domingo, 29 de maio de 2011

O SENTIDO DA ALTERIDADE - LEVINAS - PREFÁCIO-INTRODUÇÃO: Ricardo Timm de Souza



SUMÁRIO


Prefácio à 2. Edição
Prefácio
Introdução

I - ESTRUTURAS

PRIMEIRO ENSAIO - O delírio da solidão: o assassinato e o fracasso original


SEGUNDO ENSAIO - Fulcro da história, urgência do pensamento - sobre a compreensão do conjunto da obra de Emmanuel Levinas – um breve estudo introdutório


TERCEIRO ENSAIO - Ontologia e Fundamentos: sobre “A ontologia é fundamental?”

QUARTO ENSAIO - O sentido da consciência precária - sobre “A consciência não-intencional”

QUINTO ENSAIO - Infinito e Ética - sobre a concepção de “infinito ético” em Levinas

SEXTO ENSAIO - Para além da tirania do tempo maciço – sobre “Diacronia e Representação”

II – INTERFACES e mais além

SÉTIMO ENSAIO - Alteridade & Pós-modernidade – Sobre os difíceis termos de uma questão fundamental

OITAVO ENSAIO - Da neutralização da diferença à dignidade da Alteridade: Estações de uma história multicentenária

NONO ENSAIO - Ética e Espírito - Sobre Deus e religião no pensamento de Levinas


DÉCIMO ENSAIO - Ainda outramente - sobre a leitura de “Autrement qu’être ou au-delà de l’essence” por Ricoeur

Como conclusão – no extremo da radicalidade: a conditio humana revisitada


 
Prefácio à 2. Edição

O presente livro, já esgotado há bom tempo,
é agora relançado sob forma eletrônica.

Não obstante o extraordinário avanço dos estudos sobre o pensamento de Emmanuel Levinas e sua consolidação definitiva como um dos filósofos principais do século XX – pois é fato que o que escrevemos no prefácio da edição original, a previsão de que “a riqueza ímpar que dimana de sua obra e que fatalmente surgirá quando da efetiva ocupação do espaço que é seu na cultura contemporânea” já é passado no que tange ao pensamento desse autor, de tal forma sua influência se tem ampliado –, optamos pela manutenção da obra em seu conteúdo e formato original, até mesmo devido a este fato: a reescrita da presente obra no sentido de sua plena atualização significaria nada menos do que sua reescrita completa, ou seja, um outro livro. 

Nesse sentido, instados que temos sido constantemente a reeditar a obra, o fazemos com a convicção de que tem ainda potencial suficiente para subsidiar quem se aproxima – e mesmo quem já tem razoável freqüentação do universo filosófico do autor – desse pensamento sui generis, capaz não apenas de levar – e elevar – a filosofia a níveis inusitados, como de estabelecer criativas e fundamentais interfaces com os mais diversos âmbitos da cultura contemporânea.
Porto Alegre, julho de 2009.
Prefácio
O crescente interesse na obra de Emmanuel Levinas nos tem mostrado com clareza a carência de certos conhecimentos elementares com relação a esta obra, carência que dificulta sobremaneira ou inviabiliza o diálogo e a crítica razoavelmente maduros, os quais apenas se insinuam. 

Pois, na verdade,
poucos autores contemporâneos 
têm sido tão pouco compreendidos, 
tendo esta incompreensão comprometido 
a riqueza ímpar que dimana de sua obra e
que fatalmente surgirá quando da efetiva ocupação
do espaço que é seu na cultura contemporânea. 

O que temos na maioria dos casos – panorama que, felizmente, tende a mudar rapidamente – é um universo de asserções vagas e pueris sobre o autor e a obra, que apenas evidenciam o que, após anos de estudo, torna-se perfeitamente visível: trata-se de uma obra dificílima, que “não deixa pedra sobre pedra” no conjunto dos hábitos mentais da filosofia corrente, e que fatalmente revolucionará, em termos inauditos, o próprio estatuto do que seja “pensar”.

