sábado, 11 de agosto de 2012

PITÁGORAS -

                                       

Página:214
LIVRO VI

PITÁGORAS
Os Mistérios de Delfos

Conhece-te a ti mesmo
 – e conhecerás o Universo e os Deuses.

Inscrição do templo de Delfos
O Sono, o Sonho e o Êxtase 
são as três portas para o Além, 
de onde nos vêm a ciência da alma 
e a arte da adivinhação.

A Evolução é a lei da Vida.
O Número é a lei do Universo.
A Unidade é a lei de Deus.
Página 215
PITÁGORAS
Os Mistérios de Delfos
I
A GRÉCIA NO SÉCULO VI
A alma de Orfeu atravessara como um divino meteoro o céu
tempestuoso da Grécia nascente. Com o seu desaparecimento, as trevas
a invadiram de novo. Após uma série de revoluções, os tiranos da
Trácia queimaram seus livros, derrubaram seus templos, expulsaram
seus discípulos. 

Os reis gregos e muitas cidades, mais preocupados com
a liberdade desenfreada do que com a justiça que decorre das puras
doutrinas, imitaram-nos. Quiseram apagar a lembrança do profeta,
destruir seus últimos vestígios, e o fizeram tão bem que, alguns séculos
depois de sua morte, uma parte da Grécia duvidava de sua existência.

Em vão os iniciados conservaram sua tradição durante mais de mil anos.
Em vão Pitágoras e Platão falavam dele como de um homem divino. Os
sofistas e os retóricos não viam nele mais do que uma lenda sobre a origem da Música. Ainda hoje os estudiosos negam decididamente a existência de Orfeu. Apóiam-se principalmente no fato de que nem Homero nem Hesíodo mencionam seu nome. 

Mas o silêncio desses poetas se explica, amplamente, pela proibição a que os governos locais submeteram o nome do grande iniciador. Os discípulos de Orfeu não perdiam ocasião de atribuir todos os poderes à autoridade suprema do Templo de Delfos e não cessavam de repetir que era preciso submeter as
desavenças entre os diversos Estados da Grécia ao conselho dos
Anfictiões. Isto incomodava tanto os demagogos quanto os tiranos.(pag.216)

Homero, que provavelmente recebeu sua iniciação no santuário de
Tir, e cuja mitologia é a tradução poética da teologia de Sanconiaton,
Homero, o jônio, pôde muito bem ignorar Orfeu, o dórico, cuja tradição
se mantinha tanto mais secreta quanto mais era perseguida. Quanto a
Hesíodo, nascido perto de Parnaso, deve ter conhecido seu nome e sua
doutrina através do santuário de Delfos. Mas seus iniciadores
impuseram-lhe silêncio, e com razão.

Orfeu, porém, vivia em sua obra.
 Vivia em seus discípulos e
naqueles mesmos que o negavam.
 
 Essa obra, qual seria? Essa alma viva, onde procurá-la? Seria na oligarquia militar e feroz de Esparta, onde a ciência é desprezada, a ignorância erigida em sistema, a brutalidade exigida como um complemento da coragem? Seria nas implacáveis guerras de Messénia, onde os espartanos perseguiram um povo vizinho até seu completo extermínio, ou os romanos da Grécia se prepararam na rocha tarpéia e nos lauréis sangrentos do Capitólio, precipitando num abismo o heróico Aristomeno, defensor de sua pátria?

 Ou seria talvez na democracia turbulenta de Atenas, sempre pronta a sucumbir na tirania?

Seria na guarda pretoriana de Psístrato ou no punhal de Harmônio e de
Aristógito, escondido sob um ramo de mirta? Seria nas inúmeras
cidades da Hélade, da Magna Grécia e da Ásia Menor, das quais Atenas
e Esparta oferecem dois exemplos opostos? Seria em todas aquelas
democracias e aquelas tiranias invejosas, ciumentas e sempre prestes a
se entredevorarem?

