sábado, 19 de novembro de 2011

A ANATOMIA DAS EMOÇÕES



A anatomia das emoções 
 
Uma pequena estrutura do cérebro
a ínsula, está surpreendendo os cientistas,
que ali descobrem a sede de diversos
sentimentos humanos.


Anna Paula Buchalla 
 
        Numa das regiões mais recônditas do cérebro, os neurocientistas encontraram uma nova peça para um dos mais instigantes quebra-cabeças da medicina – o mapeamento das emoções humanas. Do tamanho de uma ameixa seca, a ínsula trabalha em parceria com outras duas estruturas cerebrais, o córtex pré-frontal e a amígdala (estes, sim, velhos conhecidos dos estudiosos no controle de diversas emoções). A ínsula funciona como uma espécie de intérprete do cérebro ao traduzir sons, cheiros ou sabores em emoções e sentimentos como nojo, desejo,  orgulhoarrependimentoculpa ou empatia.
  • "Ela dá colorido psíquico às experiências sensoriais", diz o neurocirurgião Arthur Cukiert.
  • Ou, como definiu o psiquiatra americano Martin Paulus, professor da Universidade da Califórnia, é na ínsula que o corpo e a mente se encontram.

        Descrita pela primeira vez no fim do século XVIII, pelo anatomista e fisiologista alemão Johann Christian Reil, a ínsula sempre foi negligenciada pelos pesquisadores. A dificuldade de acesso impedia estudos mais minuciosos sobre sua fisiologia. Nos últimos dez anos, graças ao aperfeiçoamento dos exames de imagens, como a ressonância magnética funcional, a ínsula despertou a atenção dos neurocientistas. Flagrada em pleno funcionamento, já se viu que ela é ativada toda vez que:

  • alguém ri de uma piada,
  • ouve música,
  • reconhece expressões de tristeza no rosto de outra pessoa,
  • quer se vingar
  • ou decide não fazer uma compra (veja o quadro)      

        "Os estudos já mostraram também que a superativação da ínsula está relacionada a diversos distúrbios psiquiátricos, sobretudo as fobias e o transtorno obsessivo-compulsivo", diz o neurologista Mauro Muszkat, da Universidade Federal de São Paulo. Imagens do cérebro indicam que lesões na ínsula podem levar à...

  • apatia,
  • à perda de libido,
  • a alterações na memória de curto prazo
  • e à incapacidade de alguém distinguir pelo cheiro um alimento fresco de outro estragado.

        O trabalho mais fascinante sobre a ínsula foi divulgado recentemente pela revista científica Science. Tudo começou com a história do senhor N., de 38 anos. Tabagista compulsivo, ele fumava cerca de quarenta cigarros por dia. Um derrame, no entanto, fez com que ele instantaneamente abandonasse o vício – "esquecesse a vontade de fumar", como descreveu aos pesquisadores das universidades de Iowa e do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos. Com o derrame, a ínsula do senhor N. havia sido lesionada. Outros pacientes, também fumantes e com danos na mesma região cerebral, foram avaliados. A maioria deles perdeu a vontade de fumar. Esse estudo foi o primeiro a relacionar uma área específica do cérebro ao vício

"O tabagismo 
não pode ser explicado apenas pela ação
da nicotina no cérebro", diz Nasir Naqvi, 
um dos autores da pesquisa. 

"O vício deflagra uma série de mudanças comportamentais e fisiológicas – o aumento dos batimentos cardíacos, a elevação da pressão, a alteração do paladar e a sensação da fumaça entrando nos pulmões, entre outras." Todas essas informações são processadas na ínsula e traduzidas na ânsia de acender mais um cigarro. Trabalhos como esse abrem o caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos contra o tabagismo e outros vícios, como a dependência de drogas e o alcoolismo.
       
 Como se trata de uma área de pesquisa relativamente nova, a ciência ainda não conseguiu esmiuçar todas as funções da ínsula. As diferentes partes do cérebro não agem isoladamente, mas por meio de circuitos múltiplos, que interagem entre si – o que torna o estudo do cérebro extremamente complexo.

De qualquer forma, as descobertas recentes sobre a ínsula são uma fonte preciosa de informações sobre a anatomia das emoções. Um dos grandes estudiosos do tema é o neurocientista português António Damásio. Ele busca em seus estudos a base biológica das emoções e da consciência humanas. "Os sentimentos não são nem inatingíveis nem ilusórios. São o resultado de uma curiosa organização fisiológica que transformou o cérebro no público cativo das emoções teatrais do corpo", escreveu Damásio no livro O Erro de Descartes.
 
A ponte entre o corpo e a mente  
ONDE FICA: - Do tamanho de uma ameixa seca, a ínsula está localizada numa das áreas mais profundas do cérebro, na face interna do lobo temporal, um dos sistemas envolvidos no processamento da memória, do pensamento e da linguagem 
 
O QUE SE SABIA SOBRE A ÍNSULA...   Até dez anos atrás, a ínsula era caracterizada como uma das áreas mais primitivas do cérebro, envolvida em atividades básicas como alimentar-se e fazer sexo
 
...E O QUE REVELAM AS DESCOBERTAS MAIS RECENTES:Na porção frontal da ínsula, experiências sensoriais são transformadas em emoções e sentimentos como:

    • nojo
    • desejo,
    • decepção,
    • culpa,
    • ressentimento,
    • orgulho,
    • humilhação,
    • arrependimento,
    • compaixão
    • Ela prepara o organismo para situações que ainda estão por vir. Quando, por exemplo, alguém tem de sair de casa e lá fora faz frio, a ínsula é ativada de modo a ajustar o metabolismo para enfrentar a situação.  
    • e empatia.
  • A ínsula modula a resposta do organismo a estímulos dolorosos.  
  • Em pacientes vítimas de fobias e de transtorno obsessivo-compulsivo, a ínsula registra atividade intensa.Fontes: Mauro Muszkat, neurologista, e revista Science
http://veja.abril.com.br/140207/p_092.shtml#quadro
        Lateralmente o bloco cerebral central tem a ínsula como um verdadeiro escudo externo das principais estruturas cerebrais subcorticais. As escolhas dos acessos microneurocirúrgicos às lesões relacionadas com o bloco cerebral central devem ter como maior preocupação as suas relações topográficas com o tálamo e com as fibras da cápsula interna.




NEUROPSICOLOGIA DA íNSULA
Ana Regina Caner-Cukiert, Beatriz Lefevre, Arthur Cukiert, Mario Andrioli, Cassio Forster, Viviane Ferreira, Leila Frayman.

Serviço de Cirurgia de Epilepsia, Hospital Brigadeiro e Clínica de Diagnóstico e Terapêutica das Epilepsias de São Paulo.

        O cortex insular representa conjunto de difícil estudo neuropsicológico e neurofisiológico já que o mesmo encontra-se recoberto pelos cortices frontal e temporal. A síndrome epiléptica originada na ínsula possui inúmeras características similares à epilepsia do lobo temporal (ELT). Lesões focais da ínsula são relativamente raras, dificultando ainda mais a definição de seu envolvimento em processos cognitivos. O presente estudo relata achados neuropsicológicos em pacientes epilépticos com lesões insulares.

  • Caso I: M.A., 47 a, crises parciais simples e complexas refratárias há 8 anos. O EEG mostrava foco temporal direito; a RMN mostrou cavernoma na porção anterior da ínsula. Foi submetida a lesionectomia com ECoG, havendo ressecção da lesão e parte da ínsula, sem ressecção temporal. Encontra-se sem crises desde a cirurgia. Seus achados neuropsicológicos mostraram deficits de memória visual (hipocampo normal à RMN) bem como disfunção frontal não dominante. Não houve modificação no pós-operatório.
  • Caso II: S.F.K., 30 anos, crises parciais simples e complexas há 22 anos. EEG mostrou foco temporal esquerdo; RMN mostrou esclerose mesial temporal esquerda e atrofia da ínsula anterior. Foi submetida à cortico-amígdalo-hipocampectomia e ressecção da ínsula anterior guiadas por eletrocorticografia. Encontra-se sem crises no pós-operatório. No pré-operatório, esta paciente possuía deficit de memória verbal compatível com esclerose mesial temporal. 
  •   No pós-operatório, manteve o mesmo deficit de memória verbal e obteve melhora na memória visual. Desenvolveu deficit transitório (2 meses) de nomeação com fluência verbal normal. Além de relacionar-se com diversos processos autonômicos com características límbicas, a ínsula anterior parece também funcionar como rede de integração entre os cortices frontal e temporal.
Clínica Neurológica e Neurocirúrgica
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