Assim, ainda há pouco espaço para a compreensão e a crítica séria, embora este espaço venha crescendo paulatinamente. Contribuir para aumentar algo neste espaço é um primeiro objetivo deste livro, a partir de uma longa e intensa experiência no trato da obra e em conexão com outros livros nossos que têm, como esse, a preocupação fundamental de esquadrinhar a contemporaneidade a fim de tentar compreender as novas formas que o sentido toma para além do sem-sentido e da tautologia de um mundo esgotado, de uma totalidade em processo de desagregação1

Uma busca de sentido que não se volta desesperadamente em direção a uma arqueologia restauradora, mas que só pode ser divisada – “suspeitada” - desde a dimensão primigênia da diferença ética: a Alteridade real para além da diferença “lógica”2. Sugerir incisivamente este elemento fundamental no cerne desta obra é a segunda tarefa a que este conjunto de escritos se propõe.


A terceira e maior tarefa desta série de ensaios, que resume os passos acima, é também a mais difícil: procurar evidenciar o nível de radicalidade absolutamente extraordinário - em termos, seja de profundidade, seja de riqueza de possibilidades de desenvolvimento, seja de exigências ao leitor – que atinge o conjunto da obra de Levinas. Um terreno extremamente fértil à exploração responsável; uma exploração absolutamente necessária aos anseios mais profundos deste nosso tempo difícil.

O conjunto de dez ensaios 
que formam este livro 
- compostos ao longo dos últimos dez anos
configuram uma estrutura de marcante desigualdade, muito embora mantenham o liame comum que oscila entre a interpretação da obra levinasiana e a inspiração, ainda que remota, desde esta obra.

E “ensaio” tem aqui o seguinte sentido: um estudo que vai além de meras interpretações endógenas, criando parâmetros paralelos de reflexão e reafirmando a crítica latente. Dito de outro forma, textos que intentam criar a própria linguagem e estilo nos quais são tecidos.

O primeiro ensaio, “O delírio da solidão – o assassinato e o fracasso original” inaugura também a Primeira Parte – Estruturas - com um espírito de radicalidade, procurando levar o leitor, sem excessivas circunvoluções explicativas, ao núcleo por assim dizer essencial do pensamento levinasiano, através da análise de uma concretude irredutível ao mero pensamento, e da tensão que então se cria no interior da própria racionalidade.

Do ponto de vista didático, o segundo ensaio – “Fulcro da história, urgência do pensamento – sobre a compreensão do conjunto da obra de Levinas – um ensaio introdutório”- é realmente o primeiro: ele procura introduzir algumas categorias importantes da obra levinasiana. 

O terceiro ensaio, “Ontologia e fundamentos – sobre ‘A ontologia é fundamental?’”, compõe, juntamente com o quarto, o quinto e o sexto ensaios, um conjunto de estudos interpretativos de aspectos fundamentais do pensamento do autor, respectivamente: o famoso questionamento do primado absoluto da ontologia enquanto filosofia primeira; a paradoxal idéia de uma “consciência não-intencional” e suas conseqüências; a categoria primogênita e normalmente mal-compreendida de “infinito ético”; e a temporalidade real como dimensão alternativa ao modelo de conhecimento baseado no fixismo intelectual-representativo e sincronizante do logos.

A segunda Parte, Interfaces e mais além, pretende um adensamento do conteúdo especulativo, ao mesmo tempo em que se propõe como, justamente, um complexo de interfaces dialogais com alguns temas importantes da filosofia e da cultura, especialmente neste contexto preciso e difícil de transição de século. 

O primeiro ensaio da série – “Alteridade e Pós-modernidade – sobre os difíceis termos de uma questão fundamental” – avança no sentido de uma discussão de fundo com temáticas caras a alguns modelos recorrentes do fenômeno “pós-modernidade” (ou, antes, “pós-modernidades”). 

O ensaio subseqüente, “Da neutralização da diferença à dignidade da Alteridade – Estações de uma história multicentenária”, pretende se constituir no estudo de maior fôlego especulativo, ao investigar aquilo que consideramos o paradoxo central do pensamento ocidental: a necessidade da “manutenção” da Diferença (para poder simplesmente pensar) e a necessidade de identificação da Diferença em uma igualdade ou identidade (para que a Diferença não “desorganize”, com sua alteridade, a construção do edifício lógico-racional).

Esta tensão, a tensão da filosofia,
é aqui examinada desde o ponto de vista 
da necessária manutenção
da dignidade da Alteridade. 

