domingo, 7 de abril de 2013

ESQUIZOFRENIA E PSICOGÊNESE - ESTUDO DE JUNG



 O Melhor de Mozart - 120min.

Os estudos psiquiátricos de Jung sobre a esquizofrenia

Carl Gustav Jung



ESQUIZOFRENIA E PSICOGÊNESE

Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço, quando trabalhou com as psicoses utilizou como paradigma o distúrbio mental, chamado por ele, de Dementia Praecox, a qual é nomeada por Bleuler, de esquizofrenia. Mesmo Jung, afirmava que esse nome era uma designação vaga e equívoca, pois, muitas vezes, não se tratava de um distúrbio precoce, nem demente (JUNG, 1986). 


 Compreenderia todas as condições de caráter alucinatório, catatônico, hebefrênico e paranóico que não apresentassem os processos característicos de lesão cerebral, como na paralisia geral, na demência senil, na demência epiléptica e nas intoxicações crônicas, e não pertencessem ao grupo maníaco-depressivo. 

Jung defendia a idéia de que a origem da Dementia Praecox seria psicogênica, apesar das tentativas da psiquiatria, de relacionar as alterações mentais do distúrbio a alterações paralelas no cérebro, ou seja, a causas orgânicas. 

Dizia que a psiquiatria sempre privilegiou o órgão, em detrimento da função. Jung reconhecia que existiam casos em que ocorriam alterações nas células nervosas, mas que estas não eram regulares, nem explicavam a sintomatologia da doença. O que para ele acontecia era, que uma função psicológica inadequada poderia se desenvolver até uma manifestação de distúrbio mental e provocar, secundariamente, manifestações de degeneração orgânica (JUNG, 1986). A partir de suas observações nas clínicas psiquiátricas, concluiu que, muitas vezes, o ambiente influenciava o comportamento dos doentes, uma vez que alguns pacientes passavam a apresentar catatonia em um local ‘tumultuado’ e, após serem trocados para um ambiente mais acolhedor e tranqüilo, apresentavam quadros de melhora.

 Isso seria um, dos muitos indícios, da importância do fator psicológico neste distúrbio: segundo ele, se tivesse apenas causas orgânicas, melhoras e recaídas não seriam possíveis. Uma das importantes divergências entre Jung e Freud foi na concepção de “libido”. Para Jung, essa energia básica do ser humano se estendia a outras atividades, entre as quais a sexualidade estava incluída. E no que se refere à esquizofrenia, a perda da função do real, o não reconhecimento do outro, também incluiria o sexual, não havendo constituição psíquica do sujeito, muito menos “super-ego’ ou “ complexo de Édipo”. 

Jung chegou a considerar a possibilidade da existência de toxinas relacionadas com as doenças mentais (Pinto, 2007). Freud, nos estudos com Fliess, tentou uma conciliação com essa hipótese, supondo que as produções tóxicas fossem originadas pelas glândulas sexuais. Depois, Freud entendeu que essas idéias eram provisórias, propondo que nos transtornos mentais as forças psíquicas primárias fossem consideradas, no lugar das substâncias químicas.

 Na visão junguiana, existe uma correspondência entre as características dos sintomas primários feitas por Bleuler e o que Janet chamou de “abaissement”, que está presente nas neuroses e psicoses, com a intensidade proporcional a cada psicopatologia, expressando a desintegração e rebaixamento da fronteira entre a consciência e os conteúdos inconscientes inibidos, com menor supremacia do “Ego”. Sendo esta uma visão ainda compartilhada por modernos junguianos (Machtiger,2008). 

O “abaissement” se caracteriza por:
1. provoca a perda de áreas completas de conteúdos, normalmente controlados;
2. provoca fragmentação da personalidade;
3. impede que seqüências normais de pensamentos se processem de modo coerente e se completem;
4. restringe a responsabilidade e a reação adequada do eu;
5. provoca idéias incompletas da realidade, permitindo, então, o aparecimento de reações emocionais insuficientes e inadequadas;
6. reduz o limiar da consciência e permite a entrada de conteúdos inconscientes que, em geral, estariam reprimidos, passando a penetrar na consciência sob a forma de invasões autônomas. 

Essas características do “abaissement”, consideradas primárias e presentes nas neuroses, segundo Jung (1986), aparecem na esquizofrenia, porém, danificando de forma quase irreparável a unidade da personalidade. Ele pondera, ainda, que um “abaissement" pode ser causado por problemas como fadiga, doenças, fatores constitucionais ou hereditários, entre outros. Para ele, não existe nenhum sintoma secundário que não apresente sinais típicos de um “abaissement”. Porém, essa característica não depende da psicogênese, mas, exclusivamente, do sintoma primário.As causas psicológicas só gerariam sintomas secundários com base nos processos primários. 

Para Bleuler, que preferiu usar o termo esquizofrenia que invoca mais claramente um distúrbio funcional, os sintomas primários da doença mental tinham origem orgânica, causando distúrbio particular no processo de associações, as quais apareceriam mutiladas e desconexas. Jung concordava com Bleluer que a maioria dos sintomas de natureza secundária era causado, sobretudo, por conflitos psíquicos. 

Jung sempre procurou dar o máximo de atendimento psicológico aos pacientes psicóticos, mesmo sem uma esperança de cura. Entre tantos casos, ele tratou durante quatorze anos, uma senhora esquizofrênica que ouvia numerosas vozes, por todo o corpo (Jung, 1986). Na análise, Jung encontrou uma voz bastante racional e útil que permitiu uma significativa melhora, liberando o lado direito do corpo da paciente dos ataques e das alucinações. Nesse caso, Jung procurou aperfeiçoar a comunicação com a “voz” e depois de dois anos ela não mais se manifestou no lado referido do corpo, porém apenas o lado esquerdo continuou sob o jugo do inconsciente. Depois ela não sofreu novos ataques e livrou-se das alucinações, restando ainda uma terminologia medieval em sua comunicação, com alegoria de “biabos” e ”bruxarias”. 

Na obra Psicogênese das doenças mentais (1986), merece destaque as seguintes considerações de Jung: “na esquizofrenia, os complexos se tornam fragmentos autônomos e independentes que se reintegram na totalidade psíquica ou então se interligam, de modo inesperado, como se nada tivesse acontecido”. 

Na visão junguiana existe um espaço para a reflexão se a doença mental é de origem exclusivamente orgânica ou psicológica. Embora ele realce que, comprovadamente, existem como causas, choques emocionais profundos, grandes decepções, situações difíceis, modificações de destinos, entre outros.






 Jung, no entanto, optou por considerar as inúmeras provas de uma falha primária na função psíquica, traçada na infância dos pacientes, como fundamental na psicogênese das doenças mentais, se mantendo, nesse ponto, fiel aos ensinamentos de Freud. Na visão junguiana, os fenômenos esquizofrênicos não são causados por uma diminuição geral da atenção ou da consciência, porém são dependentes de uma perturbação emocional intensa, cuja existência em si não constitua um sinal esquizofrênico, especialmente. 

Esse complexo seria idêntico ao de uma neurose, no entanto, com uma força desestruturante, com uma abrangência maior, que se expressaria através dos exageros e acréscimos fantásticos. Em função de tão ínfimos casos de desequilíbrios mentais por problemas orgânicos, Jung chegou a apostar que as deformações físicas e toxinas seriam produzidas, secundariamente, por um forte complexo afetivo e não o contrário (Pinto, 2007). 

Em fim, Jung e Bleuler convergem quanto aos sintomas secundários da esquizofrenia, referidos no atual DSM-IV (APA, 1994) que são conseqüentes dos sintomas primários. Estes, para Jung que buscava uma articulação dos elementos idiográficos e nomotéticos, no diagnóstico, não são de origem funcional, predominantemente, mas oriundos de um forte complexo afetivo. Daí, provavelmente, iniciou uma discussão entre psiquiatria e psicanálise fazendo, até hoje, uma distinção, respectivamente, entre diagnóstico sindrômico (baseado apenas nos sintomas) e diagnóstico nosológico, que abordaria a psicogênese da doença mental (Banzato,2004). 

Embora Jung deixe claro sua inclinação de apostar num forte "complexo afetivo", na origem da esquizofrenia, na maioria dos casos, ele não descarta as possibilidades relacionadas à questão orgânica, fazendo esta ponderação na seguinte citação: 

“No meu entender, a investigação da esquizofrenia constitui uma das tarefas mais importantes da psiquiatria futura. O problema encerra dois aspectos, um fisiológico e outro psicológico, pois, como se pode perceber, essa doença não se satisfaz com uma única explicação. Sua sintomatologia indica, por um lado, um processo basicamente destrutivo, talvez de natureza tóxica, e, por outro, um fator psíquico de igual importância, já que não se pode abandonar uma etiologia psicogênica e a possibilidade de um tratamento psicológico ao menos em alguns casos. Os dois caminhos abrem visões ricas e abrangentes tanto no campo teórico como no terapêutico (Jung, 1986)”.  


 Li-Sol-30
 Psicopatologia do Instituto de Psicologia da UFRGS.
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres. 
Sejam abençoados todos os seres.

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