segunda-feira, 6 de agosto de 2012

JUNG E A METÁFORA ALQUÍMICA






Vitor P.Calixto dos Santos

INTRODUÇÃO

"A alquimia representa a projeção em laboratório
de um drama ao mesmo tempo cósmico e psicológico."
C.G.Jung¹

Hoje, às vésperas do terceiro milênio, vemos despertar uma série de movimentos "religiosos" que possuem entre suas características a volta à natureza, o esoterismo, a busca do transcendente, etc. o que em outras palavras significa uma volta ao ser.

Dentro destes movimentos podemos perceber elementos ligados à alquimia os quais adquirem hoje atualidade e importância para a compreensão dos fenômenos naturais e individuais.

Neste sentido podemos perceber a visão profunda, aberta e profética de C.G.Jung ao aplicar ao processo de individuação, isto é, à busca da perfeita realização da pessoa humana, a metáfora alquímica de modo a iluminar o processo de integração psíquica, tantas vezes reduzido à técnicas dentro de uma visão empírica e cientificista, com a sabedoria milenar dos alquimistas.

Sua intuição tem produzido frutos e continua a ser desenvolvida no âmbito da psicologia analítica não só aplicada ao processo de individuação de cada pessoa, mas do próprio mundo. Neste sentido, a psicologia analítica com a metáfora alquímica tem hoje a palavra que o mundo anseia em todas as suas buscas do Ser.

Veremos neste trabalho em que consiste e como é que esta sabedoria alquímica milenar chegou até nós passando antes pelas mãos de Jung.

1 – A METÁFORA ALQUÍMICA ANTECEDENTE
A metáfora alquímica junguiana é o resultado de um processo metafórico antecedente e que constitui o processo alquímico em si mesmo conforme a sua realização num momento particular da história.A alquimia, tradição antiquíssima de origem incerta, consiste em uma série de ensinamentos práticos e teóricos voltados à transformação e ao aperfeiçoamento da matéria que se expressaria na transmutação de metais vis em ouro e na preparação do elixir da vida.

Sua origem, particularmente no caso da alquimia européia, parece proceder do Egito onde era associada ao culto do deus Thoth, que se tornou Hermes na Grécia antiga e Mercúrio, em Roma.

Nasce como uma ciência natural que busca a compreensão da própria natureza a partir de uma especulação filosófica, como se pode ver já na filosofia pré-socrática no século VI a C. É dela que nasce o conceito de prima matéria a partir da crença de que o mundo tinha origem em uma única substância que era subdividida nos quatro elementos terra, ar, fogo e água, os quais, segundo diferentes recomposições faziam surgir todos os objetos físicos existentes no universo. Esta idéia, a prima matéria, teve sua evolução chegando com Aristóteles a ser considerada como pura potencialidade, que em seguida adquire forma, quando é atualizada na realidade.

Assim:
"A alquimia é uma ciência natural que representa uma tentativa de entendimento de fenômenos materiais de natureza; é um misto da física e da química desses tempos remotos e corresponde à atitude mental consciente daqueles que a estudaram e se concentraram no mistério da natureza, em especial dos fenômenos materiais. Também é o princípio de uma ciência empírica"².
Este empirismo era como vimos nesta citação acompanhado por uma visão de mundo, por uma filosofia chamada "Hermética", nome derivado de Hermes (Mercúrio) que era o principal símbolo da substância que é transformada durante o processo alquímico.

Sua história, porém, é bastante complexa dada a extensão temporal, chegando até nossos dias e territorial, já que se espalhou por várias partes do mundo³. O que se sabe é que esteve em evidência nos séculos XVI – XVII, quando atingiu o seu desenvolvimento completo, graças, em grande parte ao trabalho de Paracelso(1493-1541) e seus alunos.

O século XVIII marca o desaparecimento da alquimia já que o seu "método de explicação: "obscurum per obscurius, ignotum per ignotius"- o obscuro pelo mais obscuro e o desconhecido pelo mais desconhecido, era incompatível com o espírito do iluminismo e particularmente com o alvorecer da ciência química, no final do século"(4). 

Apesar de todas as diferenças encontradas nas instruções dos alquimistas, pode-se notar, contudo, uma concordância na maioria no que se refere aos pontos principais, isto é, os quatro estágios do processo alquímico, marcados pelas cores originárias já presentes em Heráclito: melanosis ( enegrecimento), leukosis(embranquecimento), xanthosis(amarelecimento) e iosis(enrubescismento) ou respectivamente nigredo, albedo, (...), rubedo(5). 

A descrição destes processos aos quais é submetida a prima materia em vias de transformação não deixa de ser uma metáfora já que o alquimista não podia controlar o processo e nem mesmo prever o resultado final. É esta a metáfora alquímica que antecede a metáfora alquímica em Jung.

