Martin Heidegger
Atualmente, a importância do mito tem sido constatada mediante inúmeros estudos críticos acerca do seu conteúdo. Mas é no pensamento de Martin Heidegger [1889-1976], filósofo alemão, que o mito vem ocupar um lugar de destaque.
No desdobramento das reflexões heideggerianas sobre a tragédia grega, sobre a poesia do alemão Frederico Hölderlin [1770-1843] ou sobre o antigo Templo grego, Heidegger costuma referir-se ao dizer mítico como a gênese do pensar humano ou como a fonte do des-velamento do Ser.
Em verdade, a busca do sentido do Ser
é a questão fundamental que norteia
todo o pensar do filósofo Martin Heidegger.
"Ser e Tempo" (1927) — a principal obra de Heidegger — descortina novos horizontes no campo da filosofia sobre o sentido do Ser. Afinal, quem pode colocar a questão do Ser senão aquele ser que é definido justamente pela compreensão do Ser? Este ser, na concepção heideggeriana, é o homem, ou seja, é o "da-sein" (o estar-aí) marcado por esta característica absolutamente sua de manter uma relação privilegiada com o Ser. Ele (o homem ou o ente, que é o pastor do Ser) é o lugar onde o Ser se revela, visto que cabe somente ao homem pensar algo que é próprio do ser humano.
Fundando-se nisso, a questão da compreensão na filosofia heideggeriana não toma como pressuposto básico a relação de um sujeito para um objeto ou de um sujeito para um outro sujeito — desde René Descartes [1596-1650], filósofo francês, trata-se da ilusão da filosofia clássica, visto que tal filosofia já tem como pressuposto a relação sujeito-objeto, isto é, que eu posso conhecer o mundo e os outros.
Ao contrário, Heidegger sustenta que o passo preliminar e indispensável da filosofia consiste na investigação da essência humana (da-sein); ela deve ser realizada não em termos de concepções ou categorias teóricas sofisticadas lançadas em horizontes teológicos, linguísticos, técnicos etc., como é comum na filosofia clássica ocidental, mas, tomando-se por base preocupações e situações nas quais se assentam os objetivos e os sentimentos humanos mais primários.
Noutras palavras, através do prisma filosófico heideggeriano, para destruir toda a metafísica ocidental, com base na situação de intimidade do "da-sein" com o mundo, é preciso perguntar:
“_ Como eu habito o mundo?”;
ou melhor: “_Como eu ‘me viro’ neste mundo?”;
ou ainda: “_ Como interpretar
o mundo que está ao meu redor”?
Servindo-se dessas interrogações, é preciso, então, empreender um retorno à origem do pensar. É preciso abrir-se ao dizer poético e interrogar a tradição, visando, desse modo, o resgate da unidade primordial.
Assim, do ponto de vista de Heidegger, o dizer mítico é fonte de des-velamento do Ser. Por esse prisma, a época da plenitude do pensar pré-socrático tem início com a tragédia grega, desveladora da temporalidade e da historicidade humana.
Regulada pelo mito, a tragédia acena para um tempo simbólico, no qual a eternidade dos deuses e o devir dos terrestres, longe de se oporem, coincidem. Nesse sentido, se o pensamento diz o Ser, então o poeta nomeia o sagrado.
Em "Que é Metafísica" (1929), Heidegger, recorrendo aos poetas gregos, sustenta que “... conhecemos, é claro, muita coisa sobre a relação entre filosofia e poesia. Não sabemos, porém, do diálogo dos poetas e dos pensadores que ‘moram nas montanhas mais separadas’”.
Prosseguindo e dirigindo uma atenção especial ao trágico Sófocles, Heidegger assevera que “...a última poesia do último poeta da Grécia antiga, ‘Édipo em Colonos’ (...) encerra com a palavra que incompreensivelmente se volta sobre a oculta história deste povo e conserva seu começo na ignota verdade do ser.”
Des-velando a dimensão temporal, a tragédia adquire grande importância na filosofia heideggeriana: o homem não se compreendendo como indivíduo, como pessoa e, conseqüentemente, como sujeito, exalta o sagrado, o divino e o Ser como as fontes de sua inspiração, contudo, sem o desejo de dominá-las; devolve, portanto, à linguagem o silêncio originário-mítico.
Em "A origem da obra de arte" (Edições 70, 1990), Heidegger lembra que: “Só na medida em que a linguagem nomeia pela primeira vez o ente é que um tal nomear traz o ente à palavra e ao aparecer. Semelhante nomear nomeia o ente para ‘o’ seu ser ‘a partir’ deste. Um tal dizer é um projetar do clarificado
(...) Projetar é a libertação de um lançar.
O dizer projetante é Poesia: a fábula
do mundo e da terra, a fábula do espaço de jogo
do seu combate e, assim, do lugar de toda a proximidade
e afastamento dos deuses.
A Poesia é a fábula
da desocultação do ente...”
Desse modo, consoante Heidegger, com a palavra criadora, o poeta resgata, do silêncio, a palavra e clarifica o Mundo; noutras palavras, só habito o Mundo quando nele me projeto, quando nele construo um projeto de vida, caso contrário, terei uma existência totalmente desprovida de sentido. Nesse caso, o "da-sein" muda o mundo e projeta algo para o mundo. Se a nossa temporalidade humana é recortada, retalhada, esquartejada pelo passado que foi e pelo futuro que ainda não é, o eu como "dasein" pode projetar um pouco para frente.
Sobre o templo grego, o que realmente interessa a Heidegger é o caráter harmonioso descerrado pelo referido monumento, mediante o qual é refletida a própria medida do homem como ser-no-mundo. O templo grego, descerrando a verdade e o mundo, clama pela salvação do essencial. Nas palavras de Heidegger: “Um edifício, um templo grego, não imita nada. Está ali, simplesmente erguido nos vales entre os rochedos. O edifício encerra a forma do deus e nesta ocultação (Verbergung) deixa-a assomar através do pórtico para o recinto sagrado.
Graças ao templo, o deus advém no templo.
Este advento de deus é em si mesmo o estender-se
e o demarcar-se (die Ausbreitung und Ausgrenzung)
do recinto como sagrado.
O templo e o seu recinto
não se perdem, todavia, no indefinido...”
Trata-se, nesse caso, de uma questão de se salvar; assim, a salvação consiste no aparecimento do deus que, por meio do sagrado, acontece ao se encontrar com o homem.
Com esta verdade, somente a arte helênica comungou com o sagrado, e o templo a preserva em seu caráter original, pois “...o brilho e a luz da sua pedra, que sobressaem apenas à mercê do Sol, são o que põe em evidência a claridade do dia, a imensidade do céu, a treva da noite. O seu seguro erguer-se torna assim visível o espaço invisível do ar...”, poetiza Heidegger.
O templo, como o homem,
está sustentado no solo da terra,
mas se abre ao céu, ao ilimitado, para exaltá-lo.
O templo, pelo fato de que é obra de arte, abre-se à dimensão do mundo. Nele se alternam os deuses, o sagrado contra o profano, o essencial contra o supérfluo, traçando a previsão do futuro da humanidade, a sua destinação. O mundo, sinônimo de "Alétheia" (Des-velamento), designa a união essencial do estar-aí com os deuses, com o sagrado, com o Ser.
Ainda n’ "A Origem da obra de arte", Heidegger define que o momento de origem pode permitir que as coisas e os eventos sejam revelados. Nesse sentido, o momento de origem é um momento de claridade e de decisão absoluta. Sobre isso, Heidegger nos ensina que a
“...origem significa aqui aquilo
a partir do qual e através do qual uma coisa é
o que é, e como é. Ao que uma coisa é
como é, chamamos sua essência.”
Por fim, recuperando os antigos gregos, Martin Heidegger, em seu retorno filosófico à origem, visa atingir o Ser.
PROF.DR.SÍLVIO MEDEIROS
primavera de 2005
SÍLVIO MEDEIROS
Enviado por SÍLVIO MEDEIROS em 17/11/2005
Alterado em 18/12/2005
Código do texto: T72904
Alterado em 18/12/2005
Código do texto: T72904
Fonte:
Recanto das Letras
http://www.recantodasletras.com.br/artigos/72904
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
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