O nono ensaio do livro e terceiro da série – “Ética e Espírito – sobre Deus e a Religião no pensamento de Levinas” – aborda tema espinhoso, especialmente fecundo em termos de incompreensões de base, mas extremamente importante para a compreensão da obra levinasiana como um todo e das diferentes dimensões que ela continuamente abre. 

O último ensaio do livro, finalmente, investiga a análise de parte da obra de Levinas a que procede Ricoeur em seu livro Outramente. Mais uma vez, certas incompreensões de origem são levantadas, mostrando o nível de estranheza que atinge o campo filosófico mais tradicional – mesmo em suas parcelas mais lúcidas – quando se percebe a veracidade do dito de John Caputo: “(O projeto de Levinas) não era suplantar a filosofia, mas sim chocá-la, expondo-a a algo diferente dela própria”3. Reações como a de Ricoeur – sempre um interlocutor abalizado - mostram que, se este foi o objetivo de Levinas, ele foi plenamente alcançado. 

Que tal sirva de exemplo e motivação a outros leitores lúcidos e pouco tementes de se perderem nas sendas da Diferença real.
R. T. S., dezembro/1999.
Introdução
“A ética não trata do mundo. A ética deve ser
uma condição do mundo...”

L. Wittgenstein4
 
É provável que uma das mais complexas características do tempo contemporâneo, aquilo que constitui o fundo de sua mais disseminada doença, seja a insidiosa infiltração, no espírito, de um tempo patológico - doença sem cura, a não ser, tragicamente, o próprio tempo, reinvestido de seu sentido próprio, não cumulativo nem matemático, mas acontecente como um provocante novum.

A falência crescente de éticas prescritivas-normativas expõe uma chaga profunda no horizonte da atualidade, e traz ao presente, em toda a sua abissal lucidez, a famosa frase de Wittgenstein.

Por se ter tentado fazer da ética um adereço bem-pensante dos dilemas infinitos da neutralidade, esta acabou por se desvanecer em seu contrário, invertendo-se em crédito do perfeitamente dispensável. Por se haver confundido a ética com um aspecto do mundo, não é visível seu sentido, exatamente, de mundo inteiro, com toda sua carga de dizível e indizível, de visível e invisível. Vive-se não de seu vigor, mas de seu espectro.

Tem-se tornado cada vez mais difícil, ultimamente, a percepção clara do clássico problema que, equacionado ao seu feitio pela psicologia e pela sociologia, torna-se a medula de muito do que se tem feito em filosofia ao longo do século XX:

a distinção
entre o especificamente “concreto” do humano 
- a sua humanidade “particular”, propriamente dita -,

e o conjunto virtualmente infinito de realidades que aureola esta realidade concreta: projeções, aparências, interpolações e desvios, sombras, medos, construções diversas, robôs, eventualmente clones, que podem vir a acompanhar intimamente esta concretude. Pois sabe-se que o humano enquanto espessura viva e irrepetível se pode ferir e matar - mas o mesmo não acontece, normalmente, com suas projeções e construções (talvez com os robôs, certamente com os clones?) - pelo menos não no mesmo sentido.

Postulemos assim, desde este intróito, uma demarcação do “humano” bastante modesta, mas que nos servirá de ponto de partida e fixação de perspectiva de exame, mesmo com toda sua precariedade: humano é aqui, em princípio, o que é passível de ferimento e assassinato por parte de alguém. E, não obstante, esta demarcação traz em si já certos aspectos que não conviria descurar.

Destaquemos três desses aspectos fundamentais.

O primeiro, e mais importante, é que esta circunscrição do termo pressupõe a priori uma espécie de relativa não-solidão original: ninguém pode ser ferido ou morto por alguém sem que esse alguém esteja em uma situação de relação e aproximação do alvo de seu impulso de ferir ou matar: há uma indeclinável relação entre, no mínimo, dois, mesmo que um - o potencial assassino - esteja a milhares de quilômetros de distância, ordenando o disparo de algum míssil ou o envenenamento de alguma fonte.