2 – A METÁFORA ALQUÍMICA EM C.G.JUNG
2.1 – O CONTATO
Pode se notar na vida de Jung que a alquimia ocupou um lugar de destaque seja pelo número quanto pela importância dos escritos que ele dedicou a este tema.

Além da busca do significado de alguns sonhos que levou Jung à constatação de ser "condenado a estudar a alquimia desde o princípio", o seu contato com a alquimia se dá através da leitura do Segredo da flor de ouro, texto esotérico taoísta chinês, pouco conhecido naquela época e traduzido parra o alemão por Richard Wilhelm, que o enviou em 1928 para que Jung fizesse uma apreciação(6). A partir deste momento Jung irá estudar a alquimia, estudo este que irá se estender por quase quinze anos antes que ele publicasse algo a respeito do tema(7).

É preciso considerar, no entanto, que Jung já possuía conhecimento alquímicos como pode ser demonstrado por seus escritos anteriores como Energética psíquica em 1928 quando cita a obra de Herbert Silberer, Probleme der Mystik un iher Symbolik de 1914. Há ainda uma indicação da Sabina Spilrein segundo a qual por volta de 1912, época da primeira redação de Transformação e símbolo da libido em 1912, Jung teve contato com a figura de Zozimo que irá desempenhar importante papel na interpretação junguiana da alquimia(8). 

Por fim, cabe dizer que a biblioteca alquímica de Jung, suas fichas de trabalho, juntamente com as amplas bibliografias que completam suas obras Psicologia e Alquimia de 1944, Mysterium coniunctionis de19955-56, Aion de 1951 e o volume que recolhe os Estudos sobre Alquimia de 1943 mostram a vastidão da documentação sobre a qual se baseia a sua pesquisa. Daí a presença deste tema não só nestas obras citadas e que seriam as principais e que formam os volumes XII, XIII e XIV das Obras completas, mas também em outros escritos e citações espalhadas pelos outros volumes, bem como escritos fora deste âmbito(9).

2.2 – O SIGNIFICADO METAFÓRICO
O significado metafórico da alquimia para Jung poderia ser visto nesta suas palavras:
"O problema central da psicologia é a integração dos opostos. Isto é encontrado em todo lugar e todos os níveis. Em Psicologia e Alquimia (Obras 12) ocupei-me da integração de Satanás.[...] Isto se realiza por meio de um processo simbólico muito complicado que coincide a grosso modo com o processo psicológico da individuação. Em alquimia este processo se chama conjunção de dois princípios.[...] As operações alquímicas eram reais, somente que a sua realidade não era física, mas sim psicológica. A alquimia representa a projeção em laboratório de uma drama ao mesmo tempo cósmico e psicológico.[...] 

Na linguagem dos alquimistas a matéria sofre até que a nigredo desapareça; então a cauda do pavão ( cauda pavonis) anunciará a aurora e surgirá um novo dia, a leúkosis ou albedo. Mas neste estado de brancura não existe verdadeira vida, é um estado abstrato, ideal. Para infundir-lhe vida é preciso infundir-lhe "o sangue", a rubedo, o vermelho da vida. Somente a experiência de todos os estágios do ser pode transformar o estado ideal da albedo em uma forma de existência plenamente humana. Somente o sangue pode vivificar o estado de consciência mais alto, no qual é dissolvida o último traço de negrume, no qual o demônio não tem mais existência autônoma mas é integrado reconstituindo a profunda unidade da psique. Então a opus magnum está completa: a alma humana está completamente integrada"(10).

É a partir do processo de individuação(11) que é possível compreender a presença difusa dos recursos ao simbolismo alquímico nos escritos de Jung a partir dos anos trinta. É preciso dizer que o uso das imagens dos alquimistas ( entendidas também muitas vezes em sentido próprio, ou seja como figura) e entre estas, algumas preferidas: a água, as centelhas, o redondo, o lápis, a árvore não acontece na ótica de explicações reducionistas, mas no contexto de amplificaçao nas quais entre os materiais oníricos e os produtos da imaginação ativa e as imagens dos alquimistas se estabelece uma circularidade ou reverberação de significados. Jung faz uma leitura que adentra na história mas não é uma leitura propriamente histórica do fenômeno alquímico. O "mistério" da alquimia na compreensão de Jung consiste na afirmação clara do caráter simbólico da coniunctio alquímica na qual propriamente reside a possibilidade de utilizá-la como termo de confronto real ( realidade objetiva, externa) e como instrumento de compreensão e de comunicação para as manifestações do inconsciente coletivo na psique individual.

Jung, a partir de seu trabalho de comparação, foi o primeiro a mostrar que o simbolismo alquímico conserva ainda hoje um significado vital, e que a verdade dos antigos alquimistas lançam luzes sobre fatos e processos descobertos no âmbito de uma psicologia marcadamente empírica(12).
É assim que todos os estágios psíquicos ligados ao processo de individuação podem ser vistos metaforicamente a partir dos estágios alquímicos, a começar pelo próprio processo de análise visto como um todo:

"O encontro de duas personalidades é semelhante à mistura de duas diferentes substâncias químicas: uma ligação pode a ambas transformar."(13)
"O alquimista ilustra não somente em seus traços gerais, mas muitas vezes em detalhes desconcertantes aquela mesma fenomenologia psiquíca que o terapeuta pode observar durante o confronto com o inconsciente."(14)

Podemos citar ainda outras formas de abordagem do inconsciente como os sonhos que Jung cita e explica em Psicologia e Alquimia a partir do seu simbolismo alquímico e individual.(15)
Podemos citar ainda o uso e o significado as mandalas, chamadas pelos alquimistas como quadratura circuli , por ser um quadrado no círculo e um círculo no quadrado.(16)
No que se refere à aplicação do simbolismo ou metáfora alquímica por Jung aos estágios do processo de individuação poder-se-ia fazer um logo elenco mas consideramos suficiente o acima exposto como exemplo desta metáfora.

3 – A METÁFORA ALQUÍMICA CONSEQUENTE
Após Jung, outros estudiosos se serviram desta metáfora para estudar, descrever, explicar, desenvolver os estágios do processo de individuação.

Entre eles podemos citar inicialmente Marie-Louise von Franz, colaboradora de Jung e estudiosa da alquimia. Dentre suas inúmeras obras em que o tema aparece cabe citar como principal Alquimia. Introdução ao Simbolismo e à Psicologia de 1980 na qual se ressalta o estudo da obra alquímica Aurora Consurgens que constitui segundo os estudiosos, uma contribuição de primeira ordem às pesquisas históricas sobre a alquimia. Marie Louise von Franz diz que o trabalho dos alquimistas pode ser considerado um paralelo da imaginação ativa(17), mas a atenção à alquimia não se reduz no âmbito terapêutico. Ela conduz à indagar sobre a relação entre inconsciente e a realidade material. Na realidade o problema psique-matéria ainda não foi resolvido. O enigma de fundo da alquimia não foi ainda revelado.

Dando continuidade a estas questões temos a obra de Aniela Jaffé – The Influence of Alchemy on the Work of C.G. Jung,(18) que aborda o paradoxo do Mercúrio alquímico e a relação psique-corpo. Este tema foi também estudado por Edward Whitmont quando se refere à homeopatia.(19)
O uso do simbolismo alquímico como instrumento de compreensão das produções do inconsciente ( sonhos, imaginação ativa, etc.) e auxiliando no entendimento do processo de individuação pode ser vista ainda em outros autores, sendo destaque entre eles Edward F. Edinger com sua obra Anatomia da Psique. O simbolismo alquímico na Psicoterapia de 1978 na qual aparece de forma sistemática em relação com as passagens da psicoterapia os estágios alquímicos como calcinatio, solutio, coagulatio, etc. que definem os símbolos centrais da transformação.

Há ainda outra aplicação da alquimia como é o caso de David Holt que faz uma leitura a partir da relação homem-natureza dentro do grande tema da redenção da matéria.(20)
Merece destaque ainda a obra de Robert Grinnel, Alchemy in a Modern Woman(21) onde se trata do tema do inconsciente psicóide entendido como enraizamento profundo das manifestações psíquicas na realidade fisiológica. Seus estudos são classificados pelos estudiosos como ensaios de fenomenologia alquímica e de alguma maneira completam o caminho realizado por Jung em suas obras.

Por fim, dada sua diversidade é preciso citar James Hillman que partindo da metáfora alquímica junguiana vai além do seu uso como instrumento de terapia individual para chegar a uma terapia da cultura como se pode ver em o Mito da análise e nos dois ensaios dedicados aos símbolos alquímicos da albedo onde se fala da importância dos símbolos alquímicos para a superação da atitude unilateral na tradição ocidental.

"Se Jung propõe uma psicologia da alquimia, eu estou buscando uma psicologização alquímica" para expressar assim que não se trata somente de uma aplicação do simbolismo alquímico mas de uma psicologia alquímica(22). Vemos uma explicação do papel da alquimia em sua nova visão da psicologia em Revisão da Psicologia onde ela aparece como a base para patologização.(23)

CONCLUSÃO
Seriam muitos os outros exemplos e obras que, dentro da atualidade da psicologia analítica usam a metáfora alquímica,(24) no entanto, permanece o mistério da opus magnum até que se tenha alcançado o lápis, a pedra filosofal, a individuação.





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Pablo Picasso

Li-Sol-30
 Fonte:
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres. 
 Sejam abençoados todos os seres.
 

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