora valha como exemplo, a figura arquitetônica que se imaginou, não é de bom rendimento estético.
   
    "Quando, por exemplo, a fachada de uma casa tem três janelas com as mesmas dimensões e à mesma distância umas das outras; depois três ou quatro janelas mais altas e separadas por intervalos maiores ou menores, e por fim três janelas semelhantes às primeiras nas dimensões que as separam, temos diante de nós o aspecto de um conjunto simétrico. Assim, a repetição e a uniformidade de uma só e mesma determinação bastam para criar a simetria que exige diferenças de grandeza, de situação, de forma, de cor, de som, e outras uniformemente" (Hegel, Estética, I, c. 2, item 1 b).
   
    Semanticamente, simetria derivou da radical, indo-européia me-, com a idéia de medida; dali, em grego, metron (metro) e de onde derivou symetros (simétrico). Semelhante origem faz com que a denominação se empregue particularmente a propósito de volume e linhas. Não nos referimos nunca a uma simetria de cores e de sons. Mas o fenômeno também ocorre ali, e se usa outro termo.
   
    Esteticamente, a simetria por si só produz um rendimento muito limitado; o retorno sobre uma figura que já fora abandonada paralisa os movimentos em torno dos centros de simetria. As fachadas dos edifícios clássicos gregos constituem exemplo típico de paralisação da dinâmica do movimento das colunatas. O exemplo apresentado por Hegel também é paralisador. Em letras teria esta configuração: ooo000ooo
   
    233. Harmonia, na acepção atual do termo, assume o sentido de proporção das partes, porém numa plasticidade que indica não somente proporções quantitativas, mas também qualitativas. Indicamos com este vocábulo as harmonias dos sons, das cores, dos significados dos termos, tão bem quanto a harmonia das dimensões das formas arquitetônicas e das linhas do desenho. A plasticidade do termo lhe imprime um caráter de universalidade abstrata e de delicadeza.
   
    Etimologicamente, Harmonia deriva da radical indo-européia ar-, com o sentido de juntar, arranjar. Através do seu sentido de arranjar, ou arranjamento procede a famosa expressão latina ars  (arte, maneira de ser). No grego esta radical toma a direção do sentido de juntar: harmozo (juntar), harmonia (união, acordo, ordem harmonia). Prontamente se percebe que harmonia possui origem notoriamente abstrata.
   
    Hegel estabeleceu que "a harmonia resulta da relação entre diferenças qualitativas" (Estética, I, c. 2., item 1, d).
   
    Ainda que a harmonia tenha o qualitativo como seu peculiar, não parece excluir inteiramente a relação entre diferenças quantitativas.
   
    Aquilo que o termo harmonia geralmente significa é de ordem qualitativa. A harmonia das partes quantitativas, enquanto harmonia, é uma determinação qualitativa, no sentido de que as quantidades têm a qualidade de serem harmônicas.
   
   
    234. Uma série de outros designativos se aponta ainda como capaz de servir à indicação do belo nos seres compostos.
   
    Equilíbrio lembra antes de tudo a igualdade dos pesos das massas como dos elementos arquitetônicos no espaço. O termo permite também expressar o que se entende por equilíbrio das cores.
   
    No caso de consonância, o étimo ainda se mantém às claras. Lembra o acordo dos elementos sonoros de um todo musical. Por apropriação diz-se também consonância de dizeres, consonância das cores, consonância dos movimentos.
   
    Concordância (acordo dos corações) já completou sua irradiação semântica, de sorte a poder significar a harmonia em qualquer qualidade de proporções.
   
    Quanto ao termo artístico, somente significa o belo quando o significado irradia semanticamente nesta direção. Neste caso, artístico equivale à bem acabado, bem ajustado, bem ordenado. Encontra-se então no campo do seu similar harmonia. Interpretado por este caminho, o seu significado seria "arranjado com perfeição".
   
    Mas nunca artístico equivale ao belo, quando indica expressão sensível de algo, como tema expresso. Hoje, arte é expressão de algo, não simplesmente o belo. Apenas o seu adjetivo artístico, em certos contextos pode significar "bem feito", no sentido de belo.
   

    ART. 3-o. O BELO NAS DEMAIS CATEGORIAS DE SER. 0764y236.
   
   
    237. Independentemente de qualquer classificação adotada para as categorias do ser, e independentemente do valor que se atribua aos seus conteúdos, importa uma certa sequência em sua ordem de importância, ao tratar do belo nas mesmas.
    Neste sentido, não pode haver dúvida de que tudo haverá de iniciar pela categoria da substância, prosseguindo até a categoria muito simples que é do ter, ou posse.


    § 1-o. O belo na substância. 0764y238.
   
   
    239. Seria bela a substância? Há que começar por conceituar a questão.
   
    Entende-se por substância aquele ser cuja determinação essencial consiste em substituir em si, como em seu sujeito, de sorte a ser ele sujeito de si mesmo e não inerir em outro. Assim se diz substância uma pedra, um elemento químico qualquer, mas não algo que lhe adere, como a cor e a forma.
   
    O caráter absoluto é característico da substância, ao passo que as determinações que lhe aderem serão tudo o mais, menos absolutas. Neste sentido as demais determinações se denominam acidentes (de accidere = cair junto); dali vem a espacialização imaginosa com que concebemos a substância (de sub-stare = estar sob). Na verdade, a substância é apenas determinada pelos acidentes, mas ela mesma é, antes de tudo, algo em si, em contraste com o que está em outro.
   
    Ainda que as determinações acidentais não possam subsistir senão na substância, a podem abandonar por supressão, bem como poderão novamente sobrevir. São as alterações acidentais de quantidade, qualidade, relação, tempo, lugar, situação, ação, paixão, posse. Em virtude desta substituibilidade, admite-se (no aristotelismo) a distinção real entre a substância e os acidentes.
   
    Nenhuma substância se faz conhecer diretamente, nem como intuição sensível nem como mental. Apenas por cálculo raciocinativo calculamos que deva haver substância sob os acidentes.
   
    Na hipótese dualista, sob os fenômenos psíquicos haveria a substância alma, sob os corpóreos a substância corpo. Na hipótese monista, uma só é a espécie de substância sob ambos os fenômenos psíquicos e sob os corpóreos. Num e noutro caso ocorre a substância.
   
    Que valor tem este cálculo de pura razão?
   
    Para a filosofia racionalista ele tem validade, porque fundado em última instância na intuição do ser.
   
    Para a filosofia empirista (positivista), somente é válido o que é empiricamente percebido, e portanto a substância é algo que simplesmente não existe, não passando de um nome, que serve para classificar.
   
    No campo do racionalismo ocorre ainda a distinção entre realismo e idealismo. Para os realistas, a idéia de substância corresponde a uma efetiva substância; para os idealistas se trataria apenas de um conceito sem realidade, todavia não é apenas um nome como no empirismo.
   
    Na pergunta que fazemos, se a substância é bela, não importa se ela de fato existe. Basta que a substância, quer como arquétipo, quer como substância individual concreta, seja objeto de conhecimento. A esta altura ainda, das discussões, os assuntos independem da querela realismo versus fenomenismo (vd 303).
   
   
    241. Seria mesmo bela a substância? Distingamos entre a substância como arquétipo e a substância como ser concreto, individualizado.
   
    A substância concreta será bela à medida que executa em si o seu arquétipo "substância". Ainda que a intuição sensível não atinja a substância, o raciocínio que a calcula, não pode deixar de também admitir sua beleza.
   
    Também o arquétipo, enquanto estrato que de algum modo participa do ser, marca uma beleza. A superioridade evidente da substância sobre os acidentes reside em ter em si, o seu sujeito. Ora, certamente que exercer-se como sujeito, é algo superior e eminente. Portanto, a substância é bela, enquanto sobressai sobre as limitações dos acidentes, sendo mais bela que a cor, o som, etc.
   
   
    242. Materialmente, dividem-se as substâncias pela maneira como exercem a prerrogativa de sujeito. Nos seres corpóreos (sem vida) não há qualquer consciência desta subjetividade; trata-se de sujeitos meramente objetivos.
   
    Nas plantas ocorre um primeiro progresso, porque é fonte imanente de ação. Nos animais se exerce um conhecimento de "Intenção direta". Finalmente, no ser racional, a intenção direta se faz acompanhar de uma "intenção reflexa", pela qual se revela o sujeito expressamente como sujeito de suas atividades.
   
    Neste instante, o sujeito ganha a denominação de "pessoa". Define-se, pois, a pessoa como um "sujeito racional" (ou supósito racional, ou ainda hipóstase racional).
   
    Comparadas entre si as substâncias, a beleza da pessoa se levanta muito alto acima dos animais, plantas e seres inanimados em geral.
   
    Em Deus, por definição, há somente substância, visto que nele nada há limitado, Consequentemente, o belo em Deus é necessariamente substancial.
   
    Nossa conceituação está sendo elaborada dentro do esquema que define o belo como realce da perfeição. Em tais condições a tese da beleza da substância não pode oferecer dificuldades. Todavia, para a interpretação baumgarteniana, que faz da beleza um objeto sensível e verdade confusa, não poderia haver o belo senão no sensível, jamais na substância, em hipótese alguma em Deus. O que, entretanto, continua sempre inegável é a superioridade da substância sobre os acidentes e de Deus sobre as criaturas.
   
   
    243. Quanto à beleza da substância corpórea se manifesta ao mesmo tempo, ainda que indiretamente, que a forma espacial.
   
    Na arquitetura, a substância aparece nas estruturas visíveis; em vez dos ornamentos aplicados por aderência, o arquiteto artista busca manifestar sua mesma obra substancialmente, evitando que o apreciador se desvie na ornamentação postiça. Caracterizadamente ornamental foi a arquitetura do primeiro renascimento (século 15). Novos rumos ocorrem, em 1503, quando Bramante constrói o Tempieto de San Pietro in Montorio (Roma), em que o desenrolar das próprias estruturas é o tema da beleza. Desaparece a muralha e seus respectivos ornamentos, dando lugar aos elementos de sustentação, desenvolvendo-se de acordo com a lógica da construção, em colunas, arcos, arquitraves, cúpula. A Basílica de São Pedro (1506 em diante), em que participam Bramante e Miguel Ângelo (sendo deste a cúpula) também se desenvolve estruturalmente, ainda que depois lhe aplicassem ornamentos, ao gosto barroco. É pois o Renascimento Clássico do século 16, em Arquitetura, o realce da estrutura substancial do edifício. Neste particular é o triunfo da beleza.
   
    O estilo moderno (século 20) mais uma vez valoriza a estrutura substancial do edifício tornando-se todavia mui diverso do ponto de vista do estilo, por causa, principalmente, dos novos materiais e do gosto pela linha indefinida (não clássica).
   
    Como estrutura, atenta ao substancial, a arquitetura moderna está em caminho autêntico. Os elementos decorativos nascem das próprias estruturas. Os Arranha-céus, as linhas de estrutura fazem também os ritmos de sucessões contínuas e as janelas os ritmos de sucessões "discretas" (de espaços separados). Aprecie-se, entre outros, o edifício "Avenida Central" (Rio de Janeiro).
   
    "Procuro orientar meus projetos caracterizando-os sempre que possível pela própria estrutura. Nunca baseado nas imposições radicais do funcionalismo. Mas sim na procura de soluções novas e variadas. Se possível dentro do sistema estático. E isso sem temer as contradições de forma com a técnica e a função. Certo que permanecem unicamente as soluções belas, inesperadas e harmoniosas com esse objetivo. Aceito todos os artifícios. Todos os compromissos. Convicto de que a arquitetura não constitui uma simples questão de engenharia. Mas uma manifestação do espírito, da imaginação e da poesia" (Oscar Niemayer).
   
