terça-feira, 26 de julho de 2011

REICH E SPINOZA



Reich e Spinoza:
Caminhos comuns no conceito de Natureza  

  Diego Dantas Barcelos -(1)    Juliana Ramos  - (2)

Resumo: Este artigo pretende discutir a idéia de Natureza a partir das contribuições teóricas dos autores Wilhelm Reich e Spinoza (à partir da Leitura de Gilles Deleuze). Aqui fazemos um breve questionamento do funcionamento atual da relação Homem\Natureza e levantamos uma série de questões a respeito do momento atual em que percebemos uma extrema modificação desta ligação.

Palavras-chave: Natureza, Pulsação, Potencia Orgástica, Liberdade.
Ocupamos lugares e lugares nos ocupam. Desde que nascemos vestimos personagens de filho, aluno, hiperativos, tímidos, etc. Quem nunca teve de reprimir algum tipo de emoção para evitar uma possível represália? 

Quem nunca teve de vestir algum personagem 
para poder “viver” no cotidiano? 
Será que é necessário haver repressão das emoções 
para poder ter um convívio social?

Será necessário abdicar da cultura e meditar 
por anos na montanha para viver 
espontaneamente como a natureza vive?

Como transitar nesta cultura teatral que a todo tempo nos convida a ocupar lugares que necessitam de fantasias, papeis, atores, barbas, caras e bocas congeladas, e também experimentar o mundo vivo da natureza, que pulsa constantemente fora e dentro de nós.

“as energias vitais regulam-se a si mesmas naturalmente, sem qualquer obrigação compulsiva ou moralidade compulsiva- ambas, sinais certos da existência de impulsos anti-sociais. As ações anti-sociais são a expressão de impulsos secundários. Esses impulsos são produzidos pela supressão da vida natural, e estão em contradição com a sexualidade natural” (função do orgasmo, pg 16)

Podemos ver os animais, mesmo sem entender como fazem, estarem em contato com os fenômenos naturais de maneira a preservar e potencializar a sua existência. Vimos há pouco um fenômeno que foi chamado “tsunami” que em massa atingiu o animal humano desprevenido. E estupefatos observamos que a maioria dos animais se antecipou ao fenômeno, fugindo.

Porque o animal humano não pressentiu isso? 

Não somos todos animais fazendo parte da mesma natureza? 

Seria a inteligência que nos difere? 

A nossa capacidade de sentir, pensar e raciocinar?

Desde sempre aprendemos que o animal humano se sobrepõe aos outros animais devido a inteligência. Dê qual inteligência estamos falando? Fomos inteligentes permitindo a morte de milhares de animais humanos, enquanto os outros animais fugiram para sobreviver?

Somos capazes de construir um sistema de organização social complexo, mas nossa inteligência para sintonizar com a natureza está despotencializada.  Como homem perdeu o contato consigo mesmo?

Essa reflexão nos convoca ao pensamento de Espinosa.  Em sua concepção de Natureza como Deus ele rompe com o pensamento tradicional transcendental que coloca Deus como onipotente, onipresente e como criador de tudo. Ele compreende Deus como Natureza, como força ativa, aquilo que produz tudo que existe. Deus/Natureza, que Espinosa chama de Natura-naturante  é uma força ativa por que produz e não é constrangido por forças externas, é livre na sua expressão espontânea.

Partindo dessa concepção ele começa a pensar se o homem é livre, considerando liberdade como atividade, como produção sem constrangimento, ele diz;
 
“É livre o ser que ao agir 
efetua sua natureza”.

Por vários momentos somos obrigados a nos contrair, mas, precisamos carregar as contrações para todas as experiências? Se, estamos em contato com a natureza tomando um banho de rio, porque tendemos a pensar no que já fomos, ou que seremos, porque é tão difícil viver a experiência plena, no presente, sem rigidez, em contato com a  vida e com todo  o meu corpo? O que acontece?

Por que vemos tão poucos homens livres? 

Esta é uma questão nossa, de Espinosa e de Reich. A liberdade para Espinosa é equivalente ao que Reich chama de potência orgástica. O homem, para Reich, é capaz de ser livre quando consegue expressar-se, espontaneamente e sem constrangimentos. O ser potencialmente orgástico consegue se entregar plenamente as relações e produzir nos encontros. O ser sente o pulsar dentro de seu corpo e na natureza de maneira única.

“O homem é parte da natureza, 
ele surgiu das funções naturais, 
não é possível ser de outro modo” 
 (éter, Deus e Diabo, pg 192)

“o restabelecimento da potência orgástica é o restabelecimento do contato do ser com seus fluxos energéticos, fluxos de vida, fluxo este que está em tudo o que é vivo, que expande e se contrai” (Função do orgasmo)

Reich constatou, através de sua experimentação, que havia um movimento uno em toda substancia viva: a Pulsação (movimento de contração e expansão). Tanto o sistema simples de uma ameba como de um corpo humano esse movimento ocorre.    

O minucioso estudo que Reich realizou
tanto em animais unicelulares como a Ameba, 
quanto em seres humanos, mostra como as forças externas 
que constrangem um corpo influem diretamente 
neste pulsar natural de expansão e contração.

Uma ameba é constituída por um centro, o núcleo, e por uma membrana plasmática. Seus movimentos naturais são de contração, em direção ao centro; e expansão, em direção a periferia, a membrana, mesmo quando esta em suporto repouso. Em uma experimentação, Reich,  com uma agulha espetava sua membrana toda vez que corria o movimento de expansão e observou como a ameba reagia ao constrangimento desta força externa. Percebeu que o movimento de expansão começou a se tornar limitado, a ameba já não se expandia como antes, começou a se moldar devido a forças externas.

No animal humano, podemos pensar a agulha, que reprime o movimento pulsátil, como vários  mecanismos que sustentam o funcionamento atual da sociedade. Como por exemplo; a família sexualmente repressiva e autoritária, a escola como uma extensão repressora, o casamento compulsivo (relacionamento baseado em relações de poder e regras ditadas pelo externo, pela condição da cultura da época e não baseado no desejo, na lei intima, na  auto-regulação e na liberdade dos seres), etc

“A linha de compulsão é a linha de menor resistência. É mais fácil exigir disciplina e impô-la autoritariamente do que ensinar as crianças a sentirem prazer no trabalho independente, e a assumir uma atitude natural diante da sexualidade. 

É mais fácil declarar-se a si mesmo um fuhrer onisciente enviado por Deus, e decretar o que milhões de pessoas devem pensar e fazer, do que se expor à luta do choque de opiniões entre a racionalidade e a irracionalidade. É mais fácil insistir na satisfação legal do respeito e do amor, do que conquistar a amizade por meio de um comportamento bondoso.

É mais fácil vender a própria independência com vistas a segurança material, do que levar uma existência responsável e livre, e ser o senhor de si mesmo. É mas conveniente ditar o comportamento aos subordinados, do que guiar esse comportamento protegendo aquilo que apresenta de singular”.(Função do Orgasmo, pg 25)

Como posso sentir o cheiro da rosa com a angústia do medo de um tiroteio? Como posso viver em expansão se os jornais, revistas, pais e professores com seus medos nos convidam a contrair?
Quando o tiroteio causa uma experiência de contração nossa energia migrará para o centro do organismo, nossa mente estar mais preocupada em nos defender, fazendo o cheiro se tornar menos perceptível.

Em contrapartida, na cachoeira, em um lugar seguro, somos convidados a expandir, relaxar e sentir plenamente. Se, estamos contraídos constantemente a natureza se torna imperceptível e o nosso equilíbrio biológico está de alguma forma comprometido.

            Portanto, se estamos em constante tiroteio, estamos sempre ocupando o lugar de contração ficando cada vez mais difícil pulsar entre contrair e expandir. Quando a contração ocorre constantemente, fechamos de algumas formas as portas de contato com o mundo externo, diminuímos a nossa capacidade de sentir, e nos protegemos nos abrigos dos pensamentos, perdendo assim a capacidade de vivenciar com prazer atento a experiência de um contato pleno com a natureza.

            Neste cenário refazemos a pergunta de Espinosa, 

O que pode um corpo?
Pois observamos que apesar de todo constrangimento
ainda existe uma natureza pulsante. 

O Corpo que é constrangido desde a gestação,
o parto, a escola e trabalho, ainda sim produz.      

            Acreditamos que mesmo com tantas forças externas que constrangem o ser, existe o que o Reich fala de anseio cósmico, uma inclinação do animal humano para a busca desta liberdade, a busca da possibilidade de criar seu próprio personagem, podendo colocar e tirar máscaras que quiser, atuando com liberdade e criatividade.

Bibliografia
DELEUZE, GILLES.
Espinosa-Filosofia Prática. Trad. Daniel Lins e Fabien Pascal Lins.SP: Ed.
Escuta, 2002.
LOWEN,A
. Bioenergética. São Paulo: Summus, 1982.
NAVARRO,F.
Metodologia de la vegetoteparia-caracteroanalitica. Valencia:
Publicaciones Orgón, 1993.
REICH,W
. A função do orgasmo. São Paulo: Brasiliense, 1983.
REICH,W.
A revolução sexual. . São Paulo: Círculo do Livro S.A, 1984.
REICH,W
. Análise do carater. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
REICH,W
. O Éter, Deus e o Diabo.Superposição Cósmica. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

  -1 -

  Diego Dantas Barcelos

Formado no curso psicologia pela Universidade Federal Fluminense e Terapeuta Reichiano formado pela Rede Reich. 

  Juliana Ramos 

  - 2 - Formada no curso de Psicologia pela Universidade do Estado de Rio de Janeiro, Terapeuta Reichiana formada pela Rede Reich e Gