domingo, 13 de novembro de 2011

HIPÁTIA DE ALEXANDRIA


Hipátia de Alexandria
Hipátia de Alexandria - Provável gravura de Gasparo
Nascimento 355
Alexandria
, Egito
Morte 415
Alexandria
, Egito
Ocupação Filósofa e Professora
Influências
Influenciados
Escola/tradição Neoplatonismo
Principais interesses Matemática, Astronomia, Filosofia, Religião, Poesia, Retórica, Oratória
Ideias notáveis Lógica, Matemática

Hipátia (ou Hipácia; em grego: Υπατία, transl. Ypatía) de Alexandria foi uma matemática e filósofa neoplatônica, nascida aproximadamente em 355 e assassinada em 415. O fato de Hipátia ser uma filósofa pagã (num meio predominantemente cristão) é tido como um dos fatores que contribuíram para o seu assassinato.[1] Porém, estudos mais recentes, como o da historiadora Maria Dzielska, salientam que Hipátia foi assassinada por razões políticas, no contexto da luta pelo poder em Alexandria.[2]

 Biografia

Hipátia era filha de Téon, um renomado filósofo, astrônomo, matemático, autor de diversas obras e professor em Alexandria.
Criada em um ambiente de idéias e filosofia, tinha uma forte ligação com o pai, que lhe transmitiu, além de conhecimentos, a forte paixão pela busca de respostas para o desconhecido. Diz-se que ela, sob tutela e orientação paternas, submetia-se a uma rigorosa disciplina física, para atingir o ideal helênico de ter a mente sã em um corpo são.
Hipátia estudou na Academia de Alexandria, onde devorava conhecimento: matemática, astronomia, filosofia, religião, poesia e artes. A oratória e a retórica também não foram descuidadas.

Alguns autores pensam que, quando adolescente, viajou para Atenas, para completar a educação na Academia Neoplatônica, onde não demorou a se destacar pelos esforços para unificar a matemática de Diofanto com o neoplatonismo de Amónio Sacas e Plotino, isto é, aplicando o raciocínio matemático ao conceito neoplatônico do Uno (mônada das mônadas).[3] Ao retornar, já havia um emprego esperando por ela em Alexandria: seria professora na Academia onde fizera a maior parte dos estudos, ocupando a cadeira que fora de Plotino. Aos 30 anos já era diretora da Academia, sendo muitas as obras que escreveu nesse período.

Um dos seus alunos foi o notável filósofo e bispo Sinésio de Cirene (370 - 413), que lhe escrevia freqüentemente, pedindo-lhe conselhos. Através destas cartas, sabemos que Hipátia desenvolveu alguns instrumentos usados na Física e na Astronomia, entre os quais o hidrômetro.[4]

Sabemos também que desenvolveu estudos sobre a Álgebra de Diofanto ("Sobre o Cânon Astronômico de Diofanto"), tendo escrito um tratado sobre o assunto, além de comentários sobre os matemáticos clássicos, incluindo Ptolomeu. Em parceria com o pai, escreveu um tratado sobre Euclides.
Ficou famosa por ser uma grande solucionadora de problemas. Matemáticos confusos, com algum problema em especial, escreviam-lhe pedindo uma solução. E ela raramente os desapontava. Obcecada pelo processo de demonstração lógica, quando lhe perguntavam porque jamais se casara, respondia que já era casada com a verdade.[5]

 
Hipátia por Rafael
O seu fim trágico se desenhou a partir de 412, quando Cirilo foi nomeado Patriarca de Alexandria, título de dignidade eclesiástica, usado em Constantinopla, Jerusalém e Alexandria. Ele era um cristão fervoroso, que lutou toda a vida defendendo a ortodoxia da Igreja e combatendo as heresias, sobretudo o Nestorianismo, que negava a Divindade de Jesus Cristo e a Maternidade Divina de Maria.[1]

Mudança do paradigma pagão para o cristão

O reinado de Teodósio I (379-392) marca o auge de um processo de transformação do Cristianismo, que efetivamente se torna a religião oficial do estado.[6] Em 391, atendendo pedido do então Patriarca de Alexandria, Teófilo, ele autorizou a destruição do Templo de Serápis (não confundir com o Museu e a Biblioteca que haviam em Alexandria, que não tinham nenhuma relação física com este Templo), um vasto santuário pagão onde eram oferecidos sacrifícios de sangue, segundo os relatos dos historiadores contemporâneos Sozomeno e Tirânio Rufino.[7]
Embora a legislação de 393 procurasse coibir distúrbios, surtos de violência popular entre cristãos e pagãos tornaram-se cada vez mais frequentes em Alexandria, principalmente após a ascensão de Cirilo ao Patriarcado.

Morte

De acordo com o relato de Sócrates, o Escolástico [8], numa tarde de março de 415, quando regressava do Museu, Hipátia foi atacada em plena rua por uma turba de cristãos enfurecidos. Ela foi golpeada, desnudada e arrastada pelas ruas da cidade até uma igreja. No interior do templo, foi cruelmente torturada até a morte, tendo o corpo dilacerado por conchas de ostras (ou cacos de cerâmica, segundo outra versão). Depois de morta, o corpo foi lançado a uma fogueira.

Segundo o mesmo historiador, tudo isto aconteceu pouco tempo depois de Orestes, prefeito da cidade, ter ordenado a execução de um monge cristão chamado Amónio, acto que enfureceu o bispo Cirilo e seus correlegionários.[9] Devido à influência política que Hipátia exercia sobre o prefeito, é bastante provável que os fiéis de Cirilo a tivessem escolhido como uma espécie de alvo de retaliação para vingar a morte do monge. Neste período em que a população de Alexandria era conhecida pelo seu caráter extremamente violento, Jorge de Laodiceia (m. 361) e Protério (m. 457), dois bispos cristãos, sofreram uma morte muito similar à de Hipátia: o primeiro foi atado a um camelo, esquartejado e os seus restos queimados; o segundo arrastado pelas ruas e atirado ao fogo.[10]

Dito isto, a eventual relação de Cirilo com o ocorrido continua a ser motivo de alguma controvérsia entre os historiadores. Embora Sócrates e Edward Gibbon afirmem que o episódio trouxe opróbrio para a Igreja de Alexandria, não mencionam qualquer envolvimento direto do patriarca.[11] O filósofo pagão Damáscio, por sua vez, atribui explicitamente o assassinato ao patriarca, que invejaria Hipátia.[12] Contudo, a Enciclopédia Católica lembra que Damáscio escreveu cerca de um século depois dos fatos e que os seus escritos manifestam um certo pendor anticristão.[13] As últimas pesquisas crêem que o homicído de Hipátia resultou do conflito de duas facções cristãs: uma mais moderada, ao lado de Orestes, e outra mais rígida, seguidora de Cirilo, responsável pelo ataque.[14]

Citações sobre Hipátia

"Havia em Alexandria uma mulher chamada Hipátia, filha do filósofo Téon, que fez tantas realizações em literatura e ciência que ultrapassou todos os filósofos da época. Tendo progredido na escola de Platão e Plotino, ela explicava os princípios da filosofia a quem a ouvisse, e muitos vinham de longe receber os ensinamentos."
  • Descrição da morte de Hipátia, pelo historiador Edward Gibbon:
"Num dia fatal, na estação sagrada da Quaresma, Hipácia foi arrancada da carruagem, teve as roupas rasgadas e foi arrastada nua para a igreja. Lá foi desumanamente massacrada pelas mãos de Pedro, o Leitor, e a horda de fanáticos selvagens. A carne foi esfolada dos ossos com ostras afiadas, e os membros, ainda palpitantes, foram atirados às chamas".
"O conflito entre partidos cristãos alcançou proporções alarmantes nos anos 414-415. Orestes resistiu tenazmente às tentativas de Cirilo de invadir áreas de competência do poder civil. Manteve-se intransigente até mesmo no momento em que Cirilo tentou fazer as pazes. Cresceu entre os adeptos de Cirilo a suspeita de que Hipátia, amiga do prefeito, incitara e encorajara a resistência daquele. O patriarca sentiu-se ameaçado, e surgiram membros de vários grupos ligados à Igreja decididos a apoiá-lo. Os monges organizaram uma agressão contra Orestes, e os seguidores de Cirilo montaram insidiosamente uma intriga, difundindo rumores segundo os quais Hipátia se servia dos seus conhecimentos de magia e de práticas sortílegas satânicas para manter sob a sua influência o prefeito, «o povo de Deus» e o conjunto da cidade. A luta entre o patriarca e o prefeito em torno do poder político e da influência da Igreja sobre os assuntos seculares acabou por levar à morte de Hipátia. Hipátia é assassinada por partidários que servem a causa de Cirilo. A sua morte foi um crime político provocado por conflitos persistentes que se faziam sentir em Alexandria. Por meio da acção criminosa era eliminado um poderoso apoio de Orestes. O próprio Orestes não só desistiu da sua luta contra o patriarca, como deixou definitivamente Alexandria.".
"Hipátia distinguiu-se na matemática, 
na astronomia, na física e foi ainda responsável
pela escola de filosofia neoplatônica - 
uma extraordinária diversificação de atividades
para qualquer pessoa daquela época.
Nasceu em Alexandria em 370. Numa época em que as mulheres tinham poucas oportunidades e eram tratadas como objetos, Hipátia moveu-se livremente e sem problemas nos domínios que pertenciam tradicionalmente aos homens. Segundo todos os testemunhos, era de grande beleza. Tinha muitos pretendentes mas rejeitou todas as propostas de casamento. A Alexandria do tempo de Hipátia - então desde há muito sob o domínio romano - era uma cidade onde se vivia sob grande pressão. A escravidão tinha retirado à civilização clássica a sua vitalidade, a Igreja Cristã consolidava-se e tentava dominar a influência e a cultura pagãs."
  • Hesíquio, o hebreu, aluno de Hipátia:
"Vestida com o manto dos filósofos, abrindo caminho no meio da cidade, explicava publicamente os escritos de Platão e de Aristóteles, ou de qualquer filósofo a todos os que quisessem ouvi-la… Os magistrados costumavam consultá-la em primeiro lugar para administração dos assuntos da cidade".
"Meu coração deseja a presença de vosso divino espírito que mais do que tudo poderia adoçar minha amarga sorte. Oh minha mãe, minha irmã, mestre e benfeitora minha! Minha alma está triste. Mata-me a lembrança de meus filhos perdidos… Quando receber notícias tuas e souber, como espero, que estás mais feliz do que eu, aliviar-se-ão pelo menos a metade de minhas dores".

Presença de outras mulheres na filosofia

Também na Escola Pitagórica “ora integrada na sua vida particular (de Pitágoras), como esposa, ora simplesmente na vida da Escola, a presença marcante de uma mulher, Theano, que ocupou certamente um lugar de destaque nos primórdios do pitagorismo. É também interessante destacar que Jâmblico, no seu catálogo de pitagóricos ilustres, elenca não uma, mas dezessete mulheres, e isso dentre as mais célebres que aderiram à sua doutrina”[15].

Obras

Referências

  1. a b Clifford A. Pickover. The Math Book: From Pythagoras to the 57th Dimension, 250 Milestones in the history of mathematics. [S.l.: s.n.].
  2. Maria Dzielska, Hipátia de Alexandria. Relógio d'Água. 2009
  3. A teoria das mônadas sustenta que somos todos Um, porque todas as mônadas estão ligadas entre si, evoluindo e trabalhando constantemente para a expansão do Todo (Universo Infinito).
  4. Sinésio de Cirene, Carta 15
  5. Segundo a enciclopédia bizantina "Suda", ela foi esposa do filósofo Isido

Densímetro

um densímetro
Densímetro é um aparato que tem por objetivo medir a massa específica (também chamada densidade) de líquidos[1]. O densímetro foi inventado por Hipátia, grande matemática e filósofa neoplatônica[2].
Uma das utilidades do densímetro é inferir propriedades dos líquidos através da inspeção de sua massa específica, principalmente quando os líquidos são misturas de substâncias. Nestes casos é possível inferir se a composição da mistura é a esperada ou não a partir do valor esperado para a massa específica da mistura.

Concepção

Existem várias maneiras de conceber este aparato, sendo que em uma das formas mais comuns se apresenta como um tubo de vidro longo fechado em ambas as extremidades. Este tubo é mais largo em sua parte inferior e possui uma gradação na parte mais estreita.
Todo o aparato deve ser imerso em um recipiente cheio do líquido do qual se deseja conhecer a massa específica até que ele possa flutuar livremente. A leitura é realizada observando em que marca da gradação fica posicionada a superfície do líquido.

Ágora

O espelho de Hipátia

30.12.2009
Tornou-se uma lenda não pelo que fez em vida mas pelo que lhe fizeram na morte. É a protagonista do filme "Ágora" e de um estudo biográfico acabado de editar em Portugal. Duas visões de Hipátia de Alexandria, uma mulher que acreditava em saber mais.

Viver depressa, morrer jovem e deixar um belo cadáver faz a lenda desde os Antigos. Alexandre já era Grande aos 20, morreu aos 32 e ninguém o imagina feio. Tem sido assim com muitos homens e foi assim com Hipátia de Alexandria, uma das raras mulheres da Antiguidade que sobreviveu até nós.
A Hipátia da lenda viveu depressa, morreu jovem e teria deixado um corpo de Afrodite se não o tivessem desfeito. As versões sobre a sua morte alimentam há séculos enciclopédias, romances, poemas e ensaios. É mais ou menos consensual que, no ano de 415, seguia na sua carruagem pelas ruas de Alexandria quando uma multidão de cristãos a agarrou. A partir daqui os relatos divergem: arrancaram-lhe cabelo, braços e pernas; esfolaram-na com conchas de ostra; tiraram-lhe a carne com cacos de cerâmica. Depois, os relatos voltam a convergir: o que restava do corpo foi levado para uma igreja e queimado.

Eminente matemática, filósofa e professora, Hipátia vingou na História não tanto pelo que fez em vida mas pelo que lhe fizeram na morte - e em nome de quê.

Em "Ágora", o filme de Alejandro Amenábar actualmente em exibição, Hipátia é assassinada em nome da supremacia da fé - de uma fé sobre as outras e sobre os ateus. Em que acreditas?, perguntam-lhe os seus perseguidores cristãos antes de a desfazerem. No conhecimento, responde, firme.

O que Amenábar vê na morte de Hipátia, e devolve ao espectador no fim desta intolerante década de 2000, é a própria génese da intolerância religiosa.
Já a historiadora polaca Maria Dzielska, autora de "Hipátia de Alexandria" - um estudo biográfico que a Relógio d'Água acaba de traduzir, coincidindo com a exibição de "Ágora" -, sustenta um outro retrato: o de uma mulher devotada ao saber como caminho para o divino, não-pagã e eventualmente simpatizante do cristianismo, que morreu por razões políticas, no contexto de guerras pelo poder.

E essa Hipátia martirizada já não é "o sopro de Platão num corpo de Afrodite", porque não tem os 25 anos que parte da lenda lhe dá, nem sequer os ainda-belos 45 que Amenábar talvez lhe dê no momento da morte. Maria Dzielska situa a data do nascimento de Hipátia bem antes do convencionado, em 355, o que faz com que a sua Hipátia morra aos 60 anos; uma verdadeira anciã, à luz da época.


Mulher casta, bruxa pagã
Alexandria era então uma das praças-fortes do Império Romano do Oriente, recentemente convertido ao cristianismo. A fé monoteísta impunha-se, triunfante, sobre os cultos politeístas da tradição grega fundida com a tradição egípcia, que durante séculos tinham convivido. Mas era um triunfo agitado por combates intestinos de cristãos contra cristãos, para além do conflito com os judeus e os pagãos.

É neste mundo que Hipátia nasce, filha de Theon, um grande matemático, e "não há dados que indiquem que alguma vez tenha deixado a cidade", escreve Dzielska. "Alexandria era universalmente admirada", "um universo fechado, completamente formado, acabado e enquadrado, que podia satisfazer por inteiro as exigências espirituais de Hipátia" - "o Museion, a biblioteca, os templos pagãos em declínio, as igrejas, os círculos de teólogos, filósofos e retóricos, as escolas de matemáticas e medicina, uma escola catequética e um colégio rabínico."

Mas é no espaço privado de sua casa que Hipátia se torna uma mestre renomada de filosofia neoplatónica, astronomia e matemática. Os seus muitos alunos vêm de várias regiões do império e pertencem às elites abastadas e cultas. Vários virão a publicar obras e a assumir cargos na hierarquia política e religiosa. Muitos são cristãos.

Sendo que nenhum dos trabalhos de Hipátia sobreviveu, muito do que hoje se sabe sobre ela vem da correspondência dos seus discípulos. Parece unânime a devoção que lhe tinham, cultivada ao longo de anos, não apenas como mestra mas como exemplo de vida recta, justa e casta.

Os relatos insistem que terá morrido virgem, e Maria Dzielska faz questão de corroborar, como se a virgindade acentuasse a inclinação de Hipátia para o divino. Sabe-se que quando um dos discípulos enamorados se atreveu a declarar o que sentia, Hipátia lhe deu um pano manchado com o seu sangue menstrual. Dzielska interpreta isto como uma terapia de choque. O gesto "repugnante" mostrou ao discípulo que a beleza não está aprisionada num corpo, nem pode ser apreendida através dele, elevando-o assim a outro nível de busca.

No filme de Amenábar, esse discípulo transforma-se em Orestes, futuro prefeito de Alexandria.
É a disputa entre o prefeito Orestes e o patriarca Cirilo que há-de conduzir à morte de Hipátia.

O ambicioso Cirilo, que a Igreja há-de santificar, tinha uma guarda-de-honra que E.M. Forster descreve (no seu "Alexandria: a History and a Guide") como um "exército negro selvagem", "humano apenas no rosto". As fontes "descrevem-no como um homem impulsivo e ávido de poder", cita Maria Dzielska.

No duelo que opôs Cirilo - a autoridade religiosa - a Orestes - a autoridade política -, Hipátia tomou o partido de Orestes. A tese de Dzielska é que foi a partir desse momento que os partidários de Cirilo começaram a propagar a acusação de que Hipátia era uma bruxa pagã. Até que um bando de cristãos fanáticos a massacra.


Vista de agora
O iluminismo recuperou Hipátia
como uma heroína face às trevas da igreja.
Há versões pró-cristãs em que Hipátia se converte
e é baptizada. As feministas tomaram-na como símbolo.
Cada um vê nela o que precisa.

O que Maria Dzielska tentou fazer no seu estudo biográfico foi cotejar fontes históricas e literárias, mas centrando-se na correspondência dos discípulos.
E a partir daí, que retrato é possível fazer de Hipátia?

"Foi antes de mais, uma filósofa e uma cientista", responde ao Ípsilon, por e-mail. "Como o seu pai Theon, devotou as suas paixões científicas ao estudo dos matemáticos alexandrinos eminentes: Diofante, Apolónio de Pérgamo, Ptolomeu. Mas nenhuma das suas obras científicas sobreviveu, tudo o que conhecemos são os títulos." Embora historiadores de ciência defendam que "alguns comentários feitos por Hipátia podem ser encontrados em escritos de Diofante, Apolónio e Ptolomeu e em comentários posteriores às suas obras". Ou seja, não se terá perdido tudo.

Quanto aos trabalhos filosóficos, "não temos provas, nem sequer vestígios dos títulos", diz Maria Dzielska. "Muito provavelvelmente ela não era uma filósofa original, criativa, mas apenas uma grande erudita do pensamento platónico clássico e tardio. A filosofia era, acima de tudo, o seu caminho de vida para a assimilação do divino. Transportava a visão neoplatónica do mundo e passou-a aos seus discípulos, ensinando-lhes como alcançar altos níveis de virtude ética, e chegar mais perto da perfeição da vida divina."

Enquanto "mulher-filósofa" e "professora inspirada de matemática e filosofia", Hipátia "desempenhou um importante papel na história da cultura e do saber académico da Antiguidade Tardia, mas graças à lenda literária as pessoas sentem-se mais fascinadas pelo seu destino trágico, que continua até hoje a inspirar criação literária", lamenta a investigadora polaca. "É vista como um símbolo de uma civilização desaparecida, uma mártir pagã, a última dos Helenos, etc., embora a Hipátia histórica não tenha aspirado a ser uma heroína pagã, uma figura central nas transformações históricas e nas vocações. Estava liberta de qualquer inimizade em relação ao cristianismo. Fosse qual fosse o politeísmo que praticava, provinha mais de um sentimento em relação à magnífica tradição grega do que da devoção. O seu helenismo era de natureza cultural e não religiosa. Era a verdadeira filha da grande cultura grega de Alexandria."

Maria Dzielska não viu o filme de Amenábar, mas, do que sabe, receia que "apresente Hipátia como uma vítima da última batalha para salvar o mundo perfeito da harmonia e da religião gregas da selvajaria da nova fé cristã", quando "depois da morte de Hipátia, o intelectualismo e o saber académico gregos não morreram em Alexandria e no Império Romano".

Amenábar faz desse momento o fim da cultura humanista e o começo das trevas. Dzielska discorda, argumentando que os sábios helenistas continuaram a trabalhar em Alexandria por vários séculos, depois de Cirilo ter vencido o seu inimigo político e de a atmofera ter acalmado: "A vida intelectual na cidade tornou-se singularmente vigorosa, com toda uma dinastia académica, numerosos filósofos do neoplatonismo religioso, comentadores de Aristóteles, retóricos e gramáticos."

Com o seu próprio exemplo, Hipátia "ensinou aos estudantes que a sabedoria que encoraja um estudo puro do divino também pede uma perfeição supracorporal, uma independência das matérias do mundo, uma divinização do homem", diz Dzielska. E essa Hipátia, uma mulher erudita e "divina na sua moderação auto-imposta e na sua castidade, na sua vocação para ensinar e na sua busca de Deus", diz, "pode também ser vista hoje como um modelo de vida dedicada à verdade transcendental".

Será a Hipátia dos crentes religiosos.
No filme com que encerra esta década, Amenábar viu outra Hipátia, a dos que continuam a querer saber, além da supremacia de uma fé - em relação às outras e em relação aos ateus. Não é um filme sobre Alexandria na viragem do século V. É um filme sobre agora.
Origem:
Wikipédia, a enciclopédia livre.
http://ipsilon.publico.pt/livros/entrevista.aspx?id=248062

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