    A beleza física dos corpos humanos ocorre em termos de substância, quando, através dos elementos acidentais, se revela o específico. O homem se pode apreciar no David, de Miguelangelo; outra vez a substância do chefe está na cabeça do Moisés do mesmo Miguel Ângelo. A mulher está em Diana Caçadora (cópia romana de um original do século 4-o a.C., Louvre), ou também em Nascimento de Vênus, de Botticelli.
   
    § 2. O belo na quantidade. 0764y244.
   
   
    245. É a quantidade aquela determinação em virtude da qual as partes de um ser se distribuem uma ao lado da outra, ou uma fora da outra (partes extra partes) Quantidade é "aquilo que é divisível em dois ou mais elementos integrantes, sendo cada um por natureza uma coisa una e determinada " (Aristóteles, Met., 1020a 1227).
   
    O ser espiritual se caracteriza por não se determinar com partes fora das partes, encontrando-se todo inteiro em cada lugar em que se ponha.
   
    São conhecidos os gêneros subalternos da quantidade; apresenta num primeiro plano a divisão em partes contínuas (como linha, em que as partes se sucedem sem se distanciarem) e em partes discretas (em que as partes se sucedem separadamente).
   
   
    247. Ergue-se agora a pergunta: Seria bela a quantidade? A iniciação se pode deslocar para as quantidades contínuas e discretas. E num segundo plano, para qualidades dependentes da quantidade, como forma e figura, ordem e proporção.
   
    Para responder à pergunta se a quantidade é bela, começamos por distinguir entre a quantidade entre a quantidade como arquétipo e as coisas quantificadas.
   
    É evidente que as coisas concretamente quantificadas serão belas à medida que obedecerem ao arquétipo. Deverão ter quantidade efetiva, aquelas coisas cujo ideal é serem quantidade.
   
    Prontamente, a quantidade se combina com a proporção e a ordem. Coisa que for excessivamente grande, em vez de bela se dirá monstruosa; as palavras deixam repercutir esta situação como quando se diz homenzarrão, mulheraça, casarão. A pequenez resulta em mediocridade. No meio está a perfeição (in medio stat virtus).
   
    Isolemos agora a quantidade, como arquétipo. Então, tomada como perspectiva do ser, a quantidade é, em si mesma, bela. Ainda que a quantidade limite o ser, para poder dispersá-lo em partes, que se excluem, apresenta um certo grau positivo de ser; em tais condições se realça, acima do que é o nada. Em tal condição oferece oportunidade a todas as belezas corporais, também se realça a quantidade acima de certas outras categorias do ser, como o lugar, a posição, o tempo; sob tal perspectiva poderá ser dita outra vez bela.
   
    Note-se que as primeiras categorias do elenco de Aristóteles(substância, quantidade, qualidade, relação) se dizem do ser como determinação que não depende diretamente de uma situação exterior à esta categoria. Diante disto se realçam, em absoluto, sobre as demais categorias; estas outras, como lugar, posição, tempo, ação, paixão, posse indicam determinações que somente poderão subsistir enquanto estão para algo exterior a elas mesmas. Por exemplo, o lugar é a determinação resultante pelo estar dentro ou fora de algo. Oferece a quantidade a oportunidade para a ocorrência de outras categorias, que se dizem com extrinsecidade; mas a mesma quantidade não é uma determinação que exija uma referência para fora de si mesma, para se determinar como quantidade.
   
    § 3-o. O belo na relação. 0764y250.
   
   
    251. Relação é aquela determinação em virtude da qual um ser se diz estar para outro.
   
    Ocorrem três espécies de relações: de origem, como de pai para filhos; de igualdade, como entre duas quantidades que se comparam sendo uma igual ou menor maior que outras; de semelhança, como entre duas qualidade que se aproximam ou divergem.
   
    Seriam belas as relações? Enquanto as coisas exercem relações, e as exercem com perfeição e realce, são belas. Quer se trate de relações de origem, quer de tempo, quer de lugar, quer de posse, estas relações aperfeiçoam e não diminuem a ninguém, mas o engrandecem por sobre aqueles que as têm mal, ou têm nenhuma.
   
   
    252. Particular interesse desperta a relação de posse, que se verifica em "pessoa".
   
    A relação prescinde, ao que parece, da circunstância de se exercer como acidente ou como substância. Em tais condições, no entender dos defensores da Trindade Divina, a relação de pessoa (que possui a natureza) cabe também no ser perfeito, Deus.
   
    Na relação de pessoa, na doutrina da Trindade Divina, há sutibilidades diversas para serem atendidas. Como categoria, a relação se distingue realmente das categorias restantes, mas em Deus não pode haver uma distinção desta particularidade.
   
    Qualquer que seja a maneira de se estabelecer a relação, já se observa que, como determinação do ser, apresenta aspectos apreciáveis, que a enaltecem e lhe conferem beleza.
   

    § 4-o. O belo no tempo. 0764y253.
   
   
     254. O tempo é a determinação que as coisas recebem enquanto duram. Revela-se a duração na anterioridade do movimento das coisas que duram e cessam, das coisas que inexistam e passam a durar. O trânsito de um estado ao outro, visto sem o aspecto da duração, se denomina movimento; é pois, o movimento uma denominação abstrata de um aspecto que ocorre em algo mais profundo, a duração.
   
    O tempo e o movimento, à medida que se processam, tiram e põem objetos à consideração de nossas faculdades cognoscitivas. Este processo provoca o ritmo no conhecimento. Ocorrendo uma limitação de recebimento de apreensão, o ritmo do andamento das faculdades se subordina a certos padrões, considerados por isso bons, agradáveis, estéticos.
   
   
    255. Seria belo o tempo? As coisas que duram segundo o tempo que lhes é próprio, bem como o próprio tempo em si mesmo, certamente que são belas. É bom ter duração e a ter tido sempre, ou pelo menos desde muito tempo. Mais perfeito é ser velho (no sentido de antigo no tempo) que ser novo (no sentido de haver existido pouco). Velho não é o mesmo que envelhecido, embora isto quase sempre aconteça.
   
    Como duração, portanto como resistência ao nada e como afirmação na ordem do existir, é o tempo uma das categorias que mais se aproxima de Deus. O tempo não é uma percepção empírica. Não conhecemos diretamente o tempo, mas as coisas enquanto se movem; por isso, mal captamos longinquamente aquilo que mais perto fala de Deus, que é a mesma duração.
   
    Determinação misteriosa, da qual possuímos vaga sensação através do movimento, é o tempo a imagem sensível mais próxima de Deus. O tempo é apreendido vagamente como modo de ser da coisa; é apreendido apenas confusamente como existência.
   
    Quereis pensar em Deus e senti-lo mais perto?
   
    Colocai-vos a sentir as coisas que se movem, mas não o movimento em si mesmo, e sim as coisas, que, enquanto se movem, revelam que duram.
   
    Pensai na duração como existência que permanece, e não como modo de ser.
   
    Observai a trepidação da vida, que de alteração em alteração, prossegue durando; senti a vibração do ritmo do tambor que não cessa enquanto conduz a marcha da tropa estrada além; observai o sol e as estrelas em progressão constante, numa insistência que já vai pelos bilhões de anos; depois também observai a vós mesmos, o bater do coração incansável, a recuperação constante das energias, o pulsar incessante das idéias e da vida em geral. Adverti-vos que a morte não é um desaparecer, mas apenas um recuo das forças, que de todo não cessam, aguardando uma nova oportunidade de seguir pela estrada do tempo, que dura. Assim pensando, tereis o mais impressionante elemento sensível que vos diz o que é a duração, o que vem a ser a eternidade, o que é Deus, firmado como o contrário do nada, precisamente porque dura sem cessar e plenamente, ainda que não consigamos entender todo este mistério.
   
    256. Tempo e ritmo. Os elementos em sucessão, a estes os conhecemos diretamente; podem ser belos em si mesmos e realçados ainda na organização calculada do ritmo.
   
    Portanto, os elementos em sucessão, além de nos revelarem indiretamente o tempo, são em si mesmos capazes de se constituírem com beleza e agradável ritmo.
   
    Ora entusiástico, ora piedoso, o ritmo sempre fala ao metafísico e ao poeta, da beleza e da eternidade, se estes (o metafísico e o poeta), forem capazes de ultrapassar a individualidade dos elementos, tudo concebendo no todo da realidade.
   
    De maneira geral, o ritmo, sob as mais diversas modalidades, se configura como um dos mais poderosos expedientes da arte.
   
    Constroem-se ritmos os mais diversos: o ritmo de sucessões temporais ou puras, sucessões qualitativas de sons, de cores, de linhas, de idéias, de juízos, de raciocínios, de cenas de teatro, de figurações cinematográficas, de modos didáticos de expor, de maneiras de viver.
   
    As altas construções, particularmente os arranha-céus, proporcionam aos modernos o espetáculo do ritmo das grandes linhas e o ritmo das sucessividades das janelas.
   
    Por toda a parte é a organização rítmica das coisas que torna a realidade eficiente e funcional. Ora como arte, ora como beleza, todos os ritmos encantam e arrebatam.
   

    § 5-o. O belo do lugar. 0764y257.
   
   
    258. O lugar é a determinação em que a coisa incorre, sob o ponto de vista da circunscrição em que fica em relação a um "continente". Ou a coisa está dentro, ou fora, do continente. A moeda está dentro, ou fora da bolsa. Estou em casa, ou fora.
   
    Como determinação da mesma coisa, o lugar não é um vazio para dentro do qual é empurrada a coisa que passa a ocupá-lo.
   
    Dizemos "exercer presença como lugar", porque nada se coloca em um lugar, mas exerce o seu lugar. Não é o lugar um algo substantivo, mas determinação da coisa que o exerce. Nada houvesse, não haveria lugar. Cada coisa carrega o seu lugar, e se for aniquilada, também se aniquila com ela o seu lugar.
   
    Apesar de definido como um conceito de relatividade, a categoria de lugar contém algo de absoluto. As sim não fosse, teríamos que dizer, que o mundo não se encontra em lugar algum.
   
    Como totalidade, o todo não se exerce com nenhuma determinação diante de um continente maior.
   
    Se nos lançássemos num plano metafísico, de certo modo imaginoso, poderíamos dizer a propósito do mundo e de Deus: o mundo está dentro de Deus. Ainda: Deus está no mundo, porque ao mesmo tempo um está no outro, mesmo quando concebidos como realmente distintos.
   
    Semelhantemente usamos dizer: o mundo está fora e acima do nada. Ou : Deus tirou o mundo do nada.
   
    Haveria beleza na determinação chamada lugar? Seria belo ter lugar?
   
    As coisas vistas em função do arquétipo lugar, dizem-se belas enquanto se exercem como tendo lugar. Tê-lo com realce, é possuí-lo em quantidade maior. Ter mais lugar ou mesmo estar em todo lugar é mais perfeito.
   
    A quantidade material tem as suas partes ao lado das partes e se excluindo mutuamente. Por isso, mais perfeito é o modo do espírito, que em todo lugar que se encontra, ali está todo inteiro.
   
    No sistema dualista, difunde-se a alma pelo corpo, estando inteira em cada um de seus lugares. Deus, por definição perfeito, estaria de modo eminente a exercer sua presença como lugar.
   
    § 6-o. O belo na situação. 0764y260.
   
   
    261. A situação ou posição se assemelha a lugar e sempre a acompanha; metafisicamente de menor importância, a "situação" permite contudo mais oportunidades para a manifestação da ordem e por conseguinte da perfeição do belo.
   
    Consiste a situação na determinação assumida por uma coisa em função da outra, sob o ponto de vista do modo de se haverem as partes de um objeto em relação às partes de outro. Em relação ao solo, estou de pé, ou deitado. O livro, está aberto, ou fechado. A flor foi lançada ao solo pela ventania, ou a flor continua pendendo.
   
    A disposição das partes no espaço é a mais notável das situações e que vem dar origem às qualidades de "forma" e "figura".
   
    Dentro destas, a ordem e a proporção.
   
    Muitas modalidades se permitem às partes de uma coisa em relação às outras. Dali as variadas oportunidades que se oferecem para a composição da beleza.
   
    Grande apreço damos à situação dos objetos em uma sala, ao modo de se comporem. Muitas modalidades se permitem às partes de uma coisa em relação às de outra. Dali as variadas oportunidades que se oferecem para a composição da beleza.
   
    Grande apreço damos à situação dos objetos em uma sala, ao modo de se comporem as muitas flores em um vaso, à maneira de se situarem os elementos de um edifício arquitetônico.
   
    Os estilos estão sempre atentos à disposição das partes uma em relação à outra.
   
    O ritmo, que é antes de tudo temporal, atende outrossim à disposição das partes.
   
    É belo ter situação, forma, figura, enquanto isto redunda em perfeição e realce sobre as coisas que, embora tendo partes, não as tivessem situadas.
   

    §. 7-o. O belo na ação. 0764y262.
   
   
    262. A ação, como realidade categorial, se diz da determinação em que incorre o ser que age.
   
    Complementarmente, a paixão é determinação em que uma coisa incorre por receber o produto de uma ação.
   
    As determinações resultantes de se ter agido, ou padecido, também são suscetíveis de se qualificarem como perfeições e elementos portadores de beleza.
   
    A espontaneidade da ação reta, perfeita e portanto bela, se diz virtude. Bela é, pois, a virtude como ação desenvolvida de acordo com o respectivo arquétipo.
   
    O elogio e a censura se prendem àquilo que depende da ação, quer o elogio e a censura se digam da verdade, quer da bondade. Elogia-se, em tais condições, a verdade ontológica, sobretudo quando bela; ação é bela, quando realiza sua verdade ontológica de ação; é boa, quando realiza a mesma verdade, sob o ponto de vista da bondade.
   
    263. Elogio da virtude, censura do vício. Tratando Aristóteles do gênero demonstrativo em Retórica, apresenta como um dos objetivos da argumentação alcançar o elogio e a censura, da virtude e do vício respectivamente.
   
    "Após o que fica dito, tratemos da virtude e do vício, do belo e do disforme, já que são estes os fins que tem em vista aquele que elogia ou censura" (Retórica I, c.9, 1).
   
    Os elementos que acompanham a virtude participam de sua beleza. Tais elementos são os mais variados, desde a referência de posse (a pessoa que possui a virtude) passando pelas circunstâncias, até as consequências, como a glória e a recompensa. Visando diretamente apontar esta participação na beleza da virtude, escreveu Aristóteles uma página admirável, em sua Retórica, ao mostrar em que coisas devia tocar o orador para demonstrar fazendo elogio ou censura:
   
    "Tudo o que produz a virtude é necessariamente belo, disto não há que duvidar, - porque tudo isto tende para a virtude, do mesmo que tudo quanto procede da virtude.
   
    Visto que os sinais e aquilo que se lhes assemelha, enquanto obras ou caracteres morais da virtude, são belos, necessariamente se segue que todas as obras de coragem, ou todos os sinais de coragem, ou ainda todos os atos executados corajosamente são belos, como também o que é justo e cumprido justamente.
   
    Outro tanto não se dá com aquele que daí retira sofrimento. A justiça é a única virtude que carece desta particularidade: nem sempre é belo o que é executado justamente, porque, quando somos punidos, um castigo justo é mais vergonhoso que um castigo injusto. O mesmo sucede com as demais virtudes.
   
    São belas as ações que têm como recompensa a honra; como o são as que trazem mais honra que dinheiro, ou as que não são praticadas com a mira no interesse próprio.
   
    O mesmo se diga de tudo quanto é bom em geral, por exemplo de tudo o que se faz pela pátria em detrimento do interesse próprio, e de tudo o que é bom por natureza, com a condição de não ser reservado ao indivíduo, de contrário este só teria em vista seu interesse particular.
   
    O mesmo se diga daquilo que se pode obter após a morte, mais do que em vida, pois o que se refere ao homem em vida apresenta antes caráter interesseiro.
   
    Ajuntemos: Tudo o que fazemos em atenção aos outros, porque neste caso menos nos preocupamos com nossos interesses privados; os êxitos, que têm por beneficiários os outros e não o próprio agente; o que restituímos a nossos benfeitores, porque é um ato de justiça; os serviços prestados, por não ser aquele que os presta quem lucra com eles.
   
    São belas as coisas contrárias ao que nos faz corar; pois coramos, quando dizemos ou fazemos ou nos propomos fazer coisas vergonhosas. Temos um exemplo nos versos de Safo a Alceu, quando este dizia:
   
    Desejaria dizer-te alguma coisa, mas o pudor me retém e Safo lhe responde:
   
    Se o que desejas fosse bom e honesto
   
    e tua língua não se perturbasse para disfarçar alguma inconveniência,
   
    teus olhos não se envergonhariam,
   
    mas expressariam francamente um justo desejo.
   
    Não receemos aquilo que em nós gera inquietação; pois os bens que conduzem à glória, criam essa disposição no espírito.
   
    São mais belas as virtudes e as obras das pessoas mais distintas por natureza; as dos homens são-no mais que as das mulheres e também aquelas de que os outros retiram maior proveito que nós; daí provém a beleza das coisas justas e da justiça.
   
    É preferível vingar-se dos inimigos, do que reconciliar-se com eles, visto ser justo pagar na mesma medida, e uma vez que o justo é belo e compete ao homem corajoso não se deixar vencer.
   
    A vitória e as honras encontram-se igualmente no número das coisas belas; buscamo-las, mesmo que delas nenhum proveito redunde em nosso favor e além disso mostram a superioridade de nosso mérito. É belo ainda o que é memorável e quanto mais memorável, forem as coisas tanto mais belas são. O que nos acompanha mesmo para além da morte; o que é seguido de honrarias; o que é extraordinário. O que pertence a um só é mais belo, porque é mais memorável. São mais honrosos os bens de que se não retira proveito, porque são mais dignos de um homem livre.
   
    São belos igualmente os usos peculiares a cada povo e tudo quanto manifesta as práticas estimadas no seio de cada comunidade; por exemplo, em Lacedemônia, é belo deixar crescer o cabelo: É esse o distintivo de um homem livre, pois não é fácil a um homem de cabelo comprido entregar-se a um mister servil.
   
    É belo não exercer nenhum mister, porque um homem livre não deve viver para servir a outrem" (Retórica I, c. 9, 14-27).
   

    § 8-o. O belo no hábito, ou no ter, ou ainda na posse. 0764y264.    
   
    265. Enfim, hábito é a determinação resultante de uma posse (habere, habitum = ter, tido quer por justaposição, como o Brasil tem ao sul o Uruguai, quer por função, como quem está vestido, armado, de chapéu, com enfeite, decorado, etc... No arranjo das coisas, o belo foi sempre um ingrediente.
   
    Ter é mais perfeito que o não ter. Mais belo é aquele que muito tem. Mais feio é aquele que nada têm, sobretudo aquele que não tem o que devia ter. Neste sentido, o mal é a ausência do bem devido. O mal é o mais feio.
   

Cap. 2ÍndicesCap. 4



Cap. 1ÍndicesCap. 3

Fonte:

ENCICLOPÉDIA    SIMPOZIO

(Versão em Português do original em Esperanto)
© Copyright 1997
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Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres. 
Sejam abençoados todos os seres.

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