quinta-feira, 18 de abril de 2013

RAMA - O CICLO ARIANO - Édouard Schuré ao som de HARE INDIA - 1:05:31



 
PROGRAMA VIDA INTELIGENTE - HARE INDIA-66m.

 
O Hinduísmo é a principal religião da Índia e é um tipo de união de crenças com estilos de vida. Sua cultura religiosa é a união de tradições étnicas. 

Atualmente é a terceira maior religião do mundo em número de seguidores. Tem origem em aproximadamente 3000 a.C na antiga cultura Védica. 

Os hindus são politeístas (acreditam em vários deuses).
 São os principais:
 Brahma (representa a força criadora do Universo);
 Ganesha (deus da sabedoria e sorte); ]
Matsya (aquele que salvou a espécie humana da destruição);
 Saraswati (deusa das artes e da música);
 Shiva (deus supremo,criador-Divina Mãe Isis = Maria = Espírito Santo), 
Vishnu (responsável pela manutenção do Universo). 


Édouard Schuré
OS  GRANDES  INICIADOS
Esboço da
História Secreta das Religiões
Rama – Krishna – Hermes – Moisés
Orfeu – Pitágoras – Platão – Jesus


A alma é a chave do Universo




Tradução de

Augusta Garcia Dorea

2

PREFÁCIO DESTA

EDIÇÃO ELETRÔNICA

Os Grandes Iniciados teve um destino estranho. A primeira

edição deste livro extraordinário de Édouard Schuré, remonta a 1889,

constituindo-se um fenômeno literário raramente igualado.

Acolhido, a princípio, sem muito entusiasmo, foi, com o passar do

tempo, impondo-se até se tornar um autêntico sucesso mundial.

Estranhamente, só a partir da Guerra de 1914 a 1918 – numa época de

grandes sofrimentos para toda a humanidade – que a obra começou a ser

lida, tanto na Europa como em outros continentes, de uma forma quase

obsessiva.


Nesta obra imortal existe uma força vital em seu pensamento

mestre, que, outro não é, senão uma aproximação lúcida e resoluta entre

Ciência e Religião. O grande esforço do autor é tentar harmonizar este

permanente conflito. Na introdução da obra, ele afirma: “Esta

reconciliação só poderá operar-se por uma nova contemplação sintética

do mundo visível e invisível, por meio da Intuição intelectual e da

Vidência psíquica. Só a certeza da Alma imortal pode vir a ser uma base

sólida da vida terrestre – e somente a compreensão das grandes

Religiões, para um retorno à sua fonte comum de inspiração, pode

assegurar a fraternidade entre os povos e o futuro da humanidade”.

 E

diz mais: “A Ciência e a Religião, perderam, uma e outra, o seu dom

supremo – que é a educação da consciência humana. Está perdida a arte

de formar-se e criar-se almas e ela só será redescoberta quando a

Ciência e a Religião, repensadas e refundidas em uma única força viva,

convergirem para a sublime tarefa de magnificar a Humanidade”.

Três conceitos básicos dominam toda a obra, que lhe dão um

sólido arcabouço, formando uma completa unidade:

1° O conceito Cosmogônico, isto é, a concordância do

macrocosmo e do microcosmo, pela constituição trinitária da divindade,

do universo e do homem.

3

2° O Conceito Psicológico: a evolução dos seres pela pluralidade

das existências.

3° O Conceito Histórico: a evolução da humanidade pela

combinação da liberdade humana e de um influxo divino.

Além da obra de um historiador perspicaz, diríamos que Os

Grandes Iniciados são também a obra de um poeta, pois grande parte

dela é devida à imaginação e à intuição do autor.

Assim mesmo, o livro tem uma intrínseca força catalizadora, que

a torna fonte inspiradora a todos quantos a lerem.


A obra está didaticamente dividida em oito livros. A origem da

raça ariana e do brahmanismo são estudados em Rama e Krishna. Os

mistérios do antigo Egito, onde os reis e os sacerdotes de Amos-Rá

praticavam a alta magia e rituais ocultistas são analisados em Hermes.


Em Moisés, são estudados os primórdios da tradição monoteística

judaica e a cabala da Caldéia. Os mistérios de Dionísio, de Delfos e as

tradições órficas são abordados em Orfeu e Pitágoras. O último livro

apresenta a história de Jesus, narrando sua iniciação junto à comunidade

dos Essênios, no mar morto, e outras passagens simbólicas do Novo

Testamento.


Esta é uma obra profundamente inspiradora, brotada, segundo o

autor, inteiramente de uma sede ardente da verdade superior, total,

eterna, sem a qual todas as outras verdades parciais não passam de um

engodo. Somente a compreensão das grandes religiões, para um retorno

à sua fonte comum de inspiração, pode assegurar a fraternidade entre os

povos e o futuro da humanidade.


“O tempo de regeneração intelectual e de transformação social
chegará, estamos certos disto. Vários presságios já o anunciam.
Quando a Ciência souber e a Religião puder, o Homem agirá
com nova energia. A Arte da vida e todas as artes só poderão
renascer por meio de sua harmonia.” (Édouard Schuré)
Os Editores



4
LIVRO I
RAMA
O Ciclo Ariano
Zoroastro perguntou a Ormuz, o grande Criador:
 Qual oprimeiro homem a quem falaste?
Ormuz respondeu: Ao belo Yima, 
aquele que estava à frente dos Corajosos.
Eu lhe disse para velar sobre os mundos
 que me pertencem e lhe dei um gládio de ouro,
 uma espada para a vitória.
E Yima avançou no caminho do sol e reuniu os homens
corajosos no célebre Airyana-Vaéja, criado puro.
ZEND AVESTA  
(Vendidad - Sadé, 2ª Fargard).
 
Oh! Agni!
 Fogo sagrado! Fogo purificador! 
Tu que dormes na lenha e sobes em chamas brilhantes 
sobre o altar, tu és o coração do sacrifício,
 o vôo ousado na prece, a centelha divina oculta 
em todas as coisas e a
alma gloriosa do sol.
Hino Védico.
 

5

RAMA

O Ciclo Ariano

I

AS RAÇAS HUMANAS E AS ORIGENS DA RELIGIÃO

“O Céu é meu Pai, ele me gerou. Tenho por família toda esta

corte celeste. Minha Mãe é a grande Terra. A parte mais alta de sua

superfície é sua matriz; lá o Pai fecunda o seio daquela que é sua

esposa e sua filha”.


Eis o que cantava o poeta védico, há quatro ou cinco mil anos,

diante de um altar feito de terra, onde ardia um fogo de ervas secas. Um

vaticínio profundo, uma consciência grandiosa transpira nestas palavras

estranhas. Elas encerram o segredo da dupla origem da humanidade.

Anterior e superior à Terra é o tipo divino do homem; celeste é a origem

de sua alma. Seu corpo, entretanto, é o produto dos elementos terrestres

fecundados por uma essência cósmica. Na linguagem dos Mistérios, os

amplexos de Urano e da grande Mãe significam chuvas de almas ou de

mônadas espirituais que vêm fecundar os germes terrestres; os

princípios organizadores sem os quais a matéria não passaria de massa

inerte e difusa. A parte mais alta da superfície terrestre, que o poeta

védico chama de matriz da Terra, designa os continentes e as

montanhas, berços das raças humanas. Quanto ao Céu - Varuna, o

Urano dos gregos -, ele representa a ordem invisível, hiperfísica, eterna

e intelectual, e abrange todo o Infinito do Espaço e do Tempo.

Neste capítulo, apenas consideraremos as origens terrestres da

humanidade, segundo as tradições esotéricas confirmadas pela ciência

antropológica e etnológica de nossos dias.
 

As quatro raças que atualmente partilham o globo são filhas de

terras e de zonas diversas. Criações sucessivas, lentas elaborações da

Terra em movimento se deram, e os continentes emergiram dos mares,


em intervalos de tempos consideráveis, que os antigos sacerdotes da

Índia denominavam ciclos interdiluvianos. Através de milhares de anos,

cada continente produziu sua flora e sua fauna, coroada por uma raça

humana de cor diferente.6

O continente austral, submergido no último grande dilúvio, foi o

berço da primitiva raça vermelha, da qual os índios da América são

apenas os resquícios provindos de trogloditas que atingiram o cimo das

montanhas quando seu continente se desmoronou. A África é a mãe da

raça negra, chamada etíope pelos gregos. A Ásia trouxe à. luz a raça

amarela, que se mantém nos chineses. A última a surgir, a raça branca,

saiu das florestas da Europa, entre as tempestades do Atlântico e os

sorrisos do Mediterrâneo. Todas as variedades humanas resultam das

misturas, das combinações, das degenerescências ou das seleções destas

quatro raças. Nos ciclos precedentes, a raça vermelha e a raça negra

reinaram sucessivamente, por meio de poderosas civilizações, que

deixaram traços nas construções ciclópicas como na arquitetura do

México. Os templos da Índia e do Egito conservavam cifras e tradições

sumárias destas civilizações desaparecidas. Em nosso ciclo, é a raça

branca que domina e se avaliarmos a provável antigüidade da Índia e do

Egito, poderemos deduzir que sua preponderância data de sete ou oito

mil anos (1).


Segundo as tradições brâmanes, a civilização teria começado na

Terra com a raça vermelha, no continente austral, há cinqüenta mil

anos, quando toda a Europa e uma parte da Ásia ainda estavam

submersas. Estas mitologias falam também de uma raça anterior, de

gigantes. Em algumas cavernas do Tibete foram encontrados ossos

humanos gigantescos, cuja formação se assemelha muito mais ao

macaco do que ao homem. Eles se relacionam a uma humanidade

primitiva, intermediária, ainda vizinha da animalidade, que não possuía

linguagem articulada, nem organização social, nem religião. Pois estas

três coisas brotam sempre ao mesmo tempo; eis aí o sentido desta

notável tríade bárdica que diz: “Três coisas são primitivamente

contemporâneas - Deus, a luz e a liberdade”. Com o primeiro balbucio

da palavra nasce a sociedade e a vaga suspeita de uma ordem divina. É

7

o sopro de Jeová na boca de Adão, o verbo de Hermes, a lei do primeiro

Manu, o fogo de Prometeu. Um Deus estremece no fauno humano. A

raça vermelha, como dissemos, ocupava o continente austral hoje

submerso, chamado Atlântida por Platão, segundo as tradições egípcias.


Um grande cataclismo o destruiu em parte e dispersou seus destroços.

Várias raças polinésias, assim como os indígenas da América do Norte e

os astecas, que Pizarro encontrou no México, são sobreviventes dessa

raça vermelha cuja civilização, para sempre perdida, teve seus dias de

glória e de esplendor material. Todos esses pobres retardatários

carregam na alma a melancolia incurável das velhas raças que definham

sem esperança.


Depois da raça vermelha foi a raça negra que dominou o globo. É

preciso procurar o tipo superior não no negro degenerado, mas no

abissínio e no núbio, nos quais se conserva o molde desta raça que um

dia atingiu o apogeu. Em tempos pré-históricos, os negros conquistaram

o sul da Europa, tendo sido depois rechaçados pelos brancos. Sua

lembrança foi completamente apagada de nossas tradições populares.

Entretanto, ali deixaram duas marcas indeléveis: o horror ao dragão, o

emblema de seus reis, e a idéia de que o diabo é negro. Os negros

devolveram o insulto à raça rival fazendo branco o seu próprio diabo.


No tempo de sua soberania, os negros tiveram centros religiosos no

Alto-Egito e na Índia. Suas cidades ciclópicas guarneciam as montanhas

da África, do Cáucaso e da Ásia central. Sua organização social

consistia em uma teocracia absoluta. No ápice, sacerdotes temidos como

deuses; embaixo, tribos inquietas, sem família reconhecida, as mulheres

escravas. Esses sacerdotes tinham conhecimentos profundos, o princípio

da unidade divina do Universo e o culto dos astros que, sob o nome de

sabeísmo, se infiltrou entre os povos brancos (2). 

Mas, entre a ciência

dos sacerdotes negros e o fetichismo grosseiro das massas, não havia

absolutamente intermediário, nem arte idealista nem mitologia

sugestiva. De resto, uma indústria já adiantada, sobretudo a arte de

manejar massas de pedras colossais, por meio da balística, e de fundir

metais nas imensas fornalhas, nas quais trabalhavam os prisioneiros de

guerra. Nessa raça poderosa pela resistência física, pela energia


passional e pela capacidade de dedicação, a religião foi, entretanto, o

reinado da força pelo terror. A Natureza e Deus quase não se mostram à

consciência desses povos infantis, a não ser sob a forma do dragão, o

terrível animal antediluviano que os reis mandavam pintar em suas

bandeiras e que os sacerdotes esculpiam no alto da porta de seus

templos.8


Se o sol da África fomentou a raça negra, dir-se-ia que os gelos do

pólo ártico viram a eclosão da raça branca. São os hiperbóreos de que

fala a mitologia grega. Estes homens de cabelos ruivos, olhos azuis,

vieram do Norte através das florestas iluminadas por clarões boreais,

acompanhados por cães e renas, comandados por chefes intrépidos e

conduzidos por mulheres videntes. Cabeleiras de ouro e olhos azuis,

cores predestinadas. Esta raça iria inventar o culto do sol e do fogo

sagrado, e trazer ao mundo a nostalgia do céu. Ora se revoltaria contra

ele até querer assaltá-lo, ora se prosternaria diante de seus esplendores

em uma adoração absoluta.


Como as outras raças, a raça branca também teve que se livrar do

estado selvagem, para depois tomar consciência de si mesma. Suas

características distintivas são o gosto pela liberdade individual, a

sensibilidade meditada que gera o poder da simpatia, e a predominância

do intelecto que atribui à imaginação uma aparência idealista e

simbólica. A sensibilidade anímica motivou a dedicação, a preferência

do homem por uma única mulher; daí a tendência dessa raça à

monogamia, o princípio conjugal e a família. A necessidade de

liberdade, somada à sociabilidade, originou o clã com seu princípio

eletivo. A imaginação ideal criou o culto dos ancestrais, que constitui a

raiz e o centro da religião dos povos brancos.


O princípio social e político se manifesta no dia em que alguns

homens semi-selvagens, perseguidos por um populacho inimigo, se

reúnem instintivamente e escolhem o mais forte e o mais inteligente

dentre eles, para os defender e comandar. Nesse dia nasceu a sociedade.

O chefe é um rei em potencial, seus companheiros, os futuros nobres; os

velhos que deliberavam, mas eram incapazes de marchar, formam já

uma espécie de senado ou assembléia dos anciãos.9



E corno nasceu a religião? Dizem que foi do temor do homem

primitivo diante da natureza. Mas o temor nada tem de comum com o

respeito e o amor. Ele não liga o fato à idéia, o visível ao invisível, o

homem a Deus. Enquanto o homem não fez senão tremer diante da

natureza, ele não foi homem. Tornou-se homem no dia em que percebeu

o liame que o prendia ao passado e ao futuro, a algo de superior e

benigno e passou a adorar esse mistério desconhecido. Todavia, de que

maneira ele o adorou pela primeira vez?


Fabre d'Olivet levantou uma hipótese genial e sugestiva sobre a

forma como deve ter-se estabelecido o culto dos ancestrais na raça

branca (3). Em um clã belicoso, dois guerreiros rivais discutem.

Furiosos, eles vão se bater; e já estão atracados, quando uma mulher

desgrenhada se atira entre eles e os separa. É a irmã de um deles e

esposa do outro. Seus olhos lançam chispas, sua voz tem a tônica do

comando. Ela grita com palavras ofegantes, incisivas, que vira na

floresta o Ancestral da raça; o guerreiro vitorioso de outrora, o herói lhe

aparecera. Ele não quer que dois guerreiros irmãos briguem entre si,

mas que se unam contra o inimigo comum. “É a sombra do grande

Ancestral, é o herói que me disse - clama a mulher exaltada - ele me

falou! Eu vi!” E ela acredita no que diz. Convencida, ela convence.

Emudecidos, assombrados e como que aterrados por uma força

invencível, os adversários se dão as mãos, reconciliados, e olham para a

mulher inspirada, como se ela fosse uma espécie de divindade.

Tais sugestões seguidas de bruscas mudanças devem ter sido

numerosas e das mais diversas formas na vida pré-histórica da raça

branca. 10


Entre os povos bárbaros, é a mulher quem, por sua sensibilidade

nervosa, logo pressente o oculto, afirma o invisível. Procuremos agora

vislumbrar as conseqüências inesperadas e prodigiosas de um tal

acontecimento. No clã, na povoação, todo mundo fala do fato

maravilhoso. O carvalho, onde a mulher inspirada viu o Ancestral,

torna-se uma árvore sagrada. Para lá a reconduzem e, sob a influência

magnética da Lua, que a mergulha num estado visionário, ela continua a

profetizar em nome do grande Ancestral. Logo, esta mulher e outras

semelhantes, de pé sobre os rochedos, em meio às clareiras, ao ruído do

vento e do Oceano longínquo, evocarão as almas diáfanas dos ancestrais

diante das multidões palpitantes, que os verão ou acreditarão vê-los,

seduzidas pelos mágicos sortilégios das brumas flutuantes de

transparências lunares. O último dos grandes Celtas, Ossian, evocará

Fingal e seus companheiros reunidos nas nuvens. Assim foi, na própria

origem da vida social, que se estabeleceu o culto dos antepassados na

raça branca. 

O grande Ancestral toma-se o Deus da coletividade. Eis o
começo da religião.



Mas, isto não é tudo. Em tomo da profetisa se reúnem os velhos,

que a observam durante seus sonos lúcidos e seus êxtases proféticos.

Estudam seus diversos estados, controlam suas revelações e interpretam

seus oráculos. Observam que quando ela profetiza no estado visionário,

sua fisionomia se transfigura, sua palavra se torna rítmica, sua voz se

eleva e profere seus oráculos cantando numa melopéia grave e

significativa (4). Daí o verso, a estrofe, a poesia e a música, cuja origem

é considerada divina entre todos os povos da raça ariana. A idéia da

revelação só poderia surgir a propósito de fatos dessa ordem. Assim

também vemos brotar a religião e o culto, os sacerdotes e a poesia.

Na Ásia, no Irã e na Índia, onde os povos de raça branca fundaram

as primeiras civilizações arianas misturando-se a povos de cores

diversas, os homens rapidamente sobrepujaram as mulheres quanto à

inspiração religiosa. Aí, só ouvimos falar de sábios, de richis, de

profetas. A mulher repelida, submissa, é sacerdotisa apenas no lar. 

Mas,

na Europa, a característica do papel preponderante da mulher é

reencontrada nos povos da mesma origem, que permaneceram bárbaros

durante milhares de anos. Isto se manifesta na pitonisa escandinava, na

Voluspa de Edda, nas druidisas célticas, nas mulheres adivinhas que

acompanhavam os exércitos germânicos e decidiam o dia das batalhas

(5), e até nas bacantes da Trácia que subsistem na lenda de Orfeu. A

vidente pré-histórica continua na Pítia de Delfos.

As primitivas profetisas da raça branca se organizam em colégios

de druidisas, sob a supervisão dos velhos instruídos ou druidas, os

homens do carvalho. No início elas apenas faziam o bem.11

 Por sua


intuição, sua capacidade de adivinhar e seu entusiasmo, elas

impulsionaram intensamente a raça que apenas começava a luta com os

negros, que duraria séculos. Mas foram inevitáveis a rápida corrupção e

os enormes abusos desta instituição. Sentindo-se donas dos destinos dos

povos, as druidisas quiseram dominá-los a todo custo. Faltando-lhes a

inspiração, elas tentaram reinar pelo terror. Exigiram sacrifícios

humanos e fizeram deles o elemento essencial de seu culto. Nisso,

favoreciam-nas os instintos heróicos de sua raça. Os brancos eram

corajosos. Seus guerreiros desprezavam a morte e, ao primeiro apelo,

vinham espontaneamente e por bravata se lançar sob o cutelo das

sacerdotisas sanguinárias. Durante as hecatombes humanas, os vivos

eram despachados para a casa dos mortos como mensageiros, e se

acreditava assim obter os favores dos ancestrais. Essa ameaça perpétua,

pairando sobre a cabeça dos primeiros chefes pela boca das profetisas e

das druidisas, tornou-se em suas mãos um formidável instrumento de

domínio.


Eis o primeiro exemplo de perversão que fatalmente sofrem os

mais nobres instintos da natureza humana, quando não são orientados

por uma autoridade sábia ou dirigidos para o bem por uma consciência

superior. Abandonada à contingência da ambição e da paixão pessoal, a

inspiração degenera em superstição, a coragem em ferocidade, a idéia

sublime do sacrifício em instrumento de tirania, em exploração pérfida

e cruel.


Entretanto, a raça branca estava apenas no início de sua violência

e loucura. Apaixonada na esfera anímica, ela deveria atravessar muitas

outras crises e mais sangrentas. Acabava de ser sacudida pelos ataques

da raça negra que começava a invadir o sul da Europa. Luta desigual no

início. Os brancos, ainda semi-selvagens, saindo de suas florestas e

habitações lacustres, não tinham outros recursos a não ser suas lanças e

flechas com pontas de pedra.

 Os negros possuíam armas de ferro,
armaduras de bronze, todos os recursos próprios de uma civilização
industriosa em cidades ciclópicas. 

Esmagados no primeiro embate, os brancos, levados para o cativeiro, se tornaram escravos dos negros, que os obrigaram a trabalhar na pedra e a transportar minério para seus fornos. 12


No entanto, prisioneiros evadidos levaram para suas pátrias os

costumes, as artes e os fragmentos de ciência de seus vencedores.

Aprenderam dos negros duas coisas capitais: a fundição dos metais e a

escritura sagrada, isto é, a arte de fixar certas idéias, por meio de sinais

misteriosos e hieróglifos em peles de animais, na pedra ou na casca de

árvore. Daí provêm as runas dos celtas. O metal fundido e forjado foi o

instrumento da guerra; a escritura sagrada foi a origem da ciência e da

tradição religiosa. A luta entre a raça branca e a negra oscilou, durante

longos séculos, dos Pirineus ao Cáucaso e do Cáucaso ao Himalaia .A

salvação dos brancos foram suas florestas, onde como feras eles podiam

se esconder para saltar no momento propício. Ousados, aguerridos, a

cada século mais bem armados, eles enfim se vingaram, arrasando as

cidades dos negros, expulsando-os das costas da Europa e invadindo por

sua vez o norte da África e o centro da Ásia ocupado pelos povos

melaninos.


O cruzamento das duas raças se operou de duas maneiras

diferentes, seja pela colonização pacífica, seja pela conquista belicosa.

Fabre d'Olivet, o maravilhoso vidente do passado pré-histórico da

humanidade, parte dessa idéia para emitir uma opinião luminosa sobre a

origem dos povos chamados semitas e dos povos arianos. Nas regiões

onde os colonos brancos se submeteram aos povos negros, aceitando

seu domínio e recebendo de seus sacerdotes a iniciação religiosa,

originaram-se os povos semitas, tais como os egípcios, antes de Menes,

os árabes, os fenícios, os caldeus e os judeus, As civilizações arianas, ao

contrário, se teriam originado nas regiões onde os brancos dominaram

os negros por meio da guerra ou da conquista, ou seja, os iranianos, os

gregos, os hindus e os etruscos. Quando falamos em povos arianos,

incluímos também todos os brancos que permaneceram no estado

bárbaro e nômade na Antigüidade, tais como os citas, os getos, os

sármatos, os celtas e, mais tarde, os germanos. Dessa maneira se

explicaria a diversidade fundamental das religiões e também da escrita

existente nas duas grandes categorias de nações. Entre os semitas, onde

a intelectualidade da raça negra dominou primitivamente, nota-se,

acima da idolatria popular, uma tendência ao monoteísmo - o princípio

13

da unidade de Deus oculto, absoluto e sem forma, que foi um dos

dogmas essenciais dos sacerdotes da raça negra e de sua iniciação

secreta. Entre os brancos vencedores ou que permaneceram puros, notase,

ao contrário, a tendência ao politeísmo, à mitologia, à personificação

da divindade, que provém de seu amor pela natureza e do culto

apaixonado pelos ancestrais.


A diferença principal entre a maneira de escrever dos semitas e a

dos arianos também se explicaria pela mesma causa. Por que todos os

povos semíticos escrevem da direita para a esquerda, e por que todos os

povos arianos escrevem da esquerda para a direita? A razão que Fabre

d'Olivet encontra para isso é tão curiosa quanto original. Ela nos dá uma

verdadeira visão desse passado perdido.


Todo mundo sabe que nos tempos pré-históricos não havia

absolutamente a escrita vulgar. O uso somente se propagou com a

escrita fonética ou arte de representar o som das palavras por meio de

letras. Entretanto, a escrita hieroglífica ou arte de representar coisas por

meio de alguns sinais é tão velha quanto a civilização humana. E,

naqueles tempos primitivos, ela sempre foi privilégio do sacerdote,

considerada coisa sagrada, função religiosa e, primitivamente, de

inspiração divina. Quando, no hemisfério austral, os sacerdotes da raça

negra ou sudanesa traçavam sinais misteriosos em peles de animais ou

em blocos de pedra, eles tinham o hábito de se voltar para o pólo sul;

sua mão se dirigia para o Oriente, fonte da luz. Escreviam, portanto, da

direita para a esquerda. Os sacerdotes da raça branca ou nórdica, tendo

aprendido com os sacerdotes negros, começaram a escrever como estes.


Todavia, quando o sentimento de sua origem foi se desenvolvendo, com

a consciência nacional e o orgulho da raça, inventaram seus próprios

sinais e, em lugar de se voltarem para o Sul, o país dos negros, puseramse

de frente para o Norte, pátria dos Ancestrais, continuando, porém, a

escrever em direção do Oriente. Seus caracteres então iam da esquerda

para a direita. Daí o sentido das runas célticas, do zen, do sânscrito, do

grego, do latim e de todas as escritas das raças arianas. Elas se dirigem

para o Sol, fonte da vida terrestre; mas olham o Norte, pátria dos

ancestrais e fonte misteriosa das auroras celestes.14



A corrente semítica e a ariana, eis os dois rios por onde vieram

todas as nossas idéias, mitologias e religiões, artes, ciências e filosofias.

Cada uma dessas correntes traz consigo uma concepção oposta da vida,

cuja reconciliação e equilíbrio seriam a própria verdade. A corrente

semítica contém os princípios absolutos e superiores: a idéia da unidade

e da universalidade em nome de um princípio supremo que, na

aplicação, conduz à unificação da família humana. A corrente ariana

encerra a idéia da evolução ascendente, em todos os reinos terrestres e

supraterrestres e, na aplicação, conduz à diversidade infinita dos

desenvolvimentos, em nome da riqueza da natureza e das múltiplas

aspirações da alma. O gênio semítico desce de Deus para os homens; o

gênio ariano sobe do homem para Deus. Um é representado pelo arcanjo

justiceiro, que desce sobre a Terra armado do gládio e do raio; o outro,

por Prometeu, que empunha o fogo roubado do céu, e percorre o

Olimpo com o olhar.


Esses dois gênios, nós os trazemos dentro de nós mesmos.

Pensamos e agimos alternadamente sob o império de um e de outro.

Todavia, eles estão ligados em nossa intelectualidade, e não fundidos.

Contradizem-se e se combatem em nossos mais íntimos sentimentos e

pensamentos sutis, como na vida social e em nossas instituições.

Ocultos sob múltiplas formas, que se poderiam resumir sob os nomes

genéricos de espiritualismo e naturalismo, dominam nossas discussões e

nossas lutas. Inconciliáveis e invencíveis os dois, quem os unirá?
  

Entretanto, o progresso e a salvação da humanidade dependem de sua

conciliação e de sua síntese. Eis por que, neste livro, procuramos voltar

à fonte das duas correntes, ao nascimento dos dois gênios. Para além

das revoluções históricas, guerras dos cultos e contradições dos textos

sagrados, entraremos na própria consciência dos fundadores e dos

profetas que deram às religiões seu movimento inicial. Eles tiveram a

intuição profunda e a inspiração que vêm de cima, a luz viva que produz

a ação fecunda. Sim, neles pré-existia a síntese. O raio divino

empalideceu e turvou-se em seus sucessores; mas reaparece e brilha,

cada vez que, em qualquer época da história, um profeta, um herói ou


um vidente se volta para sua origem. Pois somente do ponto de partida

se percebe o fim; do sol resplandecente, o curso dos planetas.


15  Tal é a revelação da história, contínua, graduada, multiforme

como a natureza - mas idêntica em sua origem, una como a verdade,

imutável como Deus.

Remontando à corrente semítica, por meio de Moisés chegamos

ao Egito, cujos templos possuíam, segundo Maneton, uma tradição de

trinta mil anos. E pela corrente ariana atingimos a Índia, onde se

desenvolveu a primeira grande civilização que resultou de uma

conquista da raça branca. A Índia e o Egito foram as duas grandes

matrizes das religiões. Possuíram o segredo da grande iniciação.

Entraremos em seus santuários.


Suas tradições, contudo, nos levam ainda muito mais além, a uma

época anterior, na qual os dois gênios opostos sobre os quais falamos

nos aparecem unidos numa inocência primária e numa maravilhosa

harmonia. É a época ariana primitiva, que, hoje, graças aos admiráveis

trabalhos da ciência moderna, à filologia, à mitologia e à etnologia

comparada, nos é permitido entrever. Ela se mostra através dos hinos

védicos, que nada mais são que seu reflexo, com uma simplicidade

patriarcal e uma grandiosa pureza de linhas. Idade viril e grave que não

se assemelha a nada menos do que à idade de ouro idealizada pelos

poetas. Aí, a dor e a luta absolutamente não estão ausentes; entretanto,

existe nos homens uma confiança, uma força, uma serenidade que a

humanidade não reencontrou depois.


Na Índia, o pensamento se aprofundará, os sentimentos se

refinarão. Na Grécia, as paixões e as idéias se cercarão do prestígio da

arte e da roupagem mágica da beleza. Mas nenhuma poesia supera

alguns dos hinos védicos em elevação moral, em altitude e amplidão

intelectual. Neles existe o sentimento do divino na natureza, do

invisível que a envolve e da grande unidade que penetra o todo.


Como terá nascido tal civilização? Como terá se desenvolvido

uma tão alta intelectualidade em meio às guerras das raças e à luta

contra a natureza? Aqui se interrompem as investigações e as

conjecturas da ciência contemporânea. Entretanto, as tradições 16


religiosas dos povos, interpretadas em seu sentido esotérico, vão mais

longe. E nos permitem adivinhar que a primeira concentração do núcleo

ariano no Irã se fez por uma espécie de seleção operada no próprio seio

da raça branca, sob a direção de um conquistador legislador, que deu a

seu povo uma religião e uma lei conformes ao gênio da raça branca.

Com efeito, o livro sagrado dos Persas, o Zend-Avesta, fala do

antigo legislador sob o nome de Yima, e Zoroastro, fundando uma nova

religião, se refere a esse predecessor como o primeiro homem ao qual se

dirigiu Ormuz, o Deus vivo, assim como Jesus Cristo se refere a

Moisés. O poeta persa Firdusi denomina este mesmo legislador de

Djem, o conquistador dos negros.


Na epopéia hindu, no Ramayana, ele aparece sob o nome de

Rama, vestido como rei indiano, cercado dos esplendores de uma

civilização avançada; mas aí ele conserva suas duas características

distintas: conquistador renovador e iniciado.

Nas tradições egípcias, a época de Rama é designada pelo reinado

de Osiris, o senhor da luz, que precede o reinado de Ísis, a rainha dos

mistérios.


Enfim, na Grécia o antigo herói semideus era honrado sob o nome

de Dionísio, que vem do sânscrito Deva Nahousha, o divino renovador.

Orfeu assim também denominou a Inteligência divina e o poeta Nonus

cantou a conquista da Índia por Dionísio, conforme as tradições de

Elêusis.


Como os raios de uma mesma circunferência, todas essas

tradições indicam um centro comum. A ele podemos chegar se

acompanharmos a direção designada pelos raios. Então, além da Índia

dos Vedas, além do Irã de Zoroastro, na aurora crepuscular da raça

branca, vê-se surgir das florestas da antiga Cítia o primeiro criador da

religião ariana, cingido com sua dupla tiara, de conquistador e de

iniciado, empunhando o fogo místico, o fogo sagrado que iluminará

todas as raças.

Cabe a Fabre d'Olivet a honra de reencontrar este personagem (6).

Foi aberta, assim, a vereda luminosa que até ele nos conduz e seguindoa

procurarei, por minha vez, evocá-lo.


17

(1). Esta divisão da humanidade em quatro raças sucessivas e originais

era admitida pelos mais antigos sacerdotes do Egito. Elas estão representadas

por quatro figuras de tipos e cores diferentes, nas pinturas do túmulo de Seti I,

em Tebas. A raça vermelha traz o nome de Rot; a raça asiática, de cor

amarela, o nome de Amon; a raça africana, de cor negra, o de Halásio; a raça

líbio-européia, de cor branca, cabelos loiros, o de Tamahu. – Lenormant,

Histoire dês peuples d’Orient, I.

(2). Ver os historiadores árabes, assim como Aboul-Ghazi, história

genealógica dos tártaros e Mohammed-Moshen, historiador dos persas. –

William Jones, Asiatic Researches, I. Discruso sobre os Tártaros e os Persas.

(3). Histoire philosophique du genre humain, tomo I.

(4). Todos que já viram uma verdadeira sonâmbula ficaram

impressionados com a singular exaltação intelectual que se manifesta durante

o sono lúcido. Para aqueles que não testemunharam semelhantes fenômenos e que deles duvidariam, citaremos uma passagem do célebre David Strauss, que não é suspeito de superstição. Ele viu em casa de seu amigo, o doutor Justinus Kerner, a célebre “vidente de Prévost” e assim a descreveu: “Pouco depois, a visionária caiu em um sono magnético. Presenciei assim pela primeira vez o

espetáculo desse estado maravilhoso, e, posso dizê-lo, na sua mais pura e mais bela manifestação. Sua fisionomia mostrava uma expressão sofredora, mas elevada e terna, como que inundada por uma irradiação celeste; uma

linguagem pura, medida, solene, musical, uma espécie de recitativo; uma

abundância de sentimentos que transbordavam e que se poderia comparar a

um bando de nuvens, ora luminosas, ora sombrias, deslizando acima da alma,

ou então a brisas melancólicas e serenas perdendo-se nas cordas de uma

maravilhosa harpa eólia “ (Trad. R. Lindau, Bibliographie générale, art.

Kerner).

(5). Ver a última batalha entre Ariovisto e César nos Comentários

deste.

(6). Histoire philosophique du genre humain, tomo I. 18



II

A MISSÃO DE RAMA

Quatro ou cinco mil anos antes de nossa era, espessas florestas

recobriam ainda a antiga Cítia, que se estendia do oceano Atlântico aos

mares polares. Os negros tinham chamado esse continente, o qual viram

nascer ilha por ilha, de “a terra emergida das ondas”. Como contrastava

com seu solo branco, abrasado pelo sol, esta Europa de costas verdes, de

baías úmidas e profundas, com seus rios melancólicos, seus lagos

sombrios e brumas eternamente suspensas nos flancos das montanhas!

Em suas planícies cobertas de relvas rústicas, imensas como os pampas,

ouvia-se apenas o grito dos animais, o mugido dos búfalos e o galope

indomado das grandes manadas de cavalos selvagens, de crina se

agitando ao vento!


O homem branco que habitava essas florestas não era mais o

homem das cavernas. Podia já dizer-se senhor de sua terra. Havia

inventado as facas e os machados de sílex, o arco e a flecha, a funda e o

laço. Havia também encontrado dois companheiros de luta, dois amigos

excelentes, incomparáveis e devotados até à morte: cão e o cavalo.

O

cão doméstico, transformado em guarda fiel de sua habitação de

madeira, lhe proporcionava a segurança do lar. E domando o cavalo ele

havia conquistado a terra, submetido os outros animais, tornando-se o

rei do espaço. Montados em cavalos fulvos, aqueles homens ruivos

rodopiavam como relâmpagos. Abatiam o urso, o lobo, o auroque,

amedrontavam a pantera e o leão, que então habitavam as florestas.

A civilização tinha-se iniciado: a família rudimentar, o clã, a

coletividade já existiam. Por toda parte, os citas, filhos dos hiperbóreos,

erguiam menires monstruosos em honra de seus avós.

Quando um chefe morria, enterravam com ele suas armas e seu

cavalo, a fim de que, diziam, o guerreiro pudesse cavalgar as nuvens e

caçar o dragão de fogo no outro mundo. Provém daí o costume do

sacrifício do cavalo, o qual desempenha tão grande papel nos Vedas e

entre os escandinavos. A religião começava, assim, pelo culto dos

antepassados.19


Os semitas encontraram o Deus único, o Espírito universal no

deserto, no cume das montanhas, na imensidão dos espaços estelares.

Os citas e os celtas encontraram os Deuses, os espíritos múltiplos, no

fundo de seus bosques. Lá eles ouviram vozes, lá tiveram os primeiros

arrepios do Invisível, as visões do Além. Eis porque a floresta

encantadora ou terrível sempre foi amada pela raça branca. Atraída pela

música das folhas e pela magia lunar, ela para aí se volta

constantemente, no decorrer das eras, como à sua fonte de Juventude, ao

templo da grande mãe Herta. Lá dormem seus deuses, seus amores, seus

mistérios perdidos.


Desde os tempos mais longínquos, mulheres visionárias

profetizavam sob as árvores. Cada povoação possuía sua grande

profetisa, como a Voluspa dos escandinavos, com seu colégio de

druidisas. Entretanto, estas mulheres, inicialmente nobremente

inspiradas, tomaram-se ambiciosas e cruéis. De boas profetisas

transformaram-se em malvadas feiticeiras. Elas instituíram os

sacrifícios humanos e o sangue dos heróis corria continuamente sobre

os dolmens, sob os cantos sinistros dos sacerdotes e aclamações dos

citas ferozes.


Entre os sacerdotes, encontrava-se um jovem na flor da idade

chamado Ram, também destinado ao sacerdócio; mas, sua alma

meditativa e o profundo espírito se revoltavam contra aquele culto

sangüinário. O jovem druida era doce e grave. Muito cedo demonstrara

uma singular aptidão para o conhecimento das plantas - das

maravilhosas virtudes de seus sucos destilados e preparados -, tanto

quanto no estudo dos astros e de suas influências. Ele parecia adivinhar

e ver as coisas longínquas. Daí advém sua autoridade precoce sobre os

druidas mais velhos. Emanava-lhe das palavras e de todo o ser uma

grandeza afável. Sua sabedoria contrastava com a loucura das druidisas

que clamavam maldições e proferiam oráculos nefastos nas convulsões

do delírio. Os druidas denominavam-no “aquele que sabe”, e o povo o

chamava de “o inspirado da paz”.



Entretanto, Ram, “o inspirado da paz”, tinha objetivos mais

amplos. Ele queria curar seu povo de uma chaga moral mais nefasta do

que a peste. Eleito chefe dos sacerdotes de sua coletividade, ordenou a

todos os colégios de druidas e druidisas que cessassem com os

sacrifícios humanos. A novidade correu até as margens do oceano,

saudada com efusões de alegria por uns, e como sacrilégio atentatório

por outros. As druidisas, ameaçadas em seu poder. 20



Entretanto, Ram, que aspirava à ciência divina, viajara por toda a

Cítia e pelos países do Sul. Seduzidos por seu saber e sua modéstia, os

sacerdotes dos negros transmitiram-lhe parte de seus conhecimentos

secretos. Voltando à região do Norte, Ram se horrorizou ao ver a

intensificação dos sacrifícios humanos entre os seus. Viu nisso a

perdição de sua raça. Todavia, como combater um costume propagado

pelo orgulho das druidisas, pela ambição dos druidas e pela superstição

do povo? Então, outro flagelo se abateu sobre os brancos, no qual Ram

acreditou ver um castigo celeste pelo culto sacrílego. De suas incursões

no país do Sul e de seu contato com os negros, os brancos contraíram

uma horrível doença, uma espécie de peste, que corrompia o homem

pelo sangue, pelas fontes da vida. O corpo inteiro se cobria de manchas

negras, o hálito tornava-se infecto, os membros inchados e corroídos de

úlceras se deformavam e o doente expirava com dores atrozes. O hálito

dos vivos e o odor dos mortos espalhavam o flagelo. Assim os brancos,

pasmados, tombavam e estertoravam aos milhares pelas florestas,

abandonadas até mesmo pelas aves de rapina. Ram, atormentado,

procurava inutilmente um meio de salvação.


Tinha ele o hábito de meditar sob um carvalho, em uma clareira.

Urna tarde, adormeceu ao pé da árvore, após haver refletido longamente

sobre os males de sua raça. Durante o sono pareceu-lhe ouvir uma voz

forte que o chamava pelo nome e ele acreditou ter despertado. Viu

então, diante de si, um homem de talhe majestoso, vestido, como ele

próprio, com a roupa branca dos druidas. O homem carregava uma

vareta, à qual se entrelaçava uma serpente. Ram, admirado, ia perguntar

ao desconhecido o significado daquilo. Mas o desconhecido, tomando-o

pela mão, fê-lo levantar-se e mostrou-lhe, na própria árvore sob a qual

ele estava deitado, um belíssimo ramo de visgo. “Oh! Ram! disse-lhe,

eis o remédio que procuras'' Depois, tirou do seio uma pequena foice de

ouro, cortou um pedaço do ramo e lhe deu. Murmurou ainda algumas

palavras sobre a maneira de preparar o visgo e desapareceu.

Então, Ram despertou completamente e se sentiu bastante

reconfortado. Uma voz interior lhe dizia que havia encontrado a

salvação. Ele não deixou de preparar o visgo segundo os conselhos do

21

amigo divino da foicezinha de ouro. Deu a poção num licor fermentado

a um doente, e este se curou. As curas maravilhosas que assim operou

tornaram-no célebre em toda a Cítia. Em toda parte era chamado para

curar. Consultado pelos druidas de sua aldeia ele lhes participou sua

descoberta, acrescentando que ela deveria permanecer como segredo da

casta sacerdotal, a fim de assegurar sua autoridade. Os discípulos de

Ram, viajando por toda a Cítia com os ramos de visgo, foram

considerados mensageiros divinos, e seu mestre, um semideus.


Esse acontecimento foi a origem de um novo culto. Desde então,

o visgo tornou-se uma planta sagrada. Ram consagrou sua memória

instituindo a festa de Natal, ou da nova salvação, que ele colocou no

começo do ano e chamou de a Noite-Mãe (do novo sol) ou a grande

renovação. Quanto ao ser misterioso que Ram vira em sonho e que lhe

mostrara o visgo, foi denominado, na tradição esotérica dos brancos da

Europa, Aesc-heyl-hopa, que significa: “a esperança de salvação está na

floresta”. Os gregos fizeram dele Esculápio, o gênio da medicina que

sustenta a vareta mágica sob a forma de bastão.


Entretanto, Ram, “o inspirado da paz”, tinha objetivos mais

amplos. Ele queria curar seu povo de uma chaga moral mais nefasta do

que a peste. Eleito chefe dos sacerdotes de sua coletividade, ordenou a

todos os colégios de druidas e druidisas que cessassem com os

sacrifícios humanos. A novidade correu até as margens do oceano,

saudada com efusões de alegria por uns, e como sacrilégio atentatório

por outros. As druidisas, ameaçadas em seu poder, puseram-se a

amaldiçoar aquele audacioso, a fulminá-lo com sentenças de morte. Ao

lado delas se colocaram muitos dos druidas que viam nos sacrifícios

humanos a única maneira de reinar. Ram, exaltado por um grande

partido, foi, no entanto, abominado por outro. Mas, longe de recuar

diante da luta, intensificou-a, arvorando um novo símbolo.


Cada tribo branca possuía, então, um signo próprio de sua união,

sob a forma do animal que simbolizava suas qualidades preferidas.

Entre os chefes havia o costume de fixar, na fachada de seus palácios de

madeira, figuras de grous, águias, abutres ou cabeças de javalis e de

búfalos, origem primeira do brasão. O estandarte preferido dos Citas era

22

o Touro, denominado Thor, o signo da força bruta e da violência. Ao

Touro, Ram opôs o Carneiro, o chefe corajoso e pacífico do rebanho, e

dele fez o símbolo que distinguiria todos os seus partidários. Erguido no

centro da Cítia, esse estandarte tomou-se o sinal de um tumulto geral e

de uma verdadeira revolução nos espíritos.


Os povos brancos se dividiram em dois campos. A própria alma

da raça se separava em duas para se resgatar da animalidade rugidora e

iniciar a marcha para o santuário invisível que conduz à humanidade

divina. “Morte ao Carneiro!” gritavam os partidários de Thor. “Guerra

ao Touro!” gritavam os amigos de Ram. Uma tremenda guerra era

iminente.


Diante dessa eventualidade, Ram hesitou. Desencadear

semelhante guerra não seria agravar o mal e forçar sua raça a se

autodestruir? E teve, então, outro sonho.


O céu tempestuoso estava carregado de nuvens sombrias que

cavalgavam as montanhas e arrasavam com seu vôo os cumes agitados

das florestas. De pé sobre um rochedo, uma mulher desgrenhada estava

prestes a abater um soberbo guerreiro, amarrado a seus pés. “Em nome

dos antepassados, pára!” gritou Ram, lançando-se sobre ela. A druidisa,

ameaçando o adversário, dardejou-lhe um olhar agudo como um golpe

de cutelo. Mas um trovão rufou nas nuvens e, em meio a um clarão,

apareceu uma deslumbrante figura. A floresta empalideceu, a druidisa

caiu como que fulminada, os grilhões do cativo se romperam e este

olhou para o gigante luminoso com um gesto de desafio. Ram não se

perturbou, pois, nos traços dessa aparição, reconheceu o ser divino que

uma vez já lhe havia falado sob o carvalho. Desta vez, porém, pareceulhe

mais belo, porque todo seu corpo resplandecia de luz. E Ram

percebeu que se encontrava em um templo aberto, de largas colunas. No

lugar da pedra do sacrifício, erguia-se um altar. Junto, permanecia,

ainda o guerreiro, cujo olhar desafiava sempre a morte. A mulher,

deitada sobre a laje, parecia morta. O Gênio celeste carregava na mão

direita uma tocha, na mão esquerda uma taça. Sorriu com benevolência

e disse: - “Ram, estou contente contigo. Vês este facho? É o fogo

sagrado do Espírito divino. Vês esta taça? É a taça da Vida e do Amor.



23

Dá a tocha ao homem e a taça à mulher”. Ram fez o que lhe foi

ordenado pelo Gênio. Assim que a tocha foi colocada nas mãos do

homem e a taça nas mãos da mulher, o fogo se acendeu por si mesmo

no altar, e todos os dois resplandeceram transfigurados ao clarão, como

o Esposo e a Esposa divina. Ao mesmo tempo, o templo se alargou;

suas colunas subiram até o céu; sua abóbada transformou-se no

firmamento. Então, Ram, levado por seu sonho, se viu transportado para

o cume de uma montanha, sob o céu estrelado. De pé, diante dele, o

Gênio explicava-lhe o sentido das constelações e o fazia ler, nos sinais

chamejantes do zodíaco, os destinos da humanidade.

- “Espírito maravilhoso, quem és tu?” perguntou Ram ao Gênio. E

este respondeu: - “Chamam-me Deva Nahusha, a Inteligência divina. Tu

espalharás minha luz sobre a terra, e sempre virei a teu apelo. Agora,

segue teu caminho. Vai!” E, erguendo a mão, o Gênio indicou-lhe o

Oriente.

24

III

O ÊXODO E A CONQUISTA

Naquele sonho, como sob uma luz fulgurante, Ram viu sua

missão e o imenso destino de sua raça. Desde então não teve mais

dúvidas. Em vez de incentivar a guerra entre as tribos da Europa, ele

resolveu conduzir a elite de sua raça ao coração da Ásia. Anunciou aos

seus que instituiria o culto do fogo sagrado, o qual proporcionaria a

felicidade dos homens; que os sacrifícios humanos seriam para sempre

abolidos; que os Ancestrais seriam invocados, não mais por sacerdotisas

sangüinárias sobre rochedos selvagens gotejantes de sangue humano,

mas em cada lar, pelo esposo ou pela esposa, unidos numa mesma prece

e em um hino de adoração, junto do fogo que purifica. Sim, o fogo

visível do altar, símbolo e condutor do fogo celeste invisível, uniria a

família, o clã, a tribo e todos os povos, como o centro do Deus vivo

sobre a Terra. Mas, para colher esta seara, era preciso separar o joio do

trigo; era preciso que todos os corajosos se preparassem para deixar a

Europa, a fim de conquistar uma terra nova, uma terra virgem. Lá ele

estabeleceria sua lei; lá ele fundaria o culto do fogo renovador.


Esta proposição foi acolhida com entusiasmo por um povo jovem

e ávido de aventuras. Fogueiras mantidas acesas durante vários meses,

nas montanhas, foram o sinal da emigração em massa de todos aqueles

que queriam seguir o Carneiro. A formidável emigração, conduzida pelo

grande pastor dos povos, se movimentou lentamente e se dirigiu para o

centro da Ásia. Ao lado do Cáucaso, ela foi se apoderando de várias

fortalezas ciclópicas dos negros. Mais tarde, como lembrança dessas

vitórias, as colônias brancas esculpiram gigantescas cabeças de carneiro

naqueles rochedos.


Ram mostrou-se digno da alta missão. Ele aplainava as

dificuldades, penetrava nos pensamentos, previa o futuro, curava os

doentes, apaziguava os revoltados, exaltava a coragem. Como as forças

celestes que denominamos Providência desejavam o domínio da raça

boreal, sobre a Terra, por meio do gênio de Ram lançavam raios

25

luminosos por seu caminho. Essa raça já tivera seus inspirados de

segunda ordem para arrancá-la do estado selvagem. Entretanto, Ram, o

primeiro que concebeu a lei social como uma expressão da lei divina,

foi um inspirado direto e de primeira ordem.


Ele fez amizade com os turanianos, velhas tribos cíticas cruzadas

de sangue amarelo que ocupavam o alto da Ásia, e os levou consigo

para a conquista do Irã, de onde repeliu completamente os negros. Seu

sonho era que um povo de raça branca ocupasse o centro da Ásia e se

tomasse um foco de luz para todos os outros. Ele ali fundou a cidade de

Ver, admirável cidade, disse Zoroastro, Ensinou a lavrar e a semear a

terra, foi o pai do trigo e da vinha. Criou castas de acordo com as

ocupações e dividiu o povo em sacerdotes, guerreiros, lavradores,

artesãos. Originariamente, as castas não foram rivais; o privilégio

hereditário, fonte de ódio e de ciúme, introduziu-se somente mais tarde.

Proibiu a escravidão tanto quanto o homicídio, afirmando que a sujeição

do homem pelo homem era a fonte de todos os males. Quanto ao clã, o

primitivo agrupamento da raça branca, ele o conservou inalterado, e lhe

permitiu eleger seus chefes e seus juízes.


A obra-prima de Ram, o instrumento civilizador por excelência

criado por ele, foi a nova função que atribuiu à mulher. Até então, o

homem conhecera a mulher somente de duas formas: ou a escrava

miserável de sua choça, que ele esmagava e maltratava brutalmente, ou

a perturbadora sacerdotisa do carvalho e do rochedo, cujos favores ele

buscava, e que o dominava irresistivelmente; mágica fascinante e

terrível, cujos oráculos ele temia e diante da qual tremia sua alma

supersticiosa. O sacrifício humano era a desforra da mulher contra o

homem, quando ela cravava o cutelo no coração de seu feroz tirano.


Abolindo este culto indigno e reabilitando a mulher diante do homem,

em suas funções divinas de esposa e mãe, Ram a transformou na

sacerdotisa do lar, guardiã do fogo sagrado, igual ao esposo, invocando

com ele a alma dos antepassados.


26Como todos os grandes legisladores, Ram não fez nada mais do

que desenvolver, organizando-os, os próprios instintos superiores de sua

raça. A fim de ornar e embelezar a vida, Ram determinou quatro


grandes festas durante o ano. A primeira foi a da primavera ou das

gerações, consagrada ao amor entre os esposos. A festa do verão ou das

messes pertencia aos moços e moças, que ofereciam aos pais as

colheitas resultantes de seu trabalho. A festa do outono celebrava os

pais e as mães, que, em sinal de regozijo, ofereciam frutos às crianças.


A mais santa e mais misteriosa das festas era a de Natal ou das grandes

sementeiras. Ram a consagrou, ao mesmo tempo, aos recém-nascidos,

frutos do amor concebidos na primavera, e às almas dos mortos, aos

antepassados. Ponto de conjunção entre o visível e o invisível, esta

solenidade religiosa era o adeus às almas desaparecidas, como também

a saudação mística àquelas que voltam para se encarnar nas mães e

renascer nas crianças. Nessa noite santa, os antigos árias se reuniam nos

santuários de Airiana-Vaéia, como outrora o tinham feito em suas

florestas. Com fogueiras e cânticos, eles celebravam o reinício do ano

terrestre e solar, a germinação da natureza no coração do inverno, o

estremecimento da vida no fundo da morte. Cantavam o beijo universal

entre o céu e a Terra, e o parto triunfal do novo Sol pela grande Noite-

Mãe.


Ram, assim, ligava a vida humana ao ciclo das estações, às

revoluções astronômicas e, ao mesmo tempo, ressaltava-lhe o sentido

divino. Foi por ter fundado tão fecundas instituições que Zoroastro o

chama de “chefe dos povos, o muito afortunado monarca”. Por isso,

também, o poeta hindu Valmiki, embora situando o antigo herói em

uma época muito mais recente e no luxo de uma civilização mais

avançada, conserva-lhe os traços de um elevado ideal. Diz Valmiki:

“Rama, com olhos de lótus azul, era o senhor do mundo, o senhor de

sua alma, o amor dos homens, pai e mãe de seus súditos. Ele soube dar

a todos os seres o grilhão do amor”

Estabelecida no Irã, às portas do Himalaia, a raça branca ainda

não era  senhora do mundo. Era preciso que sua vanguarda penetrasse na

Índia, principal centro dos negros, os antigos vencedores da raça

vermelha e da amarela. O Zend-Avesta descreve essa marcha de Rama

para a Índia (1). A epopéia hindu fez dela um de seus temas favoritos.


27 Rama foi o conquistador da terra que cerca o Himalaia, a terra dos


elefantes, dos tigres e das gazelas. Ordenou o primeiro combate e

conduziu o primeiro ímpeto daquela luta gigantesca, em que duas raças,

inconscientemente, disputavam o cetro do mundo. A tradição poética da

Índia enriquecendo as tradições ocultas dos templos, transformou-a na

luta da magia branca com a magia negra. Em sua guerra contra os povos

e os reis do país dos Djambus, como então era denominado, Ram ou

Rama, como o chamaram os orientais, utilizou-se de meios

aparentemente miraculosos, porque acima das faculdades comuns da

humanidade, os quais os grandes iniciados devem ao conhecimento e à

manipulação das forças ocultas da natureza. A tradição representa-o

aqui fazendo brotar fontes de água num deserto; lá, encontrando

recursos inesperados, numa espécie de maná cuja utilização ele ensinou;

algures, extinguindo uma epidemia com uma planta denominada hom, o

amonos do gregos, a perséa dos egípcios, da qual extraía um suco

salutar. Essa planta tornou-se sagrada entre seus seguidores e substituiu

o visgo do carvalho conservado pelos celtas da Europa.


Contra seus inimigos, Rama se utilizava de toda espécie de

sedução. Os sacerdotes dos negros não reinavam mais a não ser por

meio de um culto baixo. Eles tinham o hábito de alimentar, em seus

templos, enormes serpentes ou pterodátilos, raros sobreviventes de

animais antediluvianos, que amedrontavam a multidão, que era obrigada

a adorá-los como se fossem deuses. Essas serpentes se alimentavam

com a carne dos prisioneiros. Algumas vezes, Rama, imprevistamente,

apareceu nos templos, armado de tochas, enxotando, aterrorizando e

subjugando as serpentes e os sacerdotes. Outras vezes ele penetrava no

campo inimigo, expondo-se sem defesa àqueles que buscavam sua

morte e tornava a partir sem que ninguém ousasse tocá-lo. Quando se

interrogava aqueles que o tinham deixado escapar, eles respondiam que

tinham se sentido petrificados ao encontrar-lhe o olhar; ou então, que,

enquanto Rama falava, uma montanha se erguera entre eles,

impossibilitando-os de vê-lo.

Enfim, como coroamento de sua obra, a tradição épica da Índia

atribui a Rama a conquista de Ceilão, derradeiro refúgio do mago negro

Ravana, sobre o qual o mago branco faz chover granizo de fogo, após


limpar uma ponte sobre um braço de mar, com um exército de macacos,

muito semelhante a qualquer horda primitiva de bímanos selvagens,

encantada e entusiasmada pelo grande sedutor de nações. 28


(1). É digno de nota o fato de o Zend-Avesta, livro sagrado dos persas,

considerando Zoroastro como o inspirado de Ormuz, o profeta da lei de Deus,

fazer dele o continuador de um profeta muito mais antigo. Sob o simbolismo

dos templos antigos, percebe-se o fio da grande revelação da humanidade,

religando entre si os verdadeiros iniciados. Eis uma passagem importante:

1- Zaratustra (Zoroastro) perguntou para Ahura-Mazda (Ormuz, o Deus da

luz): Ahura-Mazda, tu, santo, sacratíssimo criador de todos os seres

corporais e puríssimos;

2 - Qual foi o primeiro homem com o qual falaste, tu que és Ahura-Mazda?

4 - ...Então, Ahura-Mazda respondeu: “Foi com o belo Yima, aquele que

estava na direção de um grupo digno de elogios, oh! puro Zaratustra”;

13 - ... E eu lhe disse: “Vela sobre os mundos que me pertencem, torna-os

férteis com tua qualidade de protetor”.

17 - ... E eu lhe trouxe as armas da vitória, eu que sou Ahura-Mazda. 18-

Uma lança de ouro e uma espada de ouro.

31 - .Então Yima se elevou até as estrelas na direção do sul, seguindo o

caminho do sol.

37 - .Ele marchou sobre a terra que ele tomara fértil. E ela tinha ficado um

terço maior do que anteriormente.

43 - ... E o brilhante Yima reuniu a assembléia dos homens mais virtuosos

da célebre Airyana-Vaéja, criada pura. (Vendidad-Sadé, Fargard -

Tradução de Anquetil Duperron)

29

IV

O TESTAMENTO DO GRANDE ANCESTRAL

Dizem os livros sagrados do Oriente que Rama, por sua força, seu

gênio e sua bondade, tornara-se senhor da Índia e rei espiritual da Terra.

Sacerdotes, reis e povos diante dele se inclinavam como diante de um

benfeitor celeste. Sob o signo do carneiro, seus emissários divulgaram

ao longe a lei ariana, que proclamava a igualdade entre os vencedores e

vencidos, a abolição dos sacrifícios humanos e da escravidão, o respeito

pela mulher no lar, o culto dos antepassados e a instituição do fogo

sagrado, símbolo visível do Deus inominado.

Rama envelhecera. Sua barba estava branca, mas o vigor ainda

não abandonara seu corpo e em sua fronte repousava a majestade dos

pontífices da verdade. Os reis e os embaixadores de outros povos lhe

ofereceram o poder supremo. Ele pediu um ano para refletir, e de novo

teve um sonho. Durante o sono, fala com ele o mesmo Gênio que

sempre o inspirou.


Ele se reviu nas florestas de sua juventude. Voltara a ser jovem e

trazia a túnica de linho dos druidas. A Lua brilhava. Era a noite-santa, a

Noite-Mãe, na qual os povos esperam o renascimento do Sol e do ano.

Rama caminhava sob os carvalhos, atento, como outrora, às vozes

evocadoras da floresta. Então, veio até ele uma bela mulher, ostentando

uma magnífica coroa. Sua cabeleira ruiva tinha a cor do ouro, a cútis a

brancura da neve, e os olhos o brilho profundo do azul celeste após a

tempestade. Disse-lhe ela: “Eu era a Druidisa selvagem; por ti me

transformei na Esposa resplandecente. Agora me chamo Sita. Sou a

mulher glorificada por ti, sou a raça branca, sou tua esposa. Oh! meu

senhor e meu rei! Não foi por mim que transpuseste os rios, encantaste

os povos e derrubaste os reis? Eis a recompensa. Toma esta coroa de

minha mão, coloca-a sobre tua cabeça e reina comigo sobre o mundo!”.


30  A mulher estava ajoelhada numa atitude humilde e submissa,

oferecendo a coroa da Terra, cujas pedras preciosas lançavam milhares

de fagulhas; e a embriaguez do amor sorria em seus olhos. A alma do


grande Rama, do pastor dos povos, se enterneceu. Mas, de pé sobre o

cume das florestas, apareceu-lhe Deva Nahusha, seu Gênio, que lhe diz:

“Se colocardes essa coroa em tua cabeça, a Inteligência divina te

deixará, e tu não mais me verás. Se apertares esta mulher em teus

braços, ela morrerá por tua felicidade. Se, porém, renunciares a possuíla

ela viverá feliz e livre sobre a Terra e teu espírito invisível sobre ela

reinará. Escolhe: ou atendê-la ou seguir-me”.


Sita, sempre de joelhos, olhava seu mestre com olhos perdidos de

amor, e, suplicante, aguardava a resposta. Rama conservou-se em

silêncio um instante. Seu olhar, mergulhado nos olhos de Sita, avaliava

o abismo que separa a posse completa do adeus eterno. E sentindo que o

amor supremo é uma suprema renúncia, pousou sua mão libertadora

sobre a fronte da mulher branca, abençoou-a e lhe disse: “Adeus! Sê

livre e não me esqueças!”. A mulher logo desapareceu como um

fantasma lunar. A jovem Aurora ergueu sua varinha mágica sobre a

velha floresta. O rei voltara a ser velho. Um orvalho de lágrimas

banhava sua barba branca e do fundo dos bosques uma voz triste

chamava: “Rama! Rama!”

Então, Deva Nahusha, o Gênio resplandecente de luz, exclamou:

“A mim!” E o Espírito divino levou Rama para uma montanha ao norte

do Himalaia.


Após este sonho, que lhe indicava o fim de sua missão, Rama

reuniu os reis e os mensageiros dos povos e lhes disse: “Não quero o

poder supremo que me ofereceis. Guardai vossas coroas e observai

minha lei. Minha tarefa terminou. Com meus irmãos iniciados, retirome

para uma montanha do Airyana-Vaéia. De lá velarei sobre vós.

Vigiai o fogo divino! Se ele chegar a se extinguir, reaparecerei entre vós

corno juiz e terrível vingador!”


Afinal, retirou-se com os seus para o monte Albori, entre Balk e

Bamyas, num retiro conhecido somente pelos iniciados. Lá, ele

transmitiu aos discípulos tudo o que sabia dos segredos da Terra e do

grande Ser. Estes levaram para longe, do Egito à Ocitânía, o fogo

sagrado, símbolo da unidade divina das coisas, e os chifres do carneiro,

emblema da religião ariana. Esses chifres tornaram-se as insígnias da

iniciação e, em seguida, do poder sacerdotal e real (1).


31  De longe, Rama continuava a velar sobre seus povos e sobre a sua

querida raça branca. Nos últimos anos de sua vida, dedicou-se a

estabelecer o calendário dos árias. É a ele que devemos os signos do

zodíaco. E este foi o testamento do patriarca dos iniciados. Estranho

livro, escrito à luz das estrelas, com hieróglifos celestes, no firmamento

sem fundo e sem limites, pelo Ancião de nossa raça. Fixando os doze

signos do zodíaco, Rama lhes atribuiu um triplo sentido. O primeiro se

referia às influências do Sol sobre doze meses do ano; o segundo

relatava, de certa maneira, sua própria história; o terceiro mostrava os

meios ocultos, dos quais ele se servira para atingir seu fim. Eis por que

esses signos, lidos na ordem inversa, tornaram-se mais tarde os

emblemas secretos da iniciação graduada (2).


Ordenou aos discípulos mais íntimos que ocultassem sua morte e

que continuassem sua obra, perpetuando a fraternidade. Durante

séculos, os povos acreditaram que Rama, sustentando a tiara de cornos

de carneiro, continuava vivo em sua montanha santa. Nos tempos

védicos, o Grande Ancestral tornou-se Yima, o juiz dos mortos, o

Hermes psicopompa dos hindus.


(1). Encontram-se chifres de carneiro na cabeça de muitos personagens

dos monumentos egípcios. Esse ornato dos reis e dos grandes sacerdotes é o

signo da iniciação sacerdotal e real. Os dois cornos da tiara papal provêm daí.

(2). Eis como os signos do zodíaco representam a história de Ram,

segundo Fabre d'Olivet, o pensador de gênio que soube interpretar os

símbolos do passado conforme a tradição esotérica: - 1. O Carneiro, que foge

com a cabeça voltada para trás, indica a situação de Ram abandonando sua

pátria, com o olhar fixado no país que ele deixa. - 2. O Touro furioso se opõe

à sua marcha, mas a metade de seu. corpo mergulhada no lodo o impede de

executar seu desígnio; cai de joelhos. São os celtas designados por seu próprio  símbolo, que, apesar de todos os esforços, acabam sendo submetidos. - 3. Os Gêmeos exprimem a aliança de Ram com os turanianos. - 4. O Câncer, suas meditações e introversões. - 5. O Leão, os combates contra seus inimigos. - 6.

A Virgem alada, a vitória. - 7. A Balança, a igualdade entre os vencedores e

os vencidos. - 8. O Escorpião a revolta e a traição. - 9. O Sagitário, a

vingança. - 10. O Capricórnio. - 11. O Aquário e - 12. Os Peixes, têm relação

com a parte moral de sua história. 32


Pode-se considerar essa explicação do zodíaco tão ousada quanto

estranha. No entanto, jamais algum astrônomo ou mitólogo explicou, mesmo

que longinquamente, a origem ou o sentido desses sinais misteriosos da carta

celeste, adotados e venerados pelos povos, desde a origem de nosso ciclo

ariano. A hipótese de Fabre d'Olivet teve pelo menos o mérito de abrir ao

espírito novas e imensas perspectivas. Já disse que estes signos, lidos na

ordem inversa, marcaram mais tarde, no Oriente e na Grécia, os diversos

degraus que era preciso subir para alcançar a iniciação suprema. Lembremos

somente os mais célebres desses emblemas: a Virgem alada significa

castidade que dá a vitória; o Leão, a força moral; os Gêmeos, a união entre um  homem e um espírito divino que juntos formam dois lutadores invencíveis; o Touro subjugado, o domínio sobre a natureza; O Carneiro, o asterismo do Fogo ou do Espírito universal que confere a iniciação suprema pelo  conhecimento da Verdade.

33

V

A RELIGIÃO VÉDICA

Por seu gênio organizador, o grande iniciador dos árias criara no centro da Ásia, no Irã, um povo, uma sociedade, um turbilhão de vida

que deveria resplandecer em todos os sentidos.

As colônias dos árias primitivos se difundiram na Ásia, na

Europa, levando consigo seus costumes, seus cultos e seus deuses. Mas,

de todas elas, o ramo dos árias da Índia é o que mais se aproxima dos

árias primitivos.


Os livros sagrados dos hindus, os Vedas, têm para nós um triplo

valor. Primeiramente, nos conduzem ao centro da antiga e pura religião

ariana, da qual os hinos védicos são brilhantes irradiações. Em seguida,

nos fornecem a chave da Índia. E, finalmente, nos revelam urna

primeira cristalização das idéias-mães da doutrina esotérica e de todas

as religiões arianas (1).

Limitar-nos-emos a uma breve exposição da exterioridade e do

sentido da religião védica.


Nada mais simples nem maior do que essa religião, onde um

profundo naturalismo se mistura com um espiritualismo transcendente.

Antes de romper o dia, um homem, um chefe de família já está de pé

diante de um altar de terra no qual arde o fogo aceso com dois pedaços

de madeira. Em sua função, o chefe é ao mesmo tempo pai, sacerdote e

rei do sacrifício. Enquanto vem a aurora, diz um poeta védico, “como

uma mulher que sai do banho e que teceu a mais bela das telas”, o chefe

pronuncia uma oração, uma invocação a Usha (a Aurora), a Savitri (o

Sol), aos Asuras (espíritos da vida). A mãe e os filhos vertem no Agni, o

fogo, o líquido fermentado do asclépia, o soma. E a chama que se ergue

leva aos deuses invisíveis a oração purificada que sai dos lábios do

patriarca e do coração da família.


34  O estado de espírito do poeta védico está também afastado do

sensualismo helênico (falo dos cultos populares da Grécia, não da

doutrina dos iniciados gregos), que representa os deuses cósmicos com


belos corpos humanos, e do monoteísmo judaico que adora o Eterno

sem forma, onipresente. Para o poeta védico a natureza é como um véu

transparente, atrás do qual se movem forças imponderáveis e divinas.

São essas forças que ele invoca, adora e personifica sem, entretanto, se

deixar iludir por suas metáforas. Para ele, Savitri é menos o Sol do que

Vivasvat, a potência criadora de vida que o anima e que gira o sistema

solar. Indra, o guerreiro divino que com seu carro dourado percorre o

céu, lança o raio e rompe as nuvens, personifica o poder desse mesmo

Sol, na vida atmosférica, na “grande transparência dos ares”.

 Quando

invocam Varuna (o Urano dos Gregos), o deus do céu imenso e

luminoso que envolve todas as coisas, os poetas védicos se elevam

muito mais ainda. “Se Indra representa a vida ativa e militante do céu,

Varuna representa sua majestade imutável. Nada se iguala em

magnificência, nas descrições que dele fazem os Hinos. O Sol é seu

olho, o céu sua vestimenta, o furacão seu sopro. Foi ele que fixou o céu

e a Terra em bases inabaláveis e que os mantém separados. Ele tudo fez

e tudo conserva. 


Nada poderia causar dano às obras de Varuna.

Ninguém o compreende; mas ele sim, ele sabe tudo e vê tudo que é e

será. Dos pináculos do céu onde reside, num palácio de mil portas, ele

distingue o traçado dos pássaros no ar e o dos navios sobre as ondas. É

de lá, do alto de seu trono de ouro em bases de bronze, que ele

contempla e julga as ações dos homens. Ele é o mantenedor da ordem

no Universo e na sociedade; pune o culpado e é misericordioso com

quem se arrepende. É também para ele que se ergue o grito angustiado

do remorso. Perante ele é que o pecador vem descarregar o peso de sua

falta. Às vezes, a religião védica é ritualista, às vezes altamente

especulativa. Com Varuna, ela desce às profundezas da consciência e

realiza a noção da santidade”. (2)

 Acrescentamos que ela se eleva à pura

noção de um Deus único, que penetra e domina o grande Todo.

No entanto, as imagens grandiosas que os hinos derramam em

largas ondas, como generosos rios, nos oferecem apenas o invólucro dos

Vedas. Com a noção de Agni, o fogo divino, tocamos o âmago da

doutrina, seu fundo esotérico e transcendental. Com efeito, Agni é o

agente cósmico, o princípio universal por excelência. “Ele não é

35   somente o fogo terrestre do relâmpago e do Sol. Sua verdadeira pátria é

o céu invisível, místico, morada da eterna luz e dos primeiros princípios

de todas as coisas. Suas nascentes são infinitas, seja quando jorra da

madeira onde dorme, como o embrião na matriz, seja quando, “Filho

das Ondas”, se arremessa, com o estrépito do trovão, das torrentes

celestes, onde os Acvins (os cavaleiros celestes) engendraram-no com

raias de ouro. Ele é o primogênito dos deuses, soberano tanto no céu

como na Terra, e oficiou na morada de Vivasvat (o céu ou o Sol) muito

antes de Matarisva (o relâmpago) tê-lo trazido aos mortais, e de Atarvã

e os Angiras, antigos sacrificadores, terem-no instituído aqui embaixo

como protetor, hóspede e amigo dos homens. Senhor e gerador do

sacrifício, Agni tornou-se o portador de todas as especulações místicas

cujo objeto é o sacrifício. Ele engendra os deuses, organiza o mundo,

produz e conserva a vida universal; em uma palavra, ele é potência

cosmogônica.


“Soma é o pingente de Agni. Na realidade é a beberagem de uma

planta fermentada, vertida em libação aos deuses durante o sacrifício.

Mas, como Agni, ele tem urna existência mística. Sua residência

suprema é nas profundezas do terceiro céu, onde Surya, a filha do sol,

filtrou-o; onde o encontrou Pushan, o deus nutridor. Foi de lá que o

Falcão, um símbolo do relâmpago, ou o próprio Agni, raptaram-no do

Arqueiro celeste, Gandarva, seu guardião, e trouxeram-no para os

homens. Os deuses beberam-no e se tornaram imortais; os homens, por

sua vez, também se tornarão imortais quando dele beberem na morada

de Yama, mansão dos felizes. Enquanto esperam, ele lhes dá, aqui

embaixo, o vigor e a plenitude dos dias; ele é a ambrosia e a água de

juventude. Ele nutre, penetra nas plantas, vivifica o sêmen dos animais,

inspira o poeta e confere elã à oração. Alma do céu e da terra, de Indra

e de Visnu, ele forma com Agni um par inseparável; o par que acendeu

o sol e as estrelas (3).”.


A noção de Agni e de Soma contém os dois princípios essenciais

do Universo, segundo a doutrina esotérica e toda a filosofia viva. Agni é

o Eterno-Masculino, o Intelecto criador, o Espírito puro; Soma é o

Eterno-Feminino, a Alma do mundo ou substância etérea, matriz de

36 todos os mundos visíveis e invisíveis aos olhos da carne; enfim, é a

Natureza ou a matéria sutil em suas infinitas transformações (4). Ora, a

união perfeita desses dois seres constitui o Ser supremo, a essência de

Deus.


Dessas duas idéias capitais decorre uma terceira, não menos

fecunda. Os Vedas fazem do ato cosmogônico um sacrifício perpétuo.

Para produzir tudo o que existe, o Ser supremo imola a si mesmo,

divide-se para sair de sua unidade. Esse sacrifício é, pois, considerado o

ponto vital de todas as funções da natureza. Esta idéia, surpreendente ao

primeiro contato, bastante profunda quando sobre ela se reflete, contém,

em germe, toda a doutrina teosófica da evolução de Deus no mundo, a

síntese esotérica do politeísmo e do monoteísmo. Ela conceberá a

doutrina dionisíaca da queda e da redenção das almas, que se

desenvolverá com Hermes e Orfeu. Daí surgirá a doutrina do Verbo

divino proclamada por Krishna e concluída por Jesus Cristo.

O sacrifício do fogo, com suas cerimônias e suas orações, centro

imutável do culto védico, torna-se, assim, a imagem desse grande ato

cosmogônico. Os Vedas atribuem uma importância capital à oração, à

fórmula de invocação que acompanha o sacrifício. Por isso fazem da

oração uma deusa - Bramanaspati. 

A fé no poder evocador da palavra

humana acompanhada do poderoso movimento da alma, ou de uma

intensa projeção da vontade, é a fonte de todos os cultos, e a razão da

doutrina egípcia e caldéia da magia. Para o padre védico e bramânico,

os Asuras, senhores invisíveis, e os Pitris ou almas dos ancestrais,

supostamente, sentam-se na relva durante o sacrifício, atraídos pelo

fogo, pelos cânticos e a oração. A ciência relacionada a essa vertente do

culto é a da hierarquia dos espíritos de todas as categorias.

Quanto à imortalidade da alma, os Vedas afirmam tão aberta

quanto claramente possível: 

“A alma é uma parte imortal do homem. A

ela, oh! Agni, é preciso aquecer com teus raios, inflamar com tuas

chamas. Oh! Jatadevas, no corpo glorioso formado por ti, transporta-a

para o mundo dos piedosos!” 

Os poetas védicos não somente revelam o

destino da alma, como também se preocupam com sua origem: “De

onde provêm as almas? É certo que elas vêm de lá até nós e para lá

37

retornam, que vêm novamente e tornam a ir”. Eis já, em duas palavras, a

doutrina da reencarnação, que representará o papel mais importante no

bramanismo e no budismo, entre os egípcios e os órficos, na filosofia de

Pitágoras e de Platão, o mistério dos mistérios, o arcano dos arcanos.

Como, depois disto, deixar de reconhecer nos Vedas as grandes

linhas de um sistema religioso orgânico, de uma concepção filosófica do

Universo? Não há neles somente a intuição profunda das verdades

intelectuais anteriores e superiores à observação, há também mais

unidade e largueza de visão na compreensão da natureza, na

coordenação de seus fenômenos. Como um belo cristal de rocha, a

consciência do poeta védico reflete o Sol da eterna verdade, e nesse

prisma brilhante já se movimentam todos os raios da teosofia universal.


Os princípios da doutrina permanente aí são até mais visíveis do que

nos outros livros sagrados da Índia e nas outras religiões semíticas ou

arianas, devido à singular franqueza dos poetas védicos e da

transparência dessa religião primitiva, tão elevada e tão pura. Naquela

época não existia distinção entre os mistérios e o culto popular.

Todavia, lendo-se atentamente os Vedas percebe-se já, por trás do pai

de família ou do poeta oficiante dos hinos, um outro personagem mais

importante: o richi, o sábio, o iniciado, de quem aqueles receberam a

verdade. Vê-se também que esta verdade se transmitiu por uma tradição

ininterrupta, que remonta às origens da raça ariana.


Eis, pois, o povo ariano arrojado em sua carreira conquistadora e

civilizadora, ao longo do Indo e do Ganges. Domina-a Deva Nahusha, o

gênio invisível de Rama, a inteligência das coisas divinas. Circula em

suas veias o fogo sagrado, Agni. Uma aurora rósea envolve essa idade

de juventude, de força, de virilidade. A família foi constituída e a

mulher passou a ser respeitada. Sacerdotisa do lar, às vezes ela compõe

os hinos, e ela mesma os canta. “Que o marido desta mulher viva cem

anos”, diz um poeta. Ama-se a vida, mas também se acredita no seu

Além. O rei mora em um castelo sobre a colina que domina a aldeia. Na

guerra, montado em um carro brilhante, revestido de armas reluzentes, e

coroado com uma tiara, ele resplandece como o deus Indra.


38

Mais tarde, quando os brâmanes tiverem estabelecido sua

autoridade, irá se erguer, perto do esplêndido palácio do Maharaja ou

do grande rei, o pagode de pedra. Daí sairão as artes, a poesia e o drama

dos deuses, representado por gestos e cantado pelas dançarinas

sagradas. Naquele tempo já existiam as castas, mas sem grande rigor e

sem uma barreira absoluta. O guerreiro é sacerdote, o sacerdote é

guerreiro, e muito freqüentemente servidor oficial do chefe ou do rei.


Eis, entretanto, um personagem de aspecto pobre mas de futuro

rico. Cabelos e barba incultos, seminu, coberto de andrajos vermelhos.

Esse muni, esse solitário, reside perto dos lagos sagrados, nas solidões

selvagens, onde se entrega à meditação e à vida ascética. De tempos em

tempos, ele vem admoestar o chefe ou o rei. Muitas vezes é repelido e

desobedecido. Mas é respeitado e temido. Já exerce um poder tremendo.


Entre esse rei, em seu carro dourado, cercado de guerreiros, esse

muni quase nu, que não tem outras armas além de seu pensamento, sua

palavra e seu olhar, haverá uma luta. E o grande vencedor não será o rei;

será o solitário, o mendigo descarnado, porque ele possui a erudição e a

vontade.


A história dessa luta é a própria história do bramanismo, como

será mais tarde a do budismo, e nela se resume quase toda a história da

Índia.

(1). Os brâmanes consideram os Vedas seu livro sagrado por

excelência. Aí encontram a ciência das ciências. A própria palavra Véda

significa saber. Os sábios da Europa foram justamente atraídos para esses

textos por uma espécie de fascinação. Primeiramente, viram neles apenas uma poesia patriarcal; depois, descobriram não somente a origem dos grandes

mitos indo-europeus e de nossos deuses clássicos, mas ainda um culto

sabiamente organizado, um profundo sistema religioso e metafísico (Ver

Bergaigne, La Réligion des Védas, assim como o belo e luminoso trabalho de

M. Augusto e Barth, Les réligions de I'Inde). O futuro lhes reserva, talvez,

uma última surpresa, que será a de encontrar nos Vedas a definição das forças ocultas da natureza, que a ciência moderna está prestes a descobrir.




(4). O que prova indubitavelmente que Soma representava o princípio

feminino absoluto é que; os brâmanes o identificaram mais tarde com a Lua.

Ora, a Lua simboliza o princípio feminino em todas as religiões antigas, como

o Sol simboliza o princípio masculino.




LIVRO II

KRISHNA

A Índia e a iniciação brâmane

Aquele que cria incessantemente os mundos é tríplice. É

Brama, o Pai; é Maya, a Mãe; é Visnu, o Filho.

Essência, Substância e Vida. Cada um traz em si os dois

outros e todos os três são um no Inefável.

Doctrine brahamanique. UPANISHADS.

Trazes em ti mesmo um amigo sublime que não

conheces. Pois Deus reside no interior de todo homem,

mas poucos sabem encontrá-lo. O homem que oferece

seus desejos e suas obras, em sacrifício, ao Ser de onde

procedem os princípios de todas as coisas e por quem o

Universo foi formado, obtém a perfeição. Porque aquele

que encontra em si mesmo sua felicidade e sua alegria, e

também sua luz, é uno com Deus. Ora, sabe tu: a alma

que encontrou Deus está livre do renascimento e da

morte, da velhice e da dor, e bebe a água da

imortalidade.

BAGHAVADGITA.



Edições Eletrônicas Lumensana
Luiz Edgar de Carvalho
Outubro/2006
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Os-Grandes-Iniciados-Edouard-Schure.pdf
 Li-Sol-30
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Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

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