 Não. A alma da Grécia não está aí. Ela está em seus templos, em seus mistérios e em seus iniciados. Ela está no santuário de Júpiter em Olímpia, de Juno em Argos, de Ceres em Elêusis. Ela reina em Atenas com Minerva, ela resplandece em Delfos com Apolo, que domina e invade todos os templos com sua luz. Eis o centro da vida helênica, o cérebro e o coração da Grécia. Aí vão instruir-se os poetas que traduzem à multidão as verdades sublimes em imagens vívidas, os sábios que as propagam em dialética sutil.

O espírito de Orfeu 
circula por toda a parte 
onde palpita a Grécia imortal. 
V
A FAMÍLIA DE PITÁGORAS. A ESCOLA E SEUS DESTINOS
Entre as mulheres que seguiam o ensinamento do mestre, havia
uma jovem de grande beleza. Seu pai, natural de Crotona, chamava-se
Brontinos; ela, Teano. Pitágoras aproximava-se então dos sessenta anos.
Mas o grande domínio sobre as paixões e uma vida pura, consagrada
inteiramente à sua missão, haviam conservado intacta sua força viril. A
juventude da alma, aquela chama imortal que o grande iniciado haure
em sua vida espiritual e alimenta mediante as forças ocultas da natureza,
brilhava nele e subjugava a todos os que o cercavam. 

O mago grego não estava no declínio, mas no apogeu de sua potência. Teano foi atraída para Pitágoras pela irradiação quase sobrenatural que emanava de sua pessoa. Grave, reservada, ela procurara junto ao mestre a explicação dos
mistérios, que amava sem compreender. Mas, quando à luz da verdade,
ao doce calor que a envolvia pouco a pouco, ela sentiu sua alma
desabrochar do fundo de si mesma como a rosa mística de mil pétalas,
quando ela sentiu que essa eclosão vinha dele e de sua palavra,
apaixonou-se silenciosamente pelo mestre, com um entusiasmo sem
limites e com um amor ardente.

Pitágoras não tinha procurado atraí-la. Sua afeição pertencia a
todos os discípulos. Sonhava apenas com sua escola, com a Grécia e
com o futuro do mundo. Como muitos dos grandes adeptos, tinha
renunciado à mulher para entregar-se todo à sua obra. A magia de sua
vontade, a posse espiritual de tantas almas que ele formara e que a ele
permaneciam ligadas como a um pai adorado, o incenso místico de
todos esses amores inexprimidos que subiam até ele, e esse perfume
delicado de simpatia humana que unia os irmãos pitagóricos – tudo isto
substituía para ele a volúpia, a felicidade, o amor.

Um dia, meditava sozinho sobre o futuro de sua Escola, na cripta
de Proserpina. Viu então aproximar-se séria e resoluta, a bela virgem,
com quem jamais falara em particular. Ela ajoelhou-se diante dele e
abaixou a cabeça,suplicando ao mestre –a ele que tudo podia –que a
livrasse de um amor impossível e infeliz, que consumia seu corpo e
devorava sua alma. Pitágoras quis saber o nome daquele a quem ela
amava. Após longas hesitações, Teano confessou que era ele, mas que,
preparada para tudo, se submeteria à sua vontade. Pitágoras nada
respondeu. Encorajada por esse silêncio, ela ergueu a cabeça e lançoulhe
um olhar suplicante, de onde escapavam a seiva de uma vida e o
perfume de uma alma ofertada em holocausto ao mestre.(pag.310)

O sábio ficou abalado. Seus sentidos, ele sabia vencer, sua
imaginação, ele lançara por terra. Mas, o clarão daquela alma penetrara
a sua. Naquela virgem amadurecida pela paixão, transfigurada pelo
pensamento de um devotamento absoluto, ele tinha encontrado sua
companheira e entrevisto uma realização mais completa de sua obra.
Pitágoras fez a jovem levantar-se com um gesto comovido, e Teano
pôde ver nos olhos do mestre que seus destinos estavam para sempre
unidos.

Por seu casamento com Teano, Pitágoras apôs o selo da
realização à sua obra. A associação, a fusão das duas vidas foi
completa. Um dia perguntaram à esposa do mestre quanto tempo é
necessário a uma mulher para tornar-se pura após ter tido contato com
um homem. Ela respondeu: “Se for com seu marido, ela já está na
mesma hora; se for com um outro, não ficará jamais”. Muitas mulheres
argumentarão, sorrindo, que para dizer estas palavras é preciso ser
mulher de Pitágoras e amá-lo como Teano.

Elas têm razão. 

Não é o casamento 
que santifica o amor. É o amor
que justifica o casamento. 
 
Teano penetrou tão completamente no pensamento de seu marido que, após sua morte, ela tornou-se o centro da ordem pitagórica, e é citada por um autor grego como autorizada na doutrina dos Números. Ela deu a Pitágoras dois filhos: Arimneste e Telauges, e uma filha: Damo. Telauges tornou-se mais tarde o mestre de Empédocles e transmitiu-lhe os segredos da doutrina.

A família de Pitágoras foi para a ordem um verdadeiro modelo.
Chamaram sua casa de o templo de Ceres e seu pátio de o templo das
Musas. Nas festas domésticas e religiosas, a mãe dirigia o coro das
mulheres e Damo, o coro das jovens. Damo foi, em todos os pontos,
digna de seus pais. Pitágoras havia-lhe confiado alguns escritos, sob a
proibição expressa de mostrá-los a quem quer que fosse fora da família.

Depois da dispersão dos pitagóricos, Damo ficou em extrema pobreza.
Ofereceram-lhe então uma elevada quantia pelo precioso manuscrito.
Porém, fiel à vontade do pai, ela sempre recusou entregá-lo.
Pitágoras viveu trinta anos em Crotona.(pag.311)

 Em vinte anos este homem admirável adquiriu um poder tal que aqueles que o chamavam de semideus não exageravam. Seu poder era um prodígio. Nenhum outro filósofo obteve algo semelhante. Sua influência não se fazia sentir somente na escola de Crotona e em suas ramificações nas outras cidades das costas italianas, mas também na política de todos esses pequenos estados.
Pitágoras era um reformador
 em toda a acepção da palavra.
 
Crotona, a colônia aqueana, tinha uma constituição aristocrática. O
conselho dos mil, composto das grandes famílias, exercia o poder
Legislativo e supervisionava o poder Executivo. As assembléias
populares existiam, mas com poderes restritos. Pitágoras, que desejava
para o Estado ordem e harmonia, não gostava da opressão oligárquica
nem do caos da demagogia. Aceitando a constituição dórica, ele
procurou simplesmente introduzir nela uma nova organização. A idéia
era ousada: criar, acima do poder político, um poder científico, com voz
deliberativa e consultiva nas questões vitais, tornando-se a chave do
poder, o regulador supremo do Estado. Acima do conselho dos mil, ele
organizou o conselho dos trezentos, escolhidos pelo primeiro mas
recrutados só entre os iniciados. Eram agora em número suficiente para
a tarefa. Porfírio conta que dois mil cidadãos de Crotona renunciaram à
vida habitual e reuniram-se para viver em comunidade, com as mulheres
e os filhos, depois de terem entregue seu patrimônio ao grupo.

Pitágoras queria 
pois à frente do Estado um governo científico
menos misterioso, mas também tão elevado
 quanto o sacerdócio egípcio. 
 
O que ele realizou por um momento passou a ser o sonho de todos os iniciados que se ocuparam de política: introduzir o princípio da iniciação e do exame do governo do Estado, e reconciliar, nesta síntese superior, o princípio eletivo ou democrático com um governo constituído pela seleção dos inteligentes e virtuosos.(pag.312)

O conselho dos trezentos formou, então, uma espécie de ordem política, científica e religiosa, da qual Pitágoras era o chefe reconhecido. O indivíduo
alistava-se nele mediante um juramento solene e terrível de sigilo
absoluto, como se fazia nos Mistérios. Essas sociedades ou hetairias
estenderam-se de Crotona, onde se achava a sociedade-mãe, até quase
todas as cidades da Magna-Grécia, exercendo uma poderosa ação
política. A ordem pitágorica tendia também a tornar-se a cabeça do
Estado em toda a Itália meridional. Tinha ramificações em Tarento,
Heracléia, Metaponto, Regium, Himero, Catânia, Agrigento, Síbaris e,
segundo Aristóxene, até entre os etruscos. 

Quanto à influência de Pitágoras no governo destas grandes e ricas cidades, não se poderia imaginar nada de mais elevado, liberal e pacífico. Em toda a parte onde aparecia, ele restabelecia a ordem, a justiça, a concórdia. Chamado para junto de um tirano da Sicília, conseguiu, com sua eloqüência, que ele se decidisse a renunciar às riquezas mal adquiridas e abdicasse do poder usurpado. Quanto às cidades, ele as tornava livres e independentes,
depois de terem estado subjugadas umas às outras. Tão benéfica era sua
ação que, quando ele chegava nas cidades, diziam:

 “Não é para ensinar, mas para curar”.
A influência soberana de um grande espírito e de um grande
caráter, essa magia de alma e de inteligência excita invejas tanto mais
terríveis, ódios tanto mais violentos, quanto mais ela for inatacável. O
império de Pitágoras durava já um quarto de século. E o adepto
infatigável atingia a idade dos noventa anos, quando veio a reação. A
fagulha partiu de Síbaris, a rival de Crotona. Houve lá um levante
popular e o partido aristocrático foi vencido. Quinhentos exilados
pediram asilo em Crotona mas os sibaritas exigiram sua extradição.

Temendo a cólera de uma cidade inimiga, os magistrados de Crotona
iam atender àquela exigência, quando Pitágoras interveio. A suas
instâncias, recusaram a entregar aqueles infelizes suplicantes aos
adversários implacáveis. Diante desta recusa, Síbaris declarou guerra a
Crotona. Mas a armada de Crotona, comandada por um discípulo de
Pitágoras, o célebre atleta Mílon, derrotou completamente os sibaritas.

Seguiu-se o desastre de Síbaris, A cidade foi tomada, saqueada,
completamente destruída e transformada em deserto. (pag.313)


É impossível admitir que Pitágoras aprovasse semelhantes
represálias. Elas violentam seus princípios e de todos os iniciados.
Contudo, nem ele nem Mílon puderam refrear as paixões desencadeadas
de um exército vitorioso, atiçadas por antigas invejas e superexcitadas
por um ataque injusto.

Toda vingança, seja de indivíduos, seja de povos, provoca um choque em resposta às paixões desencadeadas. A Nêmesis desta foi terrível. As conseqüências recaíram sobre Pitágoras, e toda a sua ordem.
Após a tomada de Síbaris, o povo pediu a divisão das terras. Não contente de tê-la obtido, o partido democrático propôs na constituição uma mudança que retirava do Conselho dos Mil seus privilégios e suprimia o Conselho dos Trezentos, só admitindo uma única autoridade: o sufrágio universal. 

Naturalmente os pitagóricos que faziam parte do Conselho dos Mil opuseram-se a uma reforma contrária a seus princípios e que solapava pela base a paciente obra do mestre. Os pitagóricos já eram objeto daquele ódio surdo que o mistério e a superioridade sempre excitam na multidão. Sua atitude política sublevou contra eles os furores da demagogia, e um ódio pessoal contra o mestre causou a explosão.

Um certo Cílon tinha-se candidatado outrora à Escola. Pitágoras, bastante severo na admissão dos discípulos, recusou-o por causa de seu caráter violento e voluntarioso. O candidato recusado tornou-se um adversário rancoroso. Quando a opinião pública começou a voltar-se contra Pitágoras, aquele organizou um grupo de oposição aos pitagóricos, uma grande sociedade popular. Conseguiu atrair os principais líderes do povo e preparou nas assembléias uma revolução que começaria pela expulsão dos pitagóricos. Perante uma multidão agitada, Cílon sobe à tribuna popular e lê trechos extraídos do livro secreto de Pitágoras, intitulado: A Palavra Sagrada (hiéros logos). Os textos foram desfigurados e deturpados. Alguns oradores tentam
defender os irmãos do silêncio, que respeitam até os animais.(Pag.314)

Respondem-lhes com gargalhadas. Cílon sobe e torna a subir à tribuna,
procurando demonstrar que o catecismo religioso dos pitagóricos atenta
contra a liberdade.

“Dizer isto é pouco, acrescenta o tribuno. Quem é esse mestre,
esse pretenso semideus, ao qual se obedece cegamente e basta que dê
uma ordem para que todos os seus irmãos gritem: ‘O mestre disse!’ Não
é ele o tirano de Crotona e o pior dos tiranos, um tirano oculto? 

De que é feita esta amizade indissolúvel que une todos os membros das
hetairias pitagóricas, senão de desdém e de desprezo pelo povo? Eles
repetem sempre as palavras de Homero, ou seja, que o príncipe deve ser
o pastor de seu povo. Para eles, então, o povo não passa de um vil rebanho. Sim, a própria existência da ordem é uma conspiração permanente contra os direitos populares. Enquanto ela não for destruída, não haverá liberdade em Crotona!”

Um dos membros da assembléia popular, animado por um sentimento de lealdade, gritou: “Que se permita, pelo menos, a Pitágoras e aos pitagóricos que se justifiquem perante nossa tribuna, antes de condená-los”. Mas Cílon respondeu com altivez: “Esses pitagóricos não vos roubaram o direito de julgar e decidir os negócios públicos? Com que direito eles solicitariam hoje serem ouvidos? Eles não vos consultaram quando vos despojaram do direito de exercer a justiça! Pois bem, chegou a vossa vez de atingi-los sem ouvi-los!”
Retumbaram aplausos em resposta a estas saídas veementes; os espíritos
se exaltavam cada vez mais.

Uma tarde, quando os quarenta principais membros da ordem estavam reunidos na casa de Mílon, o tribuno sublevou seus bandos. Cercaram a casa. Os pitagóricos, e o mestre entre eles, barricaram as portas. A multidão furiosa ateou fogo ao edifício. Trinta e oito pitagóricos, os primeiros discípulos do mestre, a nata da ordem, e o próprio Pitágoras pereceram; alguns nas chamas do incêndio, outros mortos pelo povo. Arquipo e Lísis foram os únicos que escaparam ao massacre (1)
Assim morreu aquele grande sábio, aquele homem divino, que tentara aplicar sua sabedoria ao governo dos homens. O assassinato dos pitagóricos foi o sinal para uma revolução democrática em Crotona e no golfo de Tarento.(pag.315

As cidades da Itália expulsaram os infelizes discípulos do mestre. A ordem foi dispersa, mas seus remanescentes espalharam-se pela Sicília e pela Grécia, semeando por toda parte a palavra do mestre. Lísis tornou-se o mestre de Epaminondas. Depois de novas revoluções, os pitagóricos puderam voltar à Itália, sob a condição de não mais constituírem um corpo político. Uma comovente fraternidade nunca deixou de uni-los; consideravam-se uma mesma e única família. Certo dia, um deles, na miséria e doente, foi recolhido por um estalajadeiro.

Antes de morrer, desenhou na porta da casa alguns sinais misteriosos e
disse ao hospedeiro: “Fica tranqüilo. Um de meus irmãos pagará minha
dívida”. Um ano depois, passando pelo mesmo albergue, um estrangeiro
viu os sinais e disse ao hospedeiro: “Eu sou pitagórico. Um de meus
irmãos morreu aqui. Dize-me o quanto devo por ele”. A ordem
sobreviveu durante duzentos e cinqüenta anos. Quanto às idéias, às
tradições do mestre, elas vivem até nossos dias.

A influência regeneradora de Pitágoras sobre a Grécia foi imensa,
exercendo-se misteriosa mas seguramente, em todos os templos por
onde ele passara. Vimo-lo em Delfos dar nova força à ciência
divinatória, reafirmar a autoridade dos sacerdotes e formar uma
pitonisa-modelo. Graças a essa reforma interior que despertou o
entusiasmo no próprio coração dos santuários e na alma dos iniciados,
Delfos tornou-se mais do que nunca o centro moral da Grécia. Isso se
comprovou durante as guerras médicas.

Trinta anos apenas tinham decorrido desde a morte de Pitágoras
quando o ciclone da Ásia, predito pelo sábio de Samos, veio estourar
sobre as costas da Hélade. Nessa luta épica da Europa contra a Ásia
bárbara, a Grécia, que representa a liberdade e a civilização, tem à sua
retaguarda a ciência e o gênio de Apolo. É ele que, com seu sopro
patriótico e religioso, agita e faz calar a rivalidade nascente entre
Esparta e Atenas. É ele que inspira os Milcíades e os Temístocles. Em
Maratona, o entusiasmo é tal que os atenienses acreditam ver dois
guerreiros, claros como a luz, combater em suas fileiras. Uns
reconheceram neles Teseu e Equetos; outros, Castor e Pólux. (pag.316)

Quando a invasão de Xerxes, dez vezes mais formidável do que a de Dario,
avança pelas Termópilas e submerge a Hélade, é a Pítia que, do alto de
seu tripé, indica a salvação para os enviados de Atenas e ajuda
Temístocles a vencer a batalha de Salamina. As páginas de Heródoto
tremem com sua palavra ofegante:

 “Abandonai as residências e as altas
colinas da cidade construída em círculo..., o fogo e o temível Marte,
montado em um carro sírio, arruinarão vossas torres... os templos
vacilam, de seus muros goteja um frio suor, de seu topo corre um
sangue negro... Devereis sair de meu santuário. Um bosque vos servirá
de muralha e de inexpugnável proteção. Fugi! Voltai as costas aos
infantes e aos cavaleiros inumeráveis! Oh! divina Salamina! Serás
funesta aos filhos da mulher!” (2)

No texto de Ésquilo, a batalha começa por um grito que se
assemelha ao peã, o hino de Apoio:

 “Logo o dia, com os corcéis brancos,
 espalhou sobre o mundo sua resplandecente luz.
 Nesse instante, um clamor imenso,
 modulado como um cântico sagrado, 
elevase nas fileiras dos gregos.
 Os ecos da ilha respondem 
com mil vozes vibrantes”. 
 
É de se admirar, portanto, que, inebriados pelo vinho da vitória, os helenos, na batalha de Micália, em face da Ásia vencida, tenham escolhido como brado de reunir as palavras: Hebe, a Eterna Juventude? Sim, o sopro de Apoio atravessa essas extraordinárias guerras dos medas. 

O entusiasmo religioso,
 que produz milagres domina
os vivos e os mortos, ilumina os troféus
 e doura os túmulos. 
 
Todos os templos foram saqueados, mas o de Delfos ficou de pé. A armada persa aproximava-se para espoliar a cidade santa. Todos tremiam. Porém o
Deus solar disse pela voz do pontífice:

 “Eu mesmo me defenderei!”
Por ordem do templo, a cidade é evacuada. Os habitantes se
refugiam nas grutas do Parnaso e só os sacerdotes permanecem à
entrada do santuário, com a guarda sagrada. A armada persa entra na
cidade silenciosa como um túmulo. Somente as estátuas olham-na
passar. Uma nuvem negra acumula-se no fundo do precipício. O trovão
ribomba e o raio cai sobre os invasores. Duas enormes rochas rolam do
cume do Parnaso e esmagam grande número de persas. Ao mesmo
tempo, clamores eclodem do templo de Minerva, chamas brotam do
solo sob os passos dos assaltantes. Diante destes prodígios, os bárbaros
apavorados recuam. Sua armada foge enlouquecida. O próprio Deus se
defendera (3).
Teriam estas maravilhas ocorrido, estas vitórias que a humanidade
conta como suas, teriam elas ocorrido se trinta anos antes Pitágoras não
tivesse surgido no santuário délfico para ali reacender o fogo sagrado? É
pouco provável. (pag.317)

Uma palavra ainda 
a respeito da influência do mestre 
sobre a filosofia.
 
 Antes dele, houve físicos de um lado, moralistas de outro.
Pitágoras fez entrar a moral, a ciência e a religião em sua vasta síntese.
Esta síntese não é senão a doutrina esotérica, cuja plena luz procuramos
encontrar no fundo da iniciação pitagórica. O filósofo de Crotona não
foi o inventor, mas o organizador luminoso destas verdades primordiais
na ordem científica. Portanto, escolhemos seu sistema como o quadro
mais favorável para uma exposição completa da doutrina dos Mistérios
e de verdadeira teosofia.

Aqueles que seguiram o mestre conosco terão compreendido que,
no fundo dessa doutrina, brilha o sol da Verdade-Una. Encontram-se
seus raios espalhados nas filosofias e nas religiões, mas o centro está lá.

O que será preciso para alcançá-lo? A observação e o raciocínio não são
suficientes. Necessita-se ainda, e acima de tudo, da intuição. Pitágoras
foi um adepto, um iniciado de primeira ordem. Possuiu a visão direta do
espírito, a chave das ciências ocultas e do mundo espiritual. Ele foi buscar, pois, na fonte primeira da Verdade. E como a essas faculdades transcendentes da alma intelectual e espiritualizada ele acrescentava a observação minuciosa da natureza física e a classificação magistral das idéias por sua elevada razão, ninguém melhor do que ele estava preparado para construir o edifício da ciência do Cosmo.

Na verdade,
 este edifício jamais foi destruído.
 Platão, que tomou a Pitágoras toda sua metafísica, teve dele uma idéia global, embora a tivesse exposto com menos rigor e nitidez. A escola alexandrina ocupou-lhe os pavimentos superiores. 

A ciência moderna tomou-lhe o rés-do-chão e consolidou-lhe os fundamentos. Numerosas escolas filosóficas, seitas místicas ou religiosas habitaram diversos de seus compartimentos. Mas nenhuma filosofia jamais abrangeu o seu conjunto. É este conjunto que nos propusemos reencontrar aqui, em sua
harmonia e unidade.(pag.318)

(1). Esta é a versão de Diógenes de Laércio sobre a morte de Pitágoras.
Segundo Dicearco, citado por Porfírio, o mestre teria escapado ao massacre
com Arquipo e Lísis. Mas teria caminhado de cidade em cidade, até
Metaponto, onde se deixou morrer de fome no templo das Musas. Os
habitantes de Metaponto pretendiam, ao contrário, que o sábio, acolhido por
eles, tinha morrido pacificamente em sua cidade. Mostraram a Cícero sua
casa, sua cadeira e seu túmulo. É de se notar que, muito tempo depois da
morte do mestre, as cidades que mais perseguiram Pitágoras, por ocasião da
reviravolta democrática, reclamaram a honra de tê-lo abrigado e salvado. As
cidades do golfo de Tarento disputavam as cinzas do filósofo com a mesma
obstinação com que as cidades da Jônia disputavam a honra de serem a cidade natal de Homero. Estes fatos são discutidos no minucioso livro de M.
Chaignet: Pythagore et Ia philosophie pythagoricienne.

(2). Na linguagem dos templos, o termo filhos da mulher designava o
grau inferior da iniciação. A mulher significava a natureza. Acima havia os
filhos do homem ou iniciados no Espírito e na Alma, os filhos dos Deuses ou
iniciados nas ciências cosmogônicas e os filhos de Deus ou iniciados da
ciência suprema. A Pítia chama os persas de filhos da mulher, designando-os
pelo caráter de sua religião. Tomadas ao pé da letra suas palavras não teriam
sentido.

(3). “Vê-se ainda no recinto de Minerva”, diz Heródoto, VIII, 39. – A
invasão gaulesa, que teve lugar 200 anos mais tarde, foi repelida de maneira
análoga. Lá também forma-se uma tempestade, o raio cai várias vezes sobre
os gauleses, o solo treme sob seus pés. Eles vêem aparições sobrenaturais. 

E o templo de Apolo fica incólume. Estes fatos parecem provar que os sacerdotes de Delfos possuíam a ciência do fogo cósmico e sabiam utilizar a eletricidade por meio de poderes ocultos, como os magos caldeus. – Vide Amédée Thierry, Histoire des Gaulois, I, 246.

 
 ENTRE IRMÃOS.NET
http://www.entreirmaos.net/wp-content/uploads/2011/10/
Os-Grandes-Iniciados-Edouard-Schure.pdf
Pablo Picasso
Li-Sol-30
Fonte:
 http://www.entreirmaos.net/wp-content/uploads/2011/10/Os-Grandes-Iniciados-Edouard-Schure.pdf

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