Em segundo lugar, esta perspectiva traz consigo uma simplicidade extrema, que se abstém de abordar a racionalidade infinitamente complexa que cerca o fato de que alguém pode ser um assassino altamente indireto, oculto, insuspeito, justificado por uma multidão de circunstâncias, incrustado no corpo de um vasto “sentido de legitimação” com sua “inteligibilidade própria”; que alguém, por exemplo, possa vir a tornar-se, pela complexidade das circunstâncias, um assassino por procuração temporal ou espacial, sem que a consciência de tal fato, nem para a vítima, nem para os possíveis circunstantes, nem mesmo, em certos casos, para o próprio assassino, abandone a penumbra e o volume excessivo de elementos que em realidade contextualizam o acontecimento do assassinato; assim, por exemplo, a questão de quem, dentro de uma junta de governo nas circunstâncias de um golpe de estado, é responsável pela morte daqueles que procuram refúgio em uma país vizinho; ou que, em uma turba exaltada, é o responsável direto pelo linchamento de alguém.

As coletivizações, nesses casos, podem ser muito confortáveis para os atores (que procuram, quando de um eventual julgamento, refugiar-se exatamente naquilo que não possuíam quando cometeram seus crimes: o anonimato; vejam-se os criminosos nazistas ou os assassinos de esquadrões da morte, ou outros crimes hediondos), e isso na mesma proporção em que são desconfortáveis para analistas ou juízes; em nenhum dos casos, porém, o fato de que alguém morreu por ação de outrem pode ser minimamente escamoteado.

Trata-se, esse fato, da pedra de toque da questão inteira, e sua condição de acontecimento definitivo anula todas as teias que pretendem extirpar sua “unicidade” - é exatamente aí que falham todas e quaisquer generalizações e neutralidades. Pois ferir alguém, ou matá-lo, é um gesto não-geral (ainda quando ordenado o ato de dizimar todo um povo por representantes do poder) e não-neutro por excelência (ainda que perpetrado por meios high-tech), mas, exatamente, um gesto único, porque únicos são os participantes do drama - mas um drama que somente pode acontecer no plural dos designativos e que, portanto, traz em si, de forma absolutamente conatural, a “sociabilidade” original de tudo o que é humano.

E o humano é também o fulcro desta dialética 
entre o único e a socialidade do plural.

E, em terceiro lugar, estamos a ver aqui com uma simplicidade fática, “acontecente”, que se desvia decididamente das circunvoluções do discurso labiríntico e tautológico e dos entretecidos simbólicos de complexidade quase inabordável.

O assassinato de alguém por outrem é um acontecimento único, simplex, de uma intensidade única, por certo gerador potencial de um complexo discurso analítico e de uma vasta simbologia interpretativa; não está, porém, afeito a priori a nenhum discurso e a nenhuma simbologia, ou seja, não se explica - o que significa aqui: não se esgota - nem por sua interpretação e nem em sua semiótica, por mais brilhantes que essas sejam.

E isso porque o assassinato - no modelo simples e direto que aqui utilizamos - ocorre, exatamente, em um preciso e irrepetível instante, ao passo que os volteios e explicações de todo tipo exigem uma quantidade de instantes sucessivos, logicamente interligados, ao longo dos quais se possam desenrolar os diversos passos de sua lógica, sua geometrização em algum “círculo” hermenêutico ou em um asséptico quadrilátero de legitimação no interior do qual tudo se desenrola.

Este assassinato, em sua forma pura, não admite gradações ou relativizações; enquanto dado de realidade, é isso e apenas isso: um dado de realidade - uma realidade necessariamente fechada em si mesma, de certo modo completa e irrepetível, um fato, em sua ancestralidade etimológica, “perfeito”, concluído em definitivo.

Assim, essa aproximação do humano, se peca por uma aparente ultra-simplificação (baseia-se na possibilidade paradoxal de conceber uma virgindade simbólica quase impossível), ressalta a tensão básica que efetivamente habita cada ser humano individual: a convivência original de um único que nunca está só: todos somos únicos, e todos somos potencialmente vítimas de assassinato, como potencialmente assassinos.

Somos únicos
mas definitivamente unidos;
enquanto unidos, definitivamente diferentes.
E, dada a necessidade crescente de compreender as sociedades complexas, não é de se admirar a proliferação de conceitos que tentam abarcar esse estranho drama.

Chega-se, assim, a noções mais instrumentais e genéricas, onde o humano expressa-se sob a forma de um complexo coletivo-cultural, a base de uma teoria das comunidades e das sociedades, onde a antropologia e a sociologia, como a psicologia social e a economia, têm, cada qual, muito a dizer.

Mas, não obstante, parece ser cada vez maior a confusão entre aquele ser coletivo-cultural, genérico, a que se tem chamado tradicionalmente de humano, e as suas infinitas expressões no mundo contemporâneo, os simulacros, as caricaturas, os infinitos substitutos que se apresentam em seu lugar, as infinitas mercadorias e sua glorificação em meio às quais o humano propriamente dito, precário em sua simplicidade irredutível a um algarismo, acaba por se perder, porque se perde a dimensão simples de sua origem: sua irrepetibilidade.

Estamos novamente no ponto de partida, mas, interessantemente, também em um digno ponto de chegada. A confusão com suas projeções e infinitos sentidos pelo qual pode o “humano” ser compreendido, ou por cujo viés se pode dar a aproximação com esse espinhoso tema, desemboca geralmente no lugar comum do manuseio deliberado, econômico ou de outro teor, de sua substância mais íntima: mais uma vez, sua irrepetibilidade.

E os tempos modernos e pós-modernos - através de algumas de suas figuras paradigmáticas e proliferadas, os “homens da noite” que se “esconde(m) na noite, trocando o dia do trabalho e da edificação pelo modo animal de vida das feras que buscam a presa, tramando contra o fraco e executando os golpes sem se mostrar, escondido(s) da luz”5 - esses tempos difíceis se especializaram nisso: em espezinhar e violentar essa irrepetibilidade. O túnel, nesta direção, é sem saída: culminará no que Alain Finkielkraut chamou de “Humanidade perdida”6 e Eric Hobsbawm de “A era das catástrofes”7, onde estes designativos apocalípticos trazem à memória a possibilidade real da Hecatombe final.

Trata-se o nosso tema, portanto, de uma questão que, embora simplificada, atinge o cerne da possibilidade de sobrevivência do humano: o problema, neste final de século, parece ser exatamente uma urgentíssima reconsideração radical do humano, onde se evitem os desvios idealistas ou de outro teor e outras mega-construções totalizantes, que nada mais fazem do que levantar contínuas cortinas de fumaça sobre as questões reais, enviando-as para a dimensão de meros jogos de conceitos intelectualmente bem-acabados que, como bem tem ensinado a história, são bem mais flexíveis do que gostariam de crer seus autores: neles cabe muita coisa, inclusive a negação real - ou seja, no âmbito e no decorrer áspero do dia-a-dia - de seus bem-intencionados propósitos.

Em termos mais diretos, está-se às voltas com a necessidade impostergável de penetrar novamente na utopia do humano, na feliz expressão de Catherine Chalier8. Esta não é uma questão de deleite intelectual, mas de mera sobrevivência real; e, nesse esquema tão agudamente agressivo, a filosofia não pode ficar calada.

A obra de Levinas é, 
neste sentido, uma expressão aguda
deste não-calar-se.

Os textos a seguir têm como preocupação central o exame de diversos aspectos, entre os mais fundamentais, que habitam o cerne da obra filosófica de Emmanuel Levinas e podem viver a contribuir para sua maior inteligibilidade no que diz respeito, exatamente, a este estranho humanismo em contracorrente, com ares simultâneos de indivisável ancestralidade e de ultra-atualidade.

Não se trata de uma introdução a esse pensamento, mas de uma introdução a temas diversos que, de alguma forma, contribuem para a sustentação desse pensamento enquanto edifício intelectual de muitos andares e ambientes, referências e proveniências, e cuja mera existência já provoca à vida muitas e difíceis conseqüências - e, se

é verdade que a questão é 
a reconsideração radical do humano,
há que chamá-las conseqüências radicais
para a difícil reconsideração profunda do humano  
que os tempos estão a exigir unânime e urgentemente. 

E, se tal se pode dar filosoficamente, que o seja pelo retesamento extremo de conceitos tão ricos e importantes como “ser” e “consciência”, vida e morte; um retesamento pelo menos até seus limites, onde estes se tornem indisfarçáveis.
 


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Fonte:
Sentido e Alteridade
DEZ ENSAIOS sobre o pensamento de
Emmanuel Levinas
Porto Alegre - 2009
http://www.pucrs.br/edipucrs/sentidoealteridade/pag1.html
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

Nenhum comentário: