O Hinduísmo é a principal religião da Índia e é um tipo de união de crenças com estilos de vida. Sua cultura religiosa é a união de tradições étnicas.
Atualmente é a terceira maior religião do mundo em número de seguidores. Tem origem em aproximadamente 3000 a.C na antiga cultura Védica.
Os hindus são politeístas (acreditam em vários deuses).
São os principais:
Brahma (representa a força criadora do Universo);
Ganesha (deus da sabedoria e sorte); ]
Matsya (aquele que salvou a espécie humana da destruição);
Saraswati (deusa das artes e da música);
Shiva (deus supremo,criador-Divina Mãe Isis = Maria = Espírito Santo),
Vishnu (responsável pela manutenção do Universo).
Esmagados no primeiro embate, os brancos, levados para o cativeiro, se tornaram escravos dos negros, que os obrigaram a trabalhar na pedra e a transportar minério para seus fornos. 12
Atualmente é a terceira maior religião do mundo em número de seguidores. Tem origem em aproximadamente 3000 a.C na antiga cultura Védica.
Os hindus são politeístas (acreditam em vários deuses).
São os principais:
Brahma (representa a força criadora do Universo);
Ganesha (deus da sabedoria e sorte); ]
Matsya (aquele que salvou a espécie humana da destruição);
Saraswati (deusa das artes e da música);
Shiva (deus supremo,criador-Divina Mãe Isis = Maria = Espírito Santo),
Vishnu (responsável pela manutenção do Universo).
Édouard Schuré
OS GRANDES INICIADOS
Esboço da
História Secreta das Religiões
Rama – Krishna – Hermes – Moisés
A alma é a chave
do Universo
Augusta Garcia
Dorea
2
PREFÁCIO DESTA
EDIÇÃO
ELETRÔNICA
Os Grandes
Iniciados teve
um destino estranho. A primeira
edição deste livro extraordinário
de Édouard Schuré, remonta a 1889,
constituindo-se um fenômeno
literário raramente igualado.
Acolhido, a princípio, sem muito
entusiasmo, foi, com o passar do
tempo, impondo-se até se tornar
um autêntico sucesso mundial.
Estranhamente, só a partir da
Guerra de 1914 a 1918 – numa época de
grandes sofrimentos para toda a
humanidade – que a obra começou a ser
lida, tanto na Europa como em
outros continentes, de uma forma quase
obsessiva.
Nesta obra imortal existe uma
força vital em seu pensamento
mestre, que, outro não é, senão
uma aproximação lúcida e resoluta entre
Ciência e Religião. O grande
esforço do autor é tentar harmonizar este
permanente conflito. Na
introdução da obra, ele afirma: “Esta
reconciliação só poderá operar-se
por uma nova contemplação sintética
do mundo visível e invisível, por
meio da Intuição intelectual e da
Vidência psíquica. Só a certeza
da Alma imortal pode vir a ser uma base
sólida da vida terrestre – e
somente a compreensão das grandes
Religiões, para um retorno à sua
fonte comum de inspiração, pode
assegurar a fraternidade entre os
povos e o futuro da humanidade”.
E
E
diz mais: “A Ciência e a
Religião, perderam, uma e outra, o seu dom
supremo – que é a educação da
consciência humana. Está perdida a arte
de formar-se e criar-se almas e
ela só será redescoberta quando a
Ciência e a Religião, repensadas
e refundidas em uma única força viva,
convergirem para a sublime tarefa
de magnificar a Humanidade”.
Três conceitos básicos dominam
toda a obra, que lhe dão um
sólido arcabouço, formando uma
completa unidade:
1° O conceito Cosmogônico, isto
é, a concordância do
macrocosmo e do microcosmo, pela
constituição trinitária da divindade,
do universo e do homem.
3
2° O Conceito Psicológico: a
evolução dos seres pela pluralidade
das existências.
3° O Conceito Histórico: a
evolução da humanidade pela
combinação da liberdade humana e
de um influxo divino.
Além da obra de um historiador
perspicaz, diríamos que Os
Grandes
Iniciados são
também a obra de um poeta, pois grande parte
dela é devida à imaginação e à
intuição do autor.
Assim mesmo, o livro tem uma
intrínseca força catalizadora, que
a torna fonte inspiradora a todos
quantos a lerem.
A obra está didaticamente
dividida em oito livros. A origem da
raça ariana e do brahmanismo são
estudados em Rama e Krishna. Os
mistérios do antigo Egito, onde
os reis e os sacerdotes de Amos-Rá
praticavam a alta magia e rituais
ocultistas são analisados em Hermes.
Em Moisés, são estudados
os primórdios da tradição monoteística
judaica e a cabala da Caldéia. Os
mistérios de Dionísio, de Delfos e as
tradições órficas são abordados
em Orfeu e Pitágoras. O último livro
apresenta a história de Jesus,
narrando sua iniciação junto à comunidade
dos Essênios, no mar morto, e
outras passagens simbólicas do Novo
Testamento.
Esta é uma obra profundamente
inspiradora, brotada, segundo o
autor, inteiramente de uma sede
ardente da verdade superior, total,
eterna, sem a qual todas as
outras verdades parciais não passam de um
engodo. Somente a compreensão das
grandes religiões, para um retorno
à sua fonte comum de inspiração,
pode assegurar a fraternidade entre os
povos e o futuro da humanidade.
“O tempo de
regeneração intelectual e de transformação social
chegará, estamos
certos disto. Vários presságios já o anunciam.
Quando a Ciência
souber e a Religião puder, o Homem agirá
com nova
energia. A Arte da vida e todas as artes só poderão
renascer por
meio de sua harmonia.” (Édouard Schuré)
4
LIVRO I
RAMA
O Ciclo Ariano
Zoroastro
perguntou a Ormuz, o grande Criador:
Qual oprimeiro homem a quem falaste?
Qual oprimeiro homem a quem falaste?
Ormuz respondeu:
Ao belo Yima,
aquele que estava à frente dos Corajosos.
aquele que estava à frente dos Corajosos.
Eu lhe disse
para velar sobre os mundos
que me pertencem e lhe dei um gládio de ouro,
uma espada para a vitória.
que me pertencem e lhe dei um gládio de ouro,
uma espada para a vitória.
E Yima avançou
no caminho do sol e reuniu os homens
corajosos no
célebre Airyana-Vaéja, criado puro.
Oh! Agni!
Fogo sagrado! Fogo purificador!
Tu que dormes na lenha e sobes em chamas brilhantes
sobre o altar, tu és o coração do sacrifício,
o vôo ousado na prece, a centelha divina oculta
em todas as coisas e a
Fogo sagrado! Fogo purificador!
Tu que dormes na lenha e sobes em chamas brilhantes
sobre o altar, tu és o coração do sacrifício,
o vôo ousado na prece, a centelha divina oculta
em todas as coisas e a
alma gloriosa do
sol.
5
RAMA
O Ciclo Ariano
I
AS RAÇAS HUMANAS
E AS ORIGENS DA RELIGIÃO
“O Céu é meu
Pai, ele
me gerou. Tenho por família toda esta
corte celeste. Minha Mãe é
a grande Terra. A parte mais alta de sua
superfície é sua matriz; lá o Pai
fecunda o seio daquela que é sua
esposa e sua
filha”.
Eis o que cantava o poeta védico,
há quatro ou cinco mil anos,
diante de um altar feito de
terra, onde ardia um fogo de ervas secas. Um
vaticínio profundo, uma
consciência grandiosa transpira nestas palavras
estranhas. Elas encerram o
segredo da dupla origem da humanidade.
Anterior e superior à Terra é o
tipo divino do homem; celeste é a origem
de sua alma. Seu corpo,
entretanto, é o produto dos elementos terrestres
fecundados por uma essência cósmica.
Na linguagem dos Mistérios, os
amplexos de Urano e da grande Mãe
significam chuvas de almas ou de
mônadas espirituais que vêm
fecundar os germes terrestres; os
princípios organizadores sem os
quais a matéria não passaria de massa
inerte e difusa. A parte mais
alta da superfície terrestre, que o poeta
védico chama de matriz da Terra,
designa os continentes e as
montanhas, berços das raças
humanas. Quanto ao Céu - Varuna, o
Urano dos gregos -, ele
representa a ordem invisível, hiperfísica, eterna
e intelectual, e abrange todo o
Infinito do Espaço e do Tempo.
Neste capítulo, apenas
consideraremos as origens terrestres da
humanidade, segundo as tradições
esotéricas confirmadas pela ciência
antropológica e etnológica de
nossos dias.
As quatro raças que atualmente
partilham o globo são filhas de
terras e de zonas diversas.
Criações sucessivas, lentas elaborações da
Terra em movimento se deram, e os
continentes emergiram dos mares,
em intervalos de tempos
consideráveis, que os antigos sacerdotes da
Índia denominavam ciclos
interdiluvianos. Através de milhares de anos,
cada continente produziu sua
flora e sua fauna, coroada por uma raça
humana de cor diferente.6
O continente austral, submergido
no último grande dilúvio, foi o
berço da primitiva raça vermelha,
da qual os índios da América são
apenas os resquícios provindos de
trogloditas que atingiram o cimo das
montanhas quando seu continente
se desmoronou. A África é a mãe da
raça negra, chamada etíope pelos
gregos. A Ásia trouxe à. luz a raça
amarela, que se mantém nos
chineses. A última a surgir, a raça branca,
saiu das florestas da Europa,
entre as tempestades do Atlântico e os
sorrisos do Mediterrâneo. Todas
as variedades humanas resultam das
misturas, das combinações, das
degenerescências ou das seleções destas
quatro raças. Nos ciclos
precedentes, a raça vermelha e a raça negra
reinaram sucessivamente, por meio
de poderosas civilizações, que
deixaram traços nas construções
ciclópicas como na arquitetura do
México. Os templos da Índia e do
Egito conservavam cifras e tradições
sumárias destas civilizações
desaparecidas. Em nosso ciclo, é a raça
branca que domina e se avaliarmos
a provável antigüidade da Índia e do
Egito, poderemos deduzir que sua
preponderância data de sete ou oito
mil anos (1).
Segundo as tradições brâmanes, a
civilização teria começado na
Terra com a raça vermelha, no
continente austral, há cinqüenta mil
anos, quando toda a Europa e uma
parte da Ásia ainda estavam
submersas. Estas mitologias falam
também de uma raça anterior, de
gigantes. Em algumas cavernas do
Tibete foram encontrados ossos
humanos gigantescos, cuja
formação se assemelha muito mais ao
macaco do que ao homem. Eles se
relacionam a uma humanidade
primitiva, intermediária, ainda
vizinha da animalidade, que não possuía
linguagem articulada, nem
organização social, nem religião. Pois estas
três coisas brotam sempre ao
mesmo tempo; eis aí o sentido desta
notável tríade bárdica que diz: “Três
coisas são primitivamente
contemporâneas - Deus, a luz e a
liberdade”. Com o primeiro balbucio
da palavra nasce a sociedade e a
vaga suspeita de uma ordem divina. É
7
o sopro de Jeová na boca de Adão,
o verbo de Hermes, a lei do primeiro
Manu, o fogo de Prometeu. Um Deus
estremece no fauno humano. A
raça vermelha, como dissemos,
ocupava o continente austral hoje
submerso, chamado Atlântida por
Platão, segundo as tradições egípcias.
Um grande cataclismo o destruiu
em parte e dispersou seus destroços.
Várias raças polinésias, assim
como os indígenas da América do Norte e
os astecas, que Pizarro encontrou
no México, são sobreviventes dessa
raça vermelha cuja civilização,
para sempre perdida, teve seus dias de
glória e de esplendor material.
Todos esses pobres retardatários
carregam na alma a melancolia
incurável das velhas raças que definham
sem esperança.
Depois da raça vermelha foi a
raça negra que dominou o globo. É
preciso procurar o tipo superior
não no negro degenerado, mas no
abissínio e no núbio, nos quais
se conserva o molde desta raça que um
dia atingiu o apogeu. Em tempos
pré-históricos, os negros conquistaram
o sul da Europa, tendo sido
depois rechaçados pelos brancos. Sua
lembrança foi completamente
apagada de nossas tradições populares.
Entretanto, ali deixaram duas
marcas indeléveis: o horror ao dragão, o
emblema de seus reis, e a idéia
de que o diabo é negro. Os negros
devolveram o insulto à raça rival
fazendo branco o seu próprio diabo.
No tempo de sua soberania, os
negros tiveram centros religiosos no
Alto-Egito e na Índia. Suas
cidades ciclópicas guarneciam as montanhas
da África, do Cáucaso e da Ásia
central. Sua organização social
consistia em uma teocracia
absoluta. No ápice, sacerdotes temidos como
deuses; embaixo, tribos
inquietas, sem família reconhecida, as mulheres
escravas. Esses sacerdotes tinham
conhecimentos profundos, o princípio
da unidade divina do Universo e o
culto dos astros que, sob o nome de
sabeísmo, se infiltrou
entre os povos brancos (2).
Mas, entre a ciência
Mas, entre a ciência
dos sacerdotes negros e o
fetichismo grosseiro das massas, não havia
absolutamente intermediário, nem
arte idealista nem mitologia
sugestiva. De resto, uma
indústria já adiantada, sobretudo a arte de
manejar massas de pedras
colossais, por meio da balística, e de fundir
metais nas imensas fornalhas, nas
quais trabalhavam os prisioneiros de
guerra. Nessa raça poderosa pela
resistência física, pela energia
passional e pela capacidade de
dedicação, a religião foi, entretanto, o
reinado da força pelo terror. A
Natureza e Deus quase não se mostram à
consciência desses povos
infantis, a não ser sob a forma do dragão, o
terrível animal antediluviano que
os reis mandavam pintar em suas
bandeiras e que os sacerdotes
esculpiam no alto da porta de seus
templos.8
Se o sol da África fomentou a
raça negra, dir-se-ia que os gelos do
pólo ártico viram a eclosão da
raça branca. São os hiperbóreos de que
fala a mitologia grega. Estes
homens de cabelos ruivos, olhos azuis,
vieram do Norte através das
florestas iluminadas por clarões boreais,
acompanhados por cães e renas,
comandados por chefes intrépidos e
conduzidos por mulheres videntes.
Cabeleiras de ouro e olhos azuis,
cores predestinadas. Esta raça
iria inventar o culto do sol e do fogo
sagrado, e trazer ao mundo a
nostalgia do céu. Ora se revoltaria contra
ele até querer assaltá-lo, ora se
prosternaria diante de seus esplendores
em uma adoração absoluta.
Como as outras raças, a raça
branca também teve que se livrar do
estado selvagem, para depois
tomar consciência de si mesma. Suas
características distintivas são o
gosto pela liberdade individual, a
sensibilidade meditada que gera o
poder da simpatia, e a predominância
do intelecto que atribui à
imaginação uma aparência idealista e
simbólica. A sensibilidade
anímica motivou a dedicação, a preferência
do homem por uma única mulher;
daí a tendência dessa raça à
monogamia, o princípio conjugal e
a família. A necessidade de
liberdade, somada à
sociabilidade, originou o clã com seu princípio
eletivo. A imaginação ideal criou
o culto dos ancestrais, que constitui a
raiz e o centro da religião dos
povos brancos.
O princípio social e político se
manifesta no dia em que alguns
homens semi-selvagens,
perseguidos por um populacho inimigo, se
reúnem instintivamente e escolhem
o mais forte e o mais inteligente
dentre eles, para os defender e
comandar. Nesse dia nasceu a sociedade.
O chefe é um rei em potencial,
seus companheiros, os futuros nobres; os
velhos que deliberavam, mas eram
incapazes de marchar, formam já
uma espécie de senado ou
assembléia dos anciãos.9
E corno nasceu a religião? Dizem
que foi do temor do homem
primitivo diante da natureza. Mas
o temor nada tem de comum com o
respeito e o amor. Ele não liga o
fato à idéia, o visível ao invisível, o
homem a Deus. Enquanto o homem
não fez senão tremer diante da
natureza, ele não foi homem. Tornou-se
homem no dia em que percebeu
o liame que o prendia ao passado
e ao futuro, a algo de superior e
benigno e passou a adorar esse
mistério desconhecido. Todavia, de que
maneira ele o adorou pela
primeira vez?
Fabre d'Olivet levantou uma
hipótese genial e sugestiva sobre a
forma como deve ter-se
estabelecido o culto dos ancestrais na raça
branca (3). Em um clã belicoso,
dois guerreiros rivais discutem.
Furiosos, eles vão se bater; e já
estão atracados, quando uma mulher
desgrenhada se atira entre eles e
os separa. É a irmã de um deles e
esposa do outro. Seus olhos
lançam chispas, sua voz tem a tônica do
comando. Ela grita com palavras
ofegantes, incisivas, que vira na
floresta o Ancestral da raça; o
guerreiro vitorioso de outrora, o herói lhe
aparecera. Ele não quer que dois
guerreiros irmãos briguem entre si,
mas que se unam contra o inimigo
comum. “É a sombra do grande
Ancestral, é o herói que me disse
- clama a mulher exaltada - ele me
falou! Eu vi!” E ela acredita no
que diz. Convencida, ela convence.
Emudecidos, assombrados e como
que aterrados por uma força
invencível, os adversários se dão
as mãos, reconciliados, e olham para a
mulher inspirada, como se ela
fosse uma espécie de divindade.
Tais sugestões seguidas de
bruscas mudanças devem ter sido
numerosas e das mais diversas
formas na vida pré-histórica da raça
branca. 10
Entre os povos bárbaros, é a
mulher quem, por sua sensibilidade
nervosa, logo pressente o oculto,
afirma o invisível. Procuremos agora
vislumbrar as conseqüências
inesperadas e prodigiosas de um tal
acontecimento. No clã, na
povoação, todo mundo fala do fato
maravilhoso. O carvalho, onde a
mulher inspirada viu o Ancestral,
torna-se uma árvore sagrada. Para
lá a reconduzem e, sob a influência
magnética da Lua, que a mergulha
num estado visionário, ela continua a
profetizar em nome do grande
Ancestral. Logo, esta mulher e outras
semelhantes, de pé sobre os
rochedos, em meio às clareiras, ao ruído do
vento e do Oceano longínquo,
evocarão as almas diáfanas dos ancestrais
diante das multidões palpitantes,
que os verão ou acreditarão vê-los,
seduzidas pelos mágicos
sortilégios das brumas flutuantes de
transparências lunares. O último
dos grandes Celtas, Ossian, evocará
Fingal e seus companheiros
reunidos nas nuvens. Assim foi, na própria
origem da vida social, que se
estabeleceu o culto dos antepassados na
raça branca.
O grande Ancestral
toma-se o Deus da coletividade. Eis o
Mas, isto não é tudo. Em tomo da
profetisa se reúnem os velhos,
que a observam durante seus sonos
lúcidos e seus êxtases proféticos.
Estudam seus diversos estados,
controlam suas revelações e interpretam
seus oráculos. Observam que
quando ela profetiza no estado visionário,
sua fisionomia se transfigura,
sua palavra se torna rítmica, sua voz se
eleva e profere seus oráculos
cantando numa melopéia grave e
significativa (4). Daí o verso, a
estrofe, a poesia e a música, cuja origem
é considerada divina entre todos
os povos da raça ariana. A idéia da
revelação só poderia surgir a
propósito de fatos dessa ordem. Assim
também vemos brotar a religião e
o culto, os sacerdotes e a poesia.
Na Ásia, no Irã e na Índia, onde
os povos de raça branca fundaram
as primeiras civilizações arianas
misturando-se a povos de cores
diversas, os homens rapidamente
sobrepujaram as mulheres quanto à
inspiração religiosa. Aí, só
ouvimos falar de sábios, de richis, de
profetas. A mulher repelida,
submissa, é sacerdotisa apenas no lar.
Mas,
Mas,
na Europa, a característica do
papel preponderante da mulher é
reencontrada nos povos da mesma
origem, que permaneceram bárbaros
durante milhares de anos. Isto se
manifesta na pitonisa escandinava, na
Voluspa de Edda, nas druidisas
célticas, nas mulheres adivinhas que
acompanhavam os exércitos
germânicos e decidiam o dia das batalhas
(5), e até nas bacantes da Trácia
que subsistem na lenda de Orfeu. A
vidente pré-histórica continua na
Pítia de Delfos.
As primitivas profetisas da raça
branca se organizam em colégios
de druidisas, sob a supervisão
dos velhos instruídos ou druidas, os
homens do carvalho. No início
elas apenas faziam o bem.11
Por sua
Por sua
intuição, sua capacidade de
adivinhar e seu entusiasmo, elas
impulsionaram intensamente a raça
que apenas começava a luta com os
negros, que duraria séculos. Mas
foram inevitáveis a rápida corrupção e
os enormes abusos desta
instituição. Sentindo-se donas dos destinos dos
povos, as druidisas quiseram
dominá-los a todo custo. Faltando-lhes a
inspiração, elas tentaram reinar
pelo terror. Exigiram sacrifícios
humanos e fizeram deles o
elemento essencial de seu culto. Nisso,
favoreciam-nas os instintos
heróicos de sua raça. Os brancos eram
corajosos. Seus guerreiros
desprezavam a morte e, ao primeiro apelo,
vinham espontaneamente e por
bravata se lançar sob o cutelo das
sacerdotisas sanguinárias.
Durante as hecatombes humanas, os vivos
eram despachados para a casa dos
mortos como mensageiros, e se
acreditava assim obter os favores
dos ancestrais. Essa ameaça perpétua,
pairando sobre a cabeça dos
primeiros chefes pela boca das profetisas e
das druidisas, tornou-se em suas
mãos um formidável instrumento de
domínio.
Eis o primeiro exemplo de
perversão que fatalmente sofrem os
mais nobres instintos da natureza
humana, quando não são orientados
por uma autoridade sábia ou
dirigidos para o bem por uma consciência
superior. Abandonada à
contingência da ambição e da paixão pessoal, a
inspiração degenera em
superstição, a coragem em ferocidade, a idéia
sublime do sacrifício em
instrumento de tirania, em exploração pérfida
e cruel.
Entretanto, a raça branca estava
apenas no início de sua violência
e loucura. Apaixonada na esfera
anímica, ela deveria atravessar muitas
outras crises e mais sangrentas.
Acabava de ser sacudida pelos ataques
da raça negra que começava a
invadir o sul da Europa. Luta desigual no
início. Os brancos, ainda
semi-selvagens, saindo de suas florestas e
habitações lacustres, não tinham
outros recursos a não ser suas lanças e
flechas com pontas de pedra.
Os
negros possuíam armas de ferro,
armaduras de bronze, todos os
recursos próprios de uma civilização
industriosa em cidades
ciclópicas.
Esmagados no primeiro embate, os brancos, levados para o cativeiro, se tornaram escravos dos negros, que os obrigaram a trabalhar na pedra e a transportar minério para seus fornos. 12
costumes, as artes e os
fragmentos de ciência de seus vencedores.
Aprenderam dos negros duas coisas
capitais: a fundição dos metais e a
escritura sagrada, isto é, a arte
de fixar certas idéias, por meio de sinais
misteriosos e hieróglifos em
peles de animais, na pedra ou na casca de
árvore. Daí provêm as runas dos
celtas. O metal fundido e forjado foi o
instrumento da guerra; a
escritura sagrada foi a origem da ciência e da
tradição religiosa. A luta entre
a raça branca e a negra oscilou, durante
longos séculos, dos Pirineus ao
Cáucaso e do Cáucaso ao Himalaia .A
salvação dos brancos foram suas
florestas, onde como feras eles podiam
se esconder para saltar no
momento propício. Ousados, aguerridos, a
cada século mais bem armados,
eles enfim se vingaram, arrasando as
cidades dos negros, expulsando-os
das costas da Europa e invadindo por
sua vez o norte da África e o
centro da Ásia ocupado pelos povos
O cruzamento das duas raças se
operou de duas maneiras
diferentes, seja pela colonização
pacífica, seja pela conquista belicosa.
Fabre d'Olivet, o maravilhoso
vidente do passado pré-histórico da
humanidade, parte dessa idéia
para emitir uma opinião luminosa sobre a
origem dos povos chamados semitas
e dos povos arianos. Nas regiões
onde os colonos brancos se
submeteram aos povos negros, aceitando
seu domínio e recebendo de seus
sacerdotes a iniciação religiosa,
originaram-se os povos semitas,
tais como os egípcios, antes de Menes,
os árabes, os fenícios, os
caldeus e os judeus, As civilizações arianas, ao
contrário, se teriam originado
nas regiões onde os brancos dominaram
os negros por meio da guerra ou
da conquista, ou seja, os iranianos, os
gregos, os hindus e os etruscos.
Quando falamos em povos arianos,
incluímos também todos os brancos
que permaneceram no estado
bárbaro e nômade na Antigüidade,
tais como os citas, os getos, os
sármatos, os celtas e, mais
tarde, os germanos. Dessa maneira se
explicaria a diversidade
fundamental das religiões e também da escrita
existente nas duas grandes
categorias de nações. Entre os semitas, onde
a intelectualidade da raça negra
dominou primitivamente, nota-se,
acima da idolatria popular, uma
tendência ao monoteísmo - o princípio
13
da unidade de Deus oculto,
absoluto e sem forma, que foi um dos
dogmas essenciais dos sacerdotes
da raça negra e de sua iniciação
secreta. Entre os brancos
vencedores ou que permaneceram puros, notase,
ao contrário, a tendência ao
politeísmo, à mitologia, à personificação
da divindade, que provém de seu
amor pela natureza e do culto
apaixonado pelos ancestrais.
A diferença principal entre a
maneira de escrever dos semitas e a
dos arianos também se explicaria
pela mesma causa. Por que todos os
povos semíticos escrevem da
direita para a esquerda, e por que todos os
povos arianos escrevem da
esquerda para a direita? A razão que Fabre
d'Olivet encontra para isso é tão
curiosa quanto original. Ela nos dá uma
verdadeira visão desse passado
perdido.
Todo mundo sabe que nos tempos
pré-históricos não havia
absolutamente a escrita vulgar. O
uso somente se propagou com a
escrita fonética ou arte de
representar o som das palavras por meio de
letras. Entretanto, a escrita
hieroglífica ou arte de representar coisas por
meio de alguns sinais é tão velha
quanto a civilização humana. E,
naqueles tempos primitivos, ela
sempre foi privilégio do sacerdote,
considerada coisa sagrada, função
religiosa e, primitivamente, de
inspiração divina. Quando, no
hemisfério austral, os sacerdotes da raça
negra ou sudanesa traçavam sinais
misteriosos em peles de animais ou
em blocos de pedra, eles tinham o
hábito de se voltar para o pólo sul;
sua mão se dirigia para o
Oriente, fonte da luz. Escreviam, portanto, da
direita para a esquerda. Os
sacerdotes da raça branca ou nórdica, tendo
aprendido com os sacerdotes
negros, começaram a escrever como estes.
Todavia, quando o sentimento de
sua origem foi se desenvolvendo, com
a consciência nacional e o
orgulho da raça, inventaram seus próprios
sinais e, em lugar de se voltarem
para o Sul, o país dos negros, puseramse
de frente para o Norte, pátria
dos Ancestrais, continuando, porém, a
escrever em direção do Oriente.
Seus caracteres então iam da esquerda
para a direita. Daí o sentido das
runas célticas, do zen, do sânscrito, do
grego, do latim e de todas as
escritas das raças arianas. Elas se dirigem
para o Sol, fonte da vida
terrestre; mas olham o Norte, pátria dos
ancestrais e fonte misteriosa das
auroras celestes.14
A corrente semítica e a ariana,
eis os dois rios por onde vieram
todas as nossas idéias,
mitologias e religiões, artes, ciências e filosofias.
Cada uma dessas correntes traz
consigo uma concepção oposta da vida,
cuja reconciliação e equilíbrio
seriam a própria verdade. A corrente
semítica contém os princípios
absolutos e superiores: a idéia da unidade
e da universalidade em nome de um
princípio supremo que, na
aplicação, conduz à unificação da
família humana. A corrente ariana
encerra a idéia da evolução
ascendente, em todos os reinos terrestres e
supraterrestres e, na aplicação,
conduz à diversidade infinita dos
desenvolvimentos, em nome da
riqueza da natureza e das múltiplas
aspirações da alma. O gênio
semítico desce de Deus para os homens; o
gênio ariano sobe do homem para
Deus. Um é representado pelo arcanjo
justiceiro, que desce sobre a
Terra armado do gládio e do raio; o outro,
por Prometeu, que empunha o fogo
roubado do céu, e percorre o
Olimpo com o olhar.
Esses dois gênios, nós os
trazemos dentro de nós mesmos.
Pensamos e agimos alternadamente
sob o império de um e de outro.
Todavia, eles estão ligados em
nossa intelectualidade, e não fundidos.
Contradizem-se e se combatem em
nossos mais íntimos sentimentos e
pensamentos sutis, como na vida
social e em nossas instituições.
Ocultos sob múltiplas formas, que
se poderiam resumir sob os nomes
genéricos de espiritualismo e
naturalismo, dominam nossas discussões e
nossas lutas. Inconciliáveis e
invencíveis os dois, quem os unirá?
Entretanto, o progresso e a
salvação da humanidade dependem de sua
conciliação e de sua síntese. Eis
por que, neste livro, procuramos voltar
à fonte das duas correntes, ao
nascimento dos dois gênios. Para além
das revoluções históricas,
guerras dos cultos e contradições dos textos
sagrados, entraremos na própria
consciência dos fundadores e dos
profetas que deram às religiões
seu movimento inicial. Eles tiveram a
intuição profunda e a inspiração
que vêm de cima, a luz viva que produz
a ação fecunda. Sim, neles
pré-existia a síntese. O raio divino
empalideceu e turvou-se em seus
sucessores; mas reaparece e brilha,
cada vez que, em qualquer época
da história, um profeta, um herói ou
um vidente se volta para sua
origem. Pois somente do ponto de partida
se percebe o fim; do sol
resplandecente, o curso dos planetas.
15 Tal é a revelação da história,
contínua, graduada, multiforme
como a natureza - mas idêntica em
sua origem, una como a verdade,
imutável como Deus.
Remontando à corrente semítica,
por meio de Moisés chegamos
ao Egito, cujos templos possuíam,
segundo Maneton, uma tradição de
trinta mil anos. E pela corrente
ariana atingimos a Índia, onde se
desenvolveu a primeira grande
civilização que resultou de uma
conquista da raça branca. A Índia
e o Egito foram as duas grandes
matrizes das religiões. Possuíram
o segredo da grande iniciação.
Entraremos em seus santuários.
Suas tradições, contudo, nos
levam ainda muito mais além, a uma
época anterior, na qual os dois
gênios opostos sobre os quais falamos
nos aparecem unidos numa
inocência primária e numa maravilhosa
harmonia. É a época ariana
primitiva, que, hoje, graças aos admiráveis
trabalhos da ciência moderna, à
filologia, à mitologia e à etnologia
comparada, nos é permitido
entrever. Ela se mostra através dos hinos
védicos, que nada mais são que
seu reflexo, com uma simplicidade
patriarcal e uma grandiosa pureza
de linhas. Idade viril e grave que não
se assemelha a nada menos do que
à idade de ouro idealizada pelos
poetas. Aí, a dor e a luta
absolutamente não estão ausentes; entretanto,
existe nos homens uma confiança,
uma força, uma serenidade que a
humanidade não reencontrou
depois.
Na Índia, o pensamento se
aprofundará, os sentimentos se
refinarão. Na Grécia, as paixões
e as idéias se cercarão do prestígio da
arte e da roupagem mágica da
beleza. Mas nenhuma poesia supera
alguns dos hinos védicos em
elevação moral, em altitude e amplidão
intelectual. Neles existe o
sentimento do divino na natureza, do
invisível que a envolve e da
grande unidade que penetra o todo.
Como terá nascido tal
civilização? Como terá se desenvolvido
uma tão alta intelectualidade em
meio às guerras das raças e à luta
contra a natureza? Aqui se
interrompem as investigações e as
conjecturas da ciência
contemporânea. Entretanto, as tradições 16
religiosas dos povos,
interpretadas em seu sentido esotérico, vão mais
longe. E nos permitem adivinhar
que a primeira concentração do núcleo
ariano no Irã se fez por uma
espécie de seleção operada no próprio seio
da raça branca, sob a direção de
um conquistador legislador, que deu a
seu povo uma religião e uma lei
conformes ao gênio da raça branca.
Com efeito, o livro sagrado dos
Persas, o Zend-Avesta, fala do
antigo legislador sob o nome de
Yima, e Zoroastro, fundando uma nova
religião, se refere a esse
predecessor como o primeiro homem ao qual se
dirigiu Ormuz, o Deus vivo, assim
como Jesus Cristo se refere a
Moisés. O poeta persa Firdusi
denomina este mesmo legislador de
Djem, o conquistador dos negros.
Na epopéia hindu, no Ramayana,
ele aparece sob o nome de
Rama, vestido como rei indiano,
cercado dos esplendores de uma
civilização avançada; mas aí ele
conserva suas duas características
distintas: conquistador renovador
e iniciado.
Nas tradições egípcias, a época
de Rama é designada pelo reinado
de Osiris, o senhor da luz, que
precede o reinado de Ísis, a rainha dos
mistérios.
Enfim, na Grécia o antigo herói
semideus era honrado sob o nome
de Dionísio, que vem do sânscrito
Deva Nahousha, o divino renovador.
Orfeu assim também denominou a
Inteligência divina e o poeta Nonus
cantou a conquista da Índia por
Dionísio, conforme as tradições de
Elêusis.
Como os raios de uma mesma
circunferência, todas essas
tradições indicam um centro
comum. A ele podemos chegar se
acompanharmos a direção designada
pelos raios. Então, além da Índia
dos Vedas, além do Irã de
Zoroastro, na aurora crepuscular da raça
branca, vê-se surgir das
florestas da antiga Cítia o primeiro criador da
religião ariana, cingido com sua
dupla tiara, de conquistador e de
iniciado, empunhando o fogo
místico, o fogo sagrado que iluminará
todas as raças.
Cabe a Fabre d'Olivet a honra de
reencontrar este personagem (6).
Foi aberta, assim, a vereda
luminosa que até ele nos conduz e seguindoa
procurarei, por minha vez,
evocá-lo.
17
(1). Esta divisão da humanidade em quatro raças
sucessivas e originais
era admitida pelos mais antigos sacerdotes do Egito.
Elas estão representadas
por quatro figuras de tipos e cores diferentes, nas
pinturas do túmulo de Seti I,
em Tebas. A raça vermelha traz o nome de Rot;
a raça asiática, de cor
amarela, o nome de Amon; a raça africana, de
cor negra, o de Halásio; a raça
líbio-européia, de cor branca, cabelos loiros, o de Tamahu.
– Lenormant,
Histoire dês peuples d’Orient, I.
(2). Ver os historiadores árabes, assim como Aboul-Ghazi,
história
genealógica dos tártaros e Mohammed-Moshen,
historiador dos persas. –
William Jones, Asiatic Researches, I.
Discruso sobre os Tártaros e os Persas.
(3). Histoire
philosophique du genre humain, tomo I.
(4). Todos que já viram uma verdadeira sonâmbula
ficaram
impressionados com a singular exaltação intelectual
que se manifesta durante
o sono lúcido. Para aqueles que não testemunharam
semelhantes fenômenos e que deles duvidariam, citaremos uma passagem do
célebre David Strauss, que não é suspeito de superstição. Ele viu em casa de
seu amigo, o doutor Justinus Kerner, a célebre “vidente de Prévost” e assim a
descreveu: “Pouco depois, a visionária caiu em um sono magnético. Presenciei
assim pela primeira vez o
espetáculo desse estado maravilhoso, e, posso
dizê-lo, na sua mais pura e mais bela manifestação. Sua fisionomia mostrava uma
expressão sofredora, mas elevada e terna, como que inundada por uma
irradiação celeste; uma
linguagem pura, medida, solene,
musical, uma espécie de recitativo; uma
abundância de sentimentos que transbordavam e que se
poderia comparar a
um bando de nuvens, ora luminosas, ora sombrias,
deslizando acima da alma,
ou então a brisas melancólicas e serenas
perdendo-se nas cordas de uma
maravilhosa harpa eólia “ (Trad. R. Lindau, Bibliographie
générale, art.
Kerner).
(5). Ver a última batalha entre Ariovisto e César
nos Comentários
deste.
(6). Histoire
philosophique du genre humain, tomo I. 18
II
A MISSÃO DE RAMA
Quatro ou cinco mil anos antes de
nossa era, espessas florestas
recobriam ainda a antiga Cítia,
que se estendia do oceano Atlântico aos
mares polares. Os negros tinham
chamado esse continente, o qual viram
nascer ilha por ilha, de “a terra
emergida das ondas”. Como contrastava
com seu solo branco, abrasado
pelo sol, esta Europa de costas verdes, de
baías úmidas e profundas, com
seus rios melancólicos, seus lagos
sombrios e brumas eternamente
suspensas nos flancos das montanhas!
Em suas planícies cobertas de
relvas rústicas, imensas como os pampas,
ouvia-se apenas o grito dos
animais, o mugido dos búfalos e o galope
indomado das grandes manadas de
cavalos selvagens, de crina se
agitando ao vento!
O homem branco que habitava essas
florestas não era mais o
homem das cavernas. Podia já
dizer-se senhor de sua terra. Havia
inventado as facas e os machados
de sílex, o arco e a flecha, a funda e o
laço. Havia também encontrado
dois companheiros de luta, dois amigos
excelentes, incomparáveis e
devotados até à morte: cão e o cavalo.
O
O
cão doméstico, transformado em
guarda fiel de sua habitação de
madeira, lhe proporcionava a
segurança do lar. E domando o cavalo ele
havia conquistado a terra,
submetido os outros animais, tornando-se o
rei do espaço. Montados em
cavalos fulvos, aqueles homens ruivos
rodopiavam como relâmpagos.
Abatiam o urso, o lobo, o auroque,
amedrontavam a pantera e o leão,
que então habitavam as florestas.
A civilização tinha-se iniciado:
a família rudimentar, o clã, a
coletividade já existiam. Por
toda parte, os citas, filhos dos hiperbóreos,
erguiam menires monstruosos em
honra de seus avós.
Quando um chefe morria,
enterravam com ele suas armas e seu
cavalo, a fim de que, diziam, o
guerreiro pudesse cavalgar as nuvens e
caçar o dragão de fogo no outro
mundo. Provém daí o costume do
sacrifício do cavalo, o qual
desempenha tão grande papel nos Vedas e
entre os escandinavos. A religião
começava, assim, pelo culto dos
antepassados.19
Os semitas encontraram o Deus
único, o Espírito universal no
deserto, no cume das montanhas,
na imensidão dos espaços estelares.
Os citas e os celtas encontraram
os Deuses, os espíritos múltiplos, no
fundo de seus bosques. Lá eles
ouviram vozes, lá tiveram os primeiros
arrepios do Invisível, as visões
do Além. Eis porque a floresta
encantadora ou terrível sempre
foi amada pela raça branca. Atraída pela
música das folhas e pela magia
lunar, ela para aí se volta
constantemente, no decorrer das
eras, como à sua fonte de Juventude, ao
templo da grande mãe Herta. Lá
dormem seus deuses, seus amores, seus
mistérios perdidos.
Desde os tempos mais longínquos,
mulheres visionárias
profetizavam sob as árvores. Cada
povoação possuía sua grande
profetisa, como a Voluspa dos
escandinavos, com seu colégio de
druidisas. Entretanto, estas
mulheres, inicialmente nobremente
inspiradas, tomaram-se ambiciosas
e cruéis. De boas profetisas
transformaram-se em malvadas
feiticeiras. Elas instituíram os
sacrifícios humanos e o sangue
dos heróis corria continuamente sobre
os dolmens, sob os cantos
sinistros dos sacerdotes e aclamações dos
citas ferozes.
Entre os sacerdotes,
encontrava-se um jovem na flor da idade
chamado Ram, também destinado ao
sacerdócio; mas, sua alma
meditativa e o profundo espírito
se revoltavam contra aquele culto
sangüinário. O jovem druida era
doce e grave. Muito cedo demonstrara
uma singular aptidão para o
conhecimento das plantas - das
maravilhosas virtudes de seus
sucos destilados e preparados -, tanto
quanto no estudo dos astros e de
suas influências. Ele parecia adivinhar
e ver as coisas longínquas. Daí
advém sua autoridade precoce sobre os
druidas mais velhos. Emanava-lhe
das palavras e de todo o ser uma
grandeza afável. Sua sabedoria
contrastava com a loucura das druidisas
que clamavam maldições e
proferiam oráculos nefastos nas convulsões
do delírio. Os druidas
denominavam-no “aquele que sabe”, e o povo o
chamava de “o inspirado da paz”.
Entretanto, Ram, “o inspirado da
paz”, tinha objetivos mais
amplos. Ele queria curar seu povo
de uma chaga moral mais nefasta do
que a peste. Eleito chefe dos
sacerdotes de sua coletividade, ordenou a
todos os colégios de druidas e
druidisas que cessassem com os
sacrifícios humanos. A novidade
correu até as margens do oceano,
saudada com efusões de alegria
por uns, e como sacrilégio atentatório
por outros. As druidisas, ameaçadas em seu poder. 20
Entretanto, Ram, que aspirava à
ciência divina, viajara por toda a
Cítia e pelos países do Sul.
Seduzidos por seu saber e sua modéstia, os
sacerdotes dos negros
transmitiram-lhe parte de seus conhecimentos
secretos. Voltando à região do
Norte, Ram se horrorizou ao ver a
intensificação dos sacrifícios
humanos entre os seus. Viu nisso a
perdição de sua raça. Todavia,
como combater um costume propagado
pelo orgulho das druidisas, pela
ambição dos druidas e pela superstição
do povo? Então, outro flagelo se
abateu sobre os brancos, no qual Ram
acreditou ver um castigo celeste
pelo culto sacrílego. De suas incursões
no país do Sul e de seu contato
com os negros, os brancos contraíram
uma horrível doença, uma espécie
de peste, que corrompia o homem
pelo sangue, pelas fontes da
vida. O corpo inteiro se cobria de manchas
negras, o hálito tornava-se
infecto, os membros inchados e corroídos de
úlceras se deformavam e o doente
expirava com dores atrozes. O hálito
dos vivos e o odor dos mortos
espalhavam o flagelo. Assim os brancos,
pasmados, tombavam e estertoravam
aos milhares pelas florestas,
abandonadas até mesmo pelas aves
de rapina. Ram, atormentado,
procurava inutilmente um meio de
salvação.
Tinha ele o hábito de meditar sob
um carvalho, em uma clareira.
Urna tarde, adormeceu ao pé da
árvore, após haver refletido longamente
sobre os males de sua raça.
Durante o sono pareceu-lhe ouvir uma voz
forte que o chamava pelo nome e
ele acreditou ter despertado. Viu
então, diante de si, um homem de
talhe majestoso, vestido, como ele
próprio, com a roupa branca dos
druidas. O homem carregava uma
vareta, à qual se entrelaçava uma
serpente. Ram, admirado, ia perguntar
ao desconhecido o significado
daquilo. Mas o desconhecido, tomando-o
pela mão, fê-lo levantar-se e
mostrou-lhe, na própria árvore sob a qual
ele estava deitado, um belíssimo
ramo de visgo. “Oh! Ram! disse-lhe,
eis o remédio que procuras'' Depois,
tirou do seio uma pequena foice de
ouro, cortou um pedaço do ramo e
lhe deu. Murmurou ainda algumas
palavras sobre a maneira de
preparar o visgo e desapareceu.
Então, Ram despertou
completamente e se sentiu bastante
reconfortado. Uma voz interior
lhe dizia que havia encontrado a
salvação. Ele não deixou de
preparar o visgo segundo os conselhos do
21
amigo divino da foicezinha de
ouro. Deu a poção num licor fermentado
a um doente, e este se curou. As
curas maravilhosas que assim operou
tornaram-no célebre em toda a
Cítia. Em toda parte era chamado para
curar. Consultado pelos druidas
de sua aldeia ele lhes participou sua
descoberta, acrescentando que ela
deveria permanecer como segredo da
casta sacerdotal, a fim de
assegurar sua autoridade. Os discípulos de
Ram, viajando por toda a Cítia
com os ramos de visgo, foram
considerados mensageiros divinos,
e seu mestre, um semideus.
Esse acontecimento foi a origem
de um novo culto. Desde então,
o visgo tornou-se uma planta
sagrada. Ram consagrou sua memória
instituindo a festa de Natal, ou
da nova salvação, que ele colocou no
começo do ano e chamou de a
Noite-Mãe (do novo sol) ou a grande
renovação. Quanto ao ser
misterioso que Ram vira em sonho e que lhe
mostrara o visgo, foi denominado,
na tradição esotérica dos brancos da
Europa, Aesc-heyl-hopa, que
significa: “a esperança de salvação está na
floresta”. Os gregos fizeram dele
Esculápio, o gênio da medicina que
sustenta a vareta mágica sob a
forma de bastão.
Entretanto, Ram, “o inspirado da
paz”, tinha objetivos mais
amplos. Ele queria curar seu povo
de uma chaga moral mais nefasta do
que a peste. Eleito chefe dos
sacerdotes de sua coletividade, ordenou a
todos os colégios de druidas e
druidisas que cessassem com os
sacrifícios humanos. A novidade
correu até as margens do oceano,
saudada com efusões de alegria
por uns, e como sacrilégio atentatório
por outros. As druidisas,
ameaçadas em seu poder, puseram-se a
amaldiçoar aquele audacioso, a
fulminá-lo com sentenças de morte. Ao
lado delas se colocaram muitos
dos druidas que viam nos sacrifícios
humanos a única maneira de
reinar. Ram, exaltado por um grande
partido, foi, no entanto,
abominado por outro. Mas, longe de recuar
diante da luta, intensificou-a,
arvorando um novo símbolo.
Cada tribo branca possuía, então,
um signo próprio de sua união,
sob a forma do animal que
simbolizava suas qualidades preferidas.
Entre os chefes havia o costume
de fixar, na fachada de seus palácios de
madeira, figuras de grous,
águias, abutres ou cabeças de javalis e de
búfalos, origem primeira do
brasão. O estandarte preferido dos Citas era
22
o Touro, denominado Thor, o signo
da força bruta e da violência. Ao
Touro, Ram opôs o Carneiro, o
chefe corajoso e pacífico do rebanho, e
dele fez o símbolo que
distinguiria todos os seus partidários. Erguido no
centro da Cítia, esse estandarte
tomou-se o sinal de um tumulto geral e
de uma verdadeira revolução nos
espíritos.
Os povos brancos se dividiram em
dois campos. A própria alma
da raça se separava em duas para
se resgatar da animalidade rugidora e
iniciar a marcha para o santuário
invisível que conduz à humanidade
divina. “Morte ao Carneiro!”
gritavam os partidários de Thor. “Guerra
ao Touro!” gritavam os amigos de
Ram. Uma tremenda guerra era
iminente.
Diante dessa eventualidade, Ram
hesitou. Desencadear
semelhante guerra não seria
agravar o mal e forçar sua raça a se
autodestruir? E teve, então,
outro sonho.
O céu tempestuoso estava
carregado de nuvens sombrias que
cavalgavam as montanhas e
arrasavam com seu vôo os cumes agitados
das florestas. De pé sobre um
rochedo, uma mulher desgrenhada estava
prestes a abater um soberbo
guerreiro, amarrado a seus pés. “Em nome
dos antepassados, pára!” gritou
Ram, lançando-se sobre ela. A druidisa,
ameaçando o adversário,
dardejou-lhe um olhar agudo como um golpe
de cutelo. Mas um trovão rufou
nas nuvens e, em meio a um clarão,
apareceu uma deslumbrante figura.
A floresta empalideceu, a druidisa
caiu como que fulminada, os
grilhões do cativo se romperam e este
olhou para o gigante luminoso com
um gesto de desafio. Ram não se
perturbou, pois, nos traços dessa
aparição, reconheceu o ser divino que
uma vez já lhe havia falado sob o
carvalho. Desta vez, porém, pareceulhe
mais belo, porque todo seu corpo
resplandecia de luz. E Ram
percebeu que se encontrava em um
templo aberto, de largas colunas. No
lugar da pedra do sacrifício,
erguia-se um altar. Junto, permanecia,
ainda o guerreiro, cujo olhar
desafiava sempre a morte. A mulher,
deitada sobre a laje, parecia
morta. O Gênio celeste carregava na mão
direita uma tocha, na mão
esquerda uma taça. Sorriu com benevolência
e disse: - “Ram, estou contente
contigo. Vês este facho? É o fogo
sagrado do Espírito divino. Vês
esta taça? É a taça da Vida e do Amor.
23
Dá a tocha ao homem e a taça à
mulher”. Ram fez o que lhe foi
ordenado pelo Gênio. Assim que a
tocha foi colocada nas mãos do
homem e a taça nas mãos da
mulher, o fogo se acendeu por si mesmo
no altar, e todos os dois
resplandeceram transfigurados ao clarão, como
o Esposo e a Esposa divina. Ao
mesmo tempo, o templo se alargou;
suas colunas subiram até o céu;
sua abóbada transformou-se no
firmamento. Então, Ram, levado
por seu sonho, se viu transportado para
o cume de uma montanha, sob o céu
estrelado. De pé, diante dele, o
Gênio explicava-lhe o sentido das
constelações e o fazia ler, nos sinais
chamejantes do zodíaco, os
destinos da humanidade.
- “Espírito maravilhoso, quem és
tu?” perguntou Ram ao Gênio. E
este respondeu: - “Chamam-me Deva
Nahusha, a Inteligência divina. Tu
espalharás minha luz sobre a
terra, e sempre virei a teu apelo. Agora,
segue teu caminho. Vai!” E,
erguendo a mão, o Gênio indicou-lhe o
Oriente.
24
III
O ÊXODO E A
CONQUISTA
Naquele sonho, como sob uma luz
fulgurante, Ram viu sua
missão e o imenso destino de sua
raça. Desde então não teve mais
dúvidas. Em vez de incentivar a
guerra entre as tribos da Europa, ele
resolveu conduzir a elite de sua
raça ao coração da Ásia. Anunciou aos
seus que instituiria o culto do
fogo sagrado, o qual proporcionaria a
felicidade dos homens; que os
sacrifícios humanos seriam para sempre
abolidos; que os Ancestrais
seriam invocados, não mais por sacerdotisas
sangüinárias sobre rochedos
selvagens gotejantes de sangue humano,
mas em cada lar, pelo esposo ou
pela esposa, unidos numa mesma prece
e em um hino de adoração, junto
do fogo que purifica. Sim, o fogo
visível do altar, símbolo e
condutor do fogo celeste invisível, uniria a
família, o clã, a tribo e todos
os povos, como o centro do Deus vivo
sobre a Terra. Mas, para colher
esta seara, era preciso separar o joio do
trigo; era preciso que todos os
corajosos se preparassem para deixar a
Europa, a fim de conquistar uma
terra nova, uma terra virgem. Lá ele
estabeleceria sua lei; lá ele
fundaria o culto do fogo renovador.
Esta proposição foi acolhida com
entusiasmo por um povo jovem
e ávido de aventuras. Fogueiras
mantidas acesas durante vários meses,
nas montanhas, foram o sinal da
emigração em massa de todos aqueles
que queriam seguir o Carneiro. A
formidável emigração, conduzida pelo
grande pastor dos povos, se
movimentou lentamente e se dirigiu para o
centro da Ásia. Ao lado do
Cáucaso, ela foi se apoderando de várias
fortalezas ciclópicas dos negros.
Mais tarde, como lembrança dessas
vitórias, as colônias brancas
esculpiram gigantescas cabeças de carneiro
naqueles rochedos.
Ram mostrou-se digno da alta
missão. Ele aplainava as
dificuldades, penetrava nos
pensamentos, previa o futuro, curava os
doentes, apaziguava os
revoltados, exaltava a coragem. Como as forças
celestes que denominamos
Providência desejavam o domínio da raça
boreal, sobre a Terra, por meio
do gênio de Ram lançavam raios
25
luminosos por seu caminho. Essa
raça já tivera seus inspirados de
segunda ordem para arrancá-la do
estado selvagem. Entretanto, Ram, o
primeiro que concebeu a lei
social como uma expressão da lei divina,
foi um inspirado direto e de
primeira ordem.
Ele fez amizade com os
turanianos, velhas tribos cíticas cruzadas
de sangue amarelo que ocupavam o
alto da Ásia, e os levou consigo
para a conquista do Irã, de onde
repeliu completamente os negros. Seu
sonho era que um povo de raça
branca ocupasse o centro da Ásia e se
tomasse um foco de luz para todos
os outros. Ele ali fundou a cidade de
Ver, admirável cidade, disse
Zoroastro, Ensinou a lavrar e a semear a
terra, foi o pai do trigo e da
vinha. Criou castas de acordo com as
ocupações e dividiu o povo em
sacerdotes, guerreiros, lavradores,
artesãos. Originariamente, as
castas não foram rivais; o privilégio
hereditário, fonte de ódio e de
ciúme, introduziu-se somente mais tarde.
Proibiu a escravidão tanto quanto
o homicídio, afirmando que a sujeição
do homem pelo homem era a fonte
de todos os males. Quanto ao clã, o
primitivo agrupamento da raça
branca, ele o conservou inalterado, e lhe
permitiu eleger seus chefes e
seus juízes.
A obra-prima de Ram, o
instrumento civilizador por excelência
criado por ele, foi a nova função
que atribuiu à mulher. Até então, o
homem conhecera a mulher somente
de duas formas: ou a escrava
miserável de sua choça, que ele
esmagava e maltratava brutalmente, ou
a perturbadora sacerdotisa do
carvalho e do rochedo, cujos favores ele
buscava, e que o dominava
irresistivelmente; mágica fascinante e
terrível, cujos oráculos ele
temia e diante da qual tremia sua alma
supersticiosa. O sacrifício
humano era a desforra da mulher contra o
homem, quando ela cravava o
cutelo no coração de seu feroz tirano.
Abolindo este culto indigno e
reabilitando a mulher diante do homem,
em suas funções divinas de esposa
e mãe, Ram a transformou na
sacerdotisa do lar, guardiã do
fogo sagrado, igual ao esposo, invocando
com ele a alma dos antepassados.
26Como todos os grandes
legisladores, Ram não fez nada mais do
que desenvolver, organizando-os,
os próprios instintos superiores de sua
raça. A fim de ornar e embelezar
a vida, Ram determinou quatro
grandes festas durante o ano. A
primeira foi a da primavera ou das
gerações, consagrada ao amor
entre os esposos. A festa do verão ou das
messes pertencia aos moços e
moças, que ofereciam aos pais as
colheitas resultantes de seu
trabalho. A festa do outono celebrava os
pais e as mães, que, em sinal de
regozijo, ofereciam frutos às crianças.
A mais santa e mais misteriosa
das festas era a de Natal ou das grandes
sementeiras. Ram a consagrou, ao
mesmo tempo, aos recém-nascidos,
frutos do amor concebidos na
primavera, e às almas dos mortos, aos
antepassados. Ponto de conjunção
entre o visível e o invisível, esta
solenidade religiosa era o adeus
às almas desaparecidas, como também
a saudação mística àquelas que voltam
para se encarnar nas mães e
renascer nas crianças. Nessa
noite santa, os antigos árias se reuniam nos
santuários de Airiana-Vaéia, como
outrora o tinham feito em suas
florestas. Com fogueiras e
cânticos, eles celebravam o reinício do ano
terrestre e solar, a germinação
da natureza no coração do inverno, o
estremecimento da vida no fundo
da morte. Cantavam o beijo universal
entre o céu e a Terra, e o parto
triunfal do novo Sol pela grande Noite-
Mãe.
Ram, assim, ligava a vida humana
ao ciclo das estações, às
revoluções astronômicas e, ao
mesmo tempo, ressaltava-lhe o sentido
divino. Foi por ter fundado tão
fecundas instituições que Zoroastro o
chama de “chefe dos povos, o
muito afortunado monarca”. Por isso,
também, o poeta hindu Valmiki,
embora situando o antigo herói em
uma época muito mais recente e no
luxo de uma civilização mais
avançada, conserva-lhe os traços
de um elevado ideal. Diz Valmiki:
“Rama, com olhos de lótus azul,
era o senhor do mundo, o senhor de
sua alma, o amor dos homens, pai
e mãe de seus súditos. Ele soube dar
a todos os seres
o grilhão do amor”
Estabelecida no Irã, às portas do
Himalaia, a raça branca ainda
não era senhora do mundo. Era preciso que sua
vanguarda penetrasse na
Índia, principal centro dos
negros, os antigos vencedores da raça
vermelha e da amarela. O
Zend-Avesta descreve essa marcha de Rama
para a Índia (1). A epopéia hindu
fez dela um de seus temas favoritos.
27 Rama foi o conquistador da terra
que cerca o Himalaia, a terra dos
elefantes, dos tigres e das
gazelas. Ordenou o primeiro combate e
conduziu o primeiro ímpeto
daquela luta gigantesca, em que duas raças,
inconscientemente, disputavam o
cetro do mundo. A tradição poética da
Índia enriquecendo as tradições
ocultas dos templos, transformou-a na
luta da magia branca com a magia
negra. Em sua guerra contra os povos
e os reis do país dos Djambus,
como então era denominado, Ram ou
Rama, como o chamaram os
orientais, utilizou-se de meios
aparentemente miraculosos, porque
acima das faculdades comuns da
humanidade, os quais os grandes
iniciados devem ao conhecimento e à
manipulação das forças ocultas da
natureza. A tradição representa-o
aqui fazendo brotar fontes de
água num deserto; lá, encontrando
recursos inesperados, numa espécie
de maná cuja utilização ele ensinou;
algures, extinguindo uma epidemia
com uma planta denominada hom, o
amonos do gregos, a perséa
dos egípcios, da qual extraía um suco
salutar. Essa planta tornou-se
sagrada entre seus seguidores e substituiu
o visgo do carvalho conservado
pelos celtas da Europa.
Contra seus inimigos, Rama se
utilizava de toda espécie de
sedução. Os sacerdotes dos negros
não reinavam mais a não ser por
meio de um culto baixo. Eles
tinham o hábito de alimentar, em seus
templos, enormes serpentes ou
pterodátilos, raros sobreviventes de
animais antediluvianos, que
amedrontavam a multidão, que era obrigada
a adorá-los como se fossem
deuses. Essas serpentes se alimentavam
com a carne dos prisioneiros.
Algumas vezes, Rama, imprevistamente,
apareceu nos templos, armado de
tochas, enxotando, aterrorizando e
subjugando as serpentes e os
sacerdotes. Outras vezes ele penetrava no
campo inimigo, expondo-se sem
defesa àqueles que buscavam sua
morte e tornava a partir sem que
ninguém ousasse tocá-lo. Quando se
interrogava aqueles que o tinham
deixado escapar, eles respondiam que
tinham se sentido petrificados ao
encontrar-lhe o olhar; ou então, que,
enquanto Rama falava, uma
montanha se erguera entre eles,
impossibilitando-os de vê-lo.
Enfim, como coroamento de sua
obra, a tradição épica da Índia
atribui a Rama a conquista de
Ceilão, derradeiro refúgio do mago negro
Ravana, sobre o qual o mago
branco faz chover granizo de fogo, após
limpar uma ponte sobre um braço
de mar, com um exército de macacos,
muito semelhante a qualquer horda
primitiva de bímanos selvagens,
encantada e entusiasmada pelo
grande sedutor de nações. 28
(1). É digno de nota o fato de o Zend-Avesta, livro
sagrado dos persas,
considerando Zoroastro como o inspirado de Ormuz, o
profeta da lei de Deus,
fazer dele o continuador de um profeta muito mais
antigo. Sob o simbolismo
dos templos antigos, percebe-se o fio da grande
revelação da humanidade,
religando entre si os verdadeiros iniciados. Eis uma
passagem importante:
1- Zaratustra (Zoroastro) perguntou para Ahura-Mazda
(Ormuz, o Deus da
luz): Ahura-Mazda, tu, santo, sacratíssimo criador
de todos os seres
corporais e puríssimos;
2 - Qual foi o primeiro homem com o qual falaste, tu
que és Ahura-Mazda?
4 - ...Então, Ahura-Mazda respondeu: “Foi com o belo
Yima, aquele que
estava na direção de um grupo digno de elogios, oh!
puro Zaratustra”;
13 - ... E eu lhe disse: “Vela sobre os mundos que
me pertencem, torna-os
férteis com tua qualidade de protetor”.
17 - ... E eu lhe trouxe as armas da vitória, eu que
sou Ahura-Mazda. 18-
Uma lança de ouro e uma espada de ouro.
31 - .Então Yima se elevou até as estrelas na
direção do sul, seguindo o
caminho do sol.
37 - .Ele marchou sobre a terra que ele tomara
fértil. E ela tinha ficado um
terço maior do que anteriormente.
43 - ... E o brilhante Yima reuniu a assembléia dos
homens mais virtuosos
da célebre Airyana-Vaéja, criada pura. (Vendidad-Sadé,
2º Fargard -
Tradução de Anquetil Duperron)
29
IV
O TESTAMENTO DO
GRANDE ANCESTRAL
Dizem os livros sagrados do
Oriente que Rama, por sua força, seu
gênio e sua bondade, tornara-se
senhor da Índia e rei espiritual da Terra.
Sacerdotes, reis e povos diante
dele se inclinavam como diante de um
benfeitor celeste. Sob o signo do
carneiro, seus emissários divulgaram
ao longe a lei ariana, que
proclamava a igualdade entre os vencedores e
vencidos, a abolição dos
sacrifícios humanos e da escravidão, o respeito
pela mulher no lar, o culto dos
antepassados e a instituição do fogo
sagrado, símbolo visível do Deus
inominado.
Rama envelhecera. Sua barba
estava branca, mas o vigor ainda
não abandonara seu corpo e em sua
fronte repousava a majestade dos
pontífices da verdade. Os reis e
os embaixadores de outros povos lhe
ofereceram o poder supremo. Ele
pediu um ano para refletir, e de novo
teve um sonho. Durante o sono,
fala com ele o mesmo Gênio que
sempre o inspirou.
Ele se reviu nas florestas de sua
juventude. Voltara a ser jovem e
trazia a túnica de linho dos
druidas. A Lua brilhava. Era a noite-santa, a
Noite-Mãe, na qual os povos
esperam o renascimento do Sol e do ano.
Rama caminhava sob os carvalhos,
atento, como outrora, às vozes
evocadoras da floresta. Então,
veio até ele uma bela mulher, ostentando
uma magnífica coroa. Sua
cabeleira ruiva tinha a cor do ouro, a cútis a
brancura da neve, e os olhos o
brilho profundo do azul celeste após a
tempestade. Disse-lhe ela: “Eu
era a Druidisa selvagem; por ti me
transformei na Esposa
resplandecente. Agora me chamo Sita. Sou a
mulher glorificada por ti, sou a
raça branca, sou tua esposa. Oh! meu
senhor e meu rei! Não foi por mim
que transpuseste os rios, encantaste
os povos e derrubaste os reis?
Eis a recompensa. Toma esta coroa de
minha mão, coloca-a sobre tua
cabeça e reina comigo sobre o mundo!”.
30 A mulher estava ajoelhada numa
atitude humilde e submissa,
oferecendo a coroa da Terra,
cujas pedras preciosas lançavam milhares
de fagulhas; e a embriaguez do
amor sorria em seus olhos. A alma do
grande Rama, do pastor dos povos,
se enterneceu. Mas, de pé sobre o
cume das florestas, apareceu-lhe
Deva Nahusha, seu Gênio, que lhe diz:
“Se colocardes essa coroa em tua
cabeça, a Inteligência divina te
deixará, e tu não mais me verás.
Se apertares esta mulher em teus
braços, ela morrerá por tua
felicidade. Se, porém, renunciares a possuíla
ela viverá feliz e livre sobre a
Terra e teu espírito invisível sobre ela
reinará. Escolhe: ou atendê-la ou
seguir-me”.
Sita, sempre de joelhos, olhava
seu mestre com olhos perdidos de
amor, e, suplicante, aguardava a
resposta. Rama conservou-se em
silêncio um instante. Seu olhar,
mergulhado nos olhos de Sita, avaliava
o abismo que separa a posse
completa do adeus eterno. E sentindo que o
amor supremo é uma suprema
renúncia, pousou sua mão libertadora
sobre a fronte da mulher branca,
abençoou-a e lhe disse: “Adeus! Sê
livre e não me esqueças!”. A
mulher logo desapareceu como um
fantasma lunar. A jovem Aurora
ergueu sua varinha mágica sobre a
velha floresta. O rei voltara a
ser velho. Um orvalho de lágrimas
banhava sua barba branca e do
fundo dos bosques uma voz triste
chamava: “Rama! Rama!”
Então, Deva Nahusha, o Gênio
resplandecente de luz, exclamou:
“A mim!” E o Espírito divino
levou Rama para uma montanha ao norte
do Himalaia.
Após este sonho, que lhe indicava
o fim de sua missão, Rama
reuniu os reis e os mensageiros
dos povos e lhes disse: “Não quero o
poder supremo que me ofereceis.
Guardai vossas coroas e observai
minha lei. Minha tarefa terminou.
Com meus irmãos iniciados, retirome
para uma montanha do
Airyana-Vaéia. De lá velarei sobre vós.
Vigiai o fogo divino! Se ele
chegar a se extinguir, reaparecerei entre vós
corno juiz e terrível vingador!”
Afinal, retirou-se com os seus
para o monte Albori, entre Balk e
Bamyas, num retiro conhecido
somente pelos iniciados. Lá, ele
transmitiu aos discípulos tudo o
que sabia dos segredos da Terra e do
grande Ser. Estes levaram para
longe, do Egito à Ocitânía, o fogo
sagrado, símbolo da unidade
divina das coisas, e os chifres do carneiro,
emblema da religião ariana. Esses
chifres tornaram-se as insígnias da
iniciação e, em seguida, do poder
sacerdotal e real (1).
31 De longe, Rama continuava a velar
sobre seus povos e sobre a sua
querida raça branca. Nos últimos
anos de sua vida, dedicou-se a
estabelecer o calendário dos
árias. É a ele que devemos os signos do
zodíaco. E este foi o testamento
do patriarca dos iniciados. Estranho
livro, escrito à luz das
estrelas, com hieróglifos celestes, no firmamento
sem fundo e sem limites, pelo
Ancião de nossa raça. Fixando os doze
signos do zodíaco, Rama lhes
atribuiu um triplo sentido. O primeiro se
referia às influências do Sol
sobre doze meses do ano; o segundo
relatava, de certa maneira, sua
própria história; o terceiro mostrava os
meios ocultos, dos quais ele se
servira para atingir seu fim. Eis por que
esses signos, lidos na ordem
inversa, tornaram-se mais tarde os
emblemas secretos da iniciação
graduada (2).
Ordenou aos discípulos mais
íntimos que ocultassem sua morte e
que continuassem sua obra,
perpetuando a fraternidade. Durante
séculos, os povos acreditaram que
Rama, sustentando a tiara de cornos
de carneiro, continuava vivo em
sua montanha santa. Nos tempos
védicos, o Grande Ancestral
tornou-se Yima, o juiz dos mortos, o
Hermes psicopompa dos hindus.
(1). Encontram-se chifres de carneiro na cabeça de
muitos personagens
dos monumentos egípcios. Esse ornato dos reis e dos
grandes sacerdotes é o
signo da iniciação sacerdotal e real. Os dois cornos
da tiara papal provêm daí.
(2). Eis como os signos do zodíaco representam a
história de Ram,
segundo Fabre d'Olivet, o pensador de gênio que
soube interpretar os
símbolos do passado conforme a tradição esotérica: -
1. O Carneiro, que foge
com a cabeça voltada para trás, indica a situação de
Ram abandonando sua
pátria, com o olhar fixado no país que ele deixa. -
2. O Touro furioso se opõe
à sua marcha, mas a metade de seu. corpo mergulhada
no lodo o impede de
executar seu desígnio; cai de joelhos. São os celtas
designados por seu próprio símbolo, que, apesar de todos os esforços, acabam
sendo submetidos. - 3. Os Gêmeos exprimem a aliança de Ram com os
turanianos. - 4. O Câncer, suas meditações e introversões. - 5. O Leão, os
combates contra seus inimigos. - 6.
A Virgem alada, a vitória. - 7. A Balança, a
igualdade entre os vencedores e
os vencidos. - 8. O Escorpião a revolta e a
traição. - 9. O Sagitário, a
vingança. - 10. O Capricórnio. - 11. O Aquário e
- 12. Os Peixes, têm relação
com a parte moral de sua história. 32
Pode-se considerar essa explicação do zodíaco tão
ousada quanto
estranha. No entanto, jamais algum astrônomo ou
mitólogo explicou, mesmo
que longinquamente, a origem ou o sentido desses
sinais misteriosos da carta
celeste, adotados e venerados pelos povos, desde a
origem de nosso ciclo
ariano. A hipótese de Fabre d'Olivet teve pelo menos
o mérito de abrir ao
espírito novas e imensas perspectivas. Já disse que
estes signos, lidos na
ordem inversa, marcaram mais tarde, no Oriente e na
Grécia, os diversos
degraus que era preciso subir para alcançar a iniciação
suprema. Lembremos
somente os mais célebres desses emblemas: a
Virgem alada significa
castidade que dá a vitória; o Leão, a força
moral; os Gêmeos, a união entre um homem e um espírito divino que juntos formam dois
lutadores invencíveis; o Touro subjugado, o domínio sobre a
natureza; O Carneiro, o asterismo do Fogo ou do Espírito universal que confere a
iniciação suprema pelo conhecimento da Verdade.
33
V
A RELIGIÃO
VÉDICA
Por seu gênio organizador, o
grande iniciador dos árias criara no centro da Ásia, no Irã, um povo, uma
sociedade, um turbilhão de vida
que deveria resplandecer em todos
os sentidos.
As colônias dos árias primitivos
se difundiram na Ásia, na
Europa, levando consigo seus
costumes, seus cultos e seus deuses. Mas,
de todas elas, o ramo dos árias
da Índia é o que mais se aproxima dos
árias primitivos.
Os livros sagrados dos hindus, os
Vedas, têm para nós um triplo
valor. Primeiramente, nos
conduzem ao centro da antiga e pura religião
ariana, da qual os hinos védicos
são brilhantes irradiações. Em seguida,
nos fornecem a chave da Índia. E,
finalmente, nos revelam urna
primeira cristalização das
idéias-mães da doutrina esotérica e de todas
as religiões arianas (1).
Limitar-nos-emos a uma breve
exposição da exterioridade e do
sentido da religião védica.
Nada mais simples nem maior do
que essa religião, onde um
profundo naturalismo se mistura
com um espiritualismo transcendente.
Antes de romper o dia, um homem,
um chefe de família já está de pé
diante de um altar de terra no
qual arde o fogo aceso com dois pedaços
de madeira. Em sua função, o
chefe é ao mesmo tempo pai, sacerdote e
rei do sacrifício. Enquanto vem a
aurora, diz um poeta védico, “como
uma mulher que sai do banho e que
teceu a mais bela das telas”, o chefe
pronuncia uma oração, uma
invocação a Usha (a Aurora), a Savitri (o
Sol), aos Asuras (espíritos da
vida). A mãe e os filhos vertem no Agni, o
fogo, o líquido fermentado do
asclépia, o soma. E a chama que se ergue
leva aos deuses invisíveis a
oração purificada que sai dos lábios do
patriarca e do coração da
família.
34 O estado de espírito do poeta
védico está também afastado do
sensualismo helênico (falo dos
cultos populares da Grécia, não da
doutrina dos iniciados gregos),
que representa os deuses cósmicos com
belos corpos humanos, e do
monoteísmo judaico que adora o Eterno
sem forma, onipresente. Para o
poeta védico a natureza é como um véu
transparente, atrás do qual se
movem forças imponderáveis e divinas.
São essas forças que ele invoca,
adora e personifica sem, entretanto, se
deixar iludir por suas metáforas.
Para ele, Savitri é menos o Sol do que
Vivasvat, a potência criadora de
vida que o anima e que gira o sistema
solar. Indra, o guerreiro divino
que com seu carro dourado percorre o
céu, lança o raio e rompe as
nuvens, personifica o poder desse mesmo
Sol, na vida atmosférica, na “grande
transparência dos ares”.
Quando
Quando
invocam Varuna (o Urano dos
Gregos), o deus do céu imenso e
luminoso que envolve todas as
coisas, os poetas védicos se elevam
muito mais ainda. “Se Indra
representa a vida ativa e militante do céu,
Varuna representa sua majestade
imutável. Nada se iguala em
magnificência, nas descrições que
dele fazem os Hinos. O Sol é seu
olho, o céu sua vestimenta, o
furacão seu sopro. Foi ele que fixou o céu
e a Terra em bases inabaláveis e
que os mantém separados. Ele tudo fez
e tudo conserva.
Nada poderia causar dano às obras de Varuna.
Nada poderia causar dano às obras de Varuna.
Ninguém o compreende; mas ele
sim, ele sabe tudo e vê tudo que é e
será. Dos pináculos do céu onde
reside, num palácio de mil portas, ele
distingue o traçado dos pássaros
no ar e o dos navios sobre as ondas. É
de lá, do alto de seu trono de
ouro em bases de bronze, que ele
contempla e julga as ações dos
homens. Ele é o mantenedor da ordem
no Universo e na sociedade; pune
o culpado e é misericordioso com
quem se arrepende. É também para
ele que se ergue o grito angustiado
do remorso. Perante ele é que o
pecador vem descarregar o peso de sua
falta. Às vezes, a religião
védica é ritualista, às vezes altamente
especulativa. Com Varuna, ela
desce às profundezas da consciência e
realiza a noção da santidade”.
(2)
Acrescentamos que ela se eleva à pura
Acrescentamos que ela se eleva à pura
noção de um Deus único, que
penetra e domina o grande Todo.
No entanto, as imagens grandiosas
que os hinos derramam em
largas ondas, como generosos
rios, nos oferecem apenas o invólucro dos
Vedas. Com a noção de Agni, o
fogo divino, tocamos o âmago da
doutrina, seu fundo esotérico e
transcendental. Com efeito, Agni é o
agente cósmico, o princípio
universal por excelência. “Ele não é
35 somente o fogo terrestre do
relâmpago e do Sol. Sua verdadeira pátria é
o céu invisível, místico, morada
da eterna luz e dos primeiros princípios
de todas as coisas. Suas
nascentes são infinitas, seja quando jorra da
madeira onde dorme, como o
embrião na matriz, seja quando, “Filho
das Ondas”, se arremessa, com o
estrépito do trovão, das torrentes
celestes, onde os Acvins (os
cavaleiros celestes) engendraram-no com
raias de ouro. Ele é o primogênito
dos deuses, soberano tanto no céu
como na Terra, e oficiou na
morada de Vivasvat (o céu ou o Sol) muito
antes de Matarisva (o relâmpago)
tê-lo trazido aos mortais, e de Atarvã
e os Angiras, antigos
sacrificadores, terem-no instituído aqui embaixo
como protetor, hóspede e amigo
dos homens. Senhor e gerador do
sacrifício, Agni tornou-se o
portador de todas as especulações místicas
cujo objeto é o sacrifício. Ele
engendra os deuses, organiza o mundo,
produz e conserva a vida
universal; em uma palavra, ele é potência
cosmogônica.
“Soma é o pingente de Agni. Na
realidade é a beberagem de uma
planta fermentada, vertida em
libação aos deuses durante o sacrifício.
Mas, como Agni, ele tem urna
existência mística. Sua residência
suprema é nas profundezas do
terceiro céu, onde Surya, a filha do sol,
filtrou-o; onde o encontrou
Pushan, o deus nutridor. Foi de lá que o
Falcão, um símbolo do relâmpago,
ou o próprio Agni, raptaram-no do
Arqueiro celeste, Gandarva, seu
guardião, e trouxeram-no para os
homens. Os deuses beberam-no e se
tornaram imortais; os homens, por
sua vez, também se tornarão
imortais quando dele beberem na morada
de Yama, mansão dos felizes.
Enquanto esperam, ele lhes dá, aqui
embaixo, o vigor e a plenitude
dos dias; ele é a ambrosia e a água de
juventude. Ele nutre, penetra nas
plantas, vivifica o sêmen dos animais,
inspira o poeta e confere elã à
oração. Alma do céu e da terra, de Indra
e de Visnu, ele forma
com Agni um par inseparável; o par que acendeu
o sol e as
estrelas (3).”.
A noção de Agni e de Soma contém
os dois princípios essenciais
do Universo, segundo a doutrina
esotérica e toda a filosofia viva. Agni é
o Eterno-Masculino, o
Intelecto criador, o Espírito puro; Soma é o
Eterno-Feminino,
a
Alma do mundo ou substância etérea, matriz de
36 todos os mundos visíveis e
invisíveis aos olhos da carne; enfim, é a
Natureza ou a matéria sutil em
suas infinitas transformações (4). Ora, a
união perfeita desses dois seres
constitui o Ser supremo, a essência de
Deus.
Dessas duas idéias capitais
decorre uma terceira, não menos
fecunda. Os Vedas fazem do ato cosmogônico
um sacrifício perpétuo.
Para produzir tudo o que existe,
o Ser supremo imola a si mesmo,
divide-se para sair de sua
unidade. Esse sacrifício é, pois, considerado o
ponto vital de todas as funções
da natureza. Esta idéia, surpreendente ao
primeiro contato, bastante
profunda quando sobre ela se reflete, contém,
em germe, toda a doutrina
teosófica da evolução de Deus no mundo, a
síntese esotérica do politeísmo e
do monoteísmo. Ela conceberá a
doutrina dionisíaca da queda e da
redenção das almas, que se
desenvolverá com Hermes e Orfeu.
Daí surgirá a doutrina do Verbo
divino proclamada por Krishna e
concluída por Jesus Cristo.
O sacrifício do fogo, com suas
cerimônias e suas orações, centro
imutável do culto védico,
torna-se, assim, a imagem desse grande ato
cosmogônico. Os Vedas atribuem
uma importância capital à oração, à
fórmula de invocação que
acompanha o sacrifício. Por isso fazem da
oração uma deusa - Bramanaspati.
A fé no poder evocador da palavra
A fé no poder evocador da palavra
humana acompanhada do poderoso movimento
da alma, ou de uma
intensa projeção da vontade, é a
fonte de todos os cultos, e a razão da
doutrina egípcia e caldéia da
magia. Para o padre védico e bramânico,
os Asuras, senhores invisíveis, e
os Pitris ou almas dos ancestrais,
supostamente, sentam-se na relva
durante o sacrifício, atraídos pelo
fogo, pelos cânticos e a oração.
A ciência relacionada a essa vertente do
culto é a da hierarquia dos
espíritos de todas as categorias.
Quanto à imortalidade da alma, os
Vedas afirmam tão aberta
quanto claramente possível:
“A alma é uma parte imortal do homem. A
“A alma é uma parte imortal do homem. A
ela, oh! Agni, é preciso aquecer
com teus raios, inflamar com tuas
chamas. Oh! Jatadevas, no corpo
glorioso formado por ti, transporta-a
para o mundo dos piedosos!”
Os poetas védicos não somente revelam o
Os poetas védicos não somente revelam o
destino da alma, como também se
preocupam com sua origem: “De
onde provêm as almas? É certo que
elas vêm de lá até nós e para lá
37
retornam, que vêm novamente e
tornam a ir”. Eis já, em duas palavras, a
doutrina da reencarnação, que
representará o papel mais importante no
bramanismo e no budismo, entre os
egípcios e os órficos, na filosofia de
Pitágoras e de Platão, o mistério
dos mistérios, o arcano dos arcanos.
Como, depois disto, deixar de
reconhecer nos Vedas as grandes
linhas de um sistema religioso
orgânico, de uma concepção filosófica do
Universo? Não há neles somente a
intuição profunda das verdades
intelectuais anteriores e
superiores à observação, há também mais
unidade e largueza de visão na
compreensão da natureza, na
coordenação de seus fenômenos.
Como um belo cristal de rocha, a
consciência do poeta védico
reflete o Sol da eterna verdade, e nesse
prisma brilhante já se movimentam
todos os raios da teosofia universal.
Os princípios da doutrina
permanente aí são até mais visíveis do que
nos outros livros sagrados da
Índia e nas outras religiões semíticas ou
arianas, devido à singular
franqueza dos poetas védicos e da
transparência dessa religião
primitiva, tão elevada e tão pura. Naquela
época não existia distinção entre
os mistérios e o culto popular.
Todavia, lendo-se atentamente os
Vedas percebe-se já, por trás do pai
de família ou do poeta oficiante
dos hinos, um outro personagem mais
importante: o richi, o sábio, o
iniciado, de quem aqueles receberam a
verdade. Vê-se também que esta
verdade se transmitiu por uma tradição
ininterrupta, que remonta às
origens da raça ariana.
Eis, pois, o povo ariano arrojado
em sua carreira conquistadora e
civilizadora, ao longo do Indo e
do Ganges. Domina-a Deva Nahusha, o
gênio invisível de Rama, a
inteligência das coisas divinas. Circula em
suas veias o fogo sagrado, Agni.
Uma aurora rósea envolve essa idade
de juventude, de força, de
virilidade. A família foi constituída e a
mulher passou a ser respeitada.
Sacerdotisa do lar, às vezes ela compõe
os hinos, e ela mesma os canta. “Que
o marido desta mulher viva cem
anos”, diz um poeta. Ama-se a
vida, mas também se acredita no seu
Além. O rei mora em um castelo
sobre a colina que domina a aldeia. Na
guerra, montado em um carro
brilhante, revestido de armas reluzentes, e
coroado com uma tiara, ele
resplandece como o deus Indra.
38
Mais tarde, quando os brâmanes
tiverem estabelecido sua
autoridade, irá se erguer, perto
do esplêndido palácio do Maharaja ou
do grande rei, o pagode de pedra.
Daí sairão as artes, a poesia e o drama
dos deuses, representado por
gestos e cantado pelas dançarinas
sagradas. Naquele tempo já
existiam as castas, mas sem grande rigor e
sem uma barreira absoluta. O
guerreiro é sacerdote, o sacerdote é
guerreiro, e muito freqüentemente
servidor oficial do chefe ou do rei.
Eis, entretanto, um personagem de
aspecto pobre mas de futuro
rico. Cabelos e barba incultos,
seminu, coberto de andrajos vermelhos.
Esse muni, esse solitário,
reside perto dos lagos sagrados, nas solidões
selvagens, onde se entrega à
meditação e à vida ascética. De tempos em
tempos, ele vem admoestar o chefe
ou o rei. Muitas vezes é repelido e
desobedecido. Mas é respeitado e
temido. Já exerce um poder tremendo.
Entre esse rei, em seu carro
dourado, cercado de guerreiros, esse
muni quase nu, que
não tem outras armas além de seu pensamento, sua
palavra e seu olhar, haverá uma
luta. E o grande vencedor não será o rei;
será o solitário, o mendigo
descarnado, porque ele possui a erudição e a
vontade.
A história dessa luta é a própria
história do bramanismo, como
será mais tarde a do budismo, e
nela se resume quase toda a história da
Índia.
(1). Os brâmanes consideram os Vedas seu livro
sagrado por
excelência. Aí encontram a ciência das ciências. A
própria palavra Véda
significa saber. Os sábios da Europa foram
justamente atraídos para esses
textos por uma espécie de fascinação. Primeiramente,
viram neles apenas uma poesia patriarcal; depois, descobriram não somente a
origem dos grandes
mitos indo-europeus e de nossos deuses clássicos,
mas ainda um culto
sabiamente organizado, um profundo sistema religioso
e metafísico (Ver
Bergaigne, La Réligion des Védas, assim como
o belo e luminoso trabalho de
M. Augusto e Barth, Les réligions de I'Inde).
O futuro lhes reserva, talvez,
uma última surpresa, que será a de encontrar nos
Vedas a definição das forças ocultas da natureza, que a ciência moderna está
prestes a descobrir.
(4). O que prova indubitavelmente que Soma representava
o princípio
feminino absoluto é que; os brâmanes o identificaram
mais tarde com a Lua.
Ora, a Lua simboliza o princípio feminino em todas
as religiões antigas, como
o Sol simboliza o princípio masculino.
LIVRO II
KRISHNA
A Índia e a
iniciação brâmane
Aquele que cria
incessantemente os mundos é tríplice. É
Brama, o Pai; é
Maya, a Mãe; é Visnu, o Filho.
Essência,
Substância e Vida. Cada um traz em si os dois
outros e todos
os três são um no Inefável.
Doctrine brahamanique. UPANISHADS.
Trazes em ti
mesmo um amigo sublime que não
conheces. Pois
Deus reside no interior de todo homem,
mas poucos sabem
encontrá-lo. O homem que oferece
seus desejos e
suas obras, em sacrifício, ao Ser de onde
procedem os
princípios de todas as coisas e por quem o
Universo foi
formado, obtém a perfeição. Porque aquele
que encontra em
si mesmo sua felicidade e sua alegria, e
também sua luz,
é uno com Deus. Ora, sabe tu: a alma
que encontrou
Deus está livre do renascimento e da
morte, da
velhice e da dor, e bebe a água da
imortalidade.
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Os-Grandes-Iniciados-Edouard-Schure.pdf
Li-Sol-30
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Sejam felizes todos os seres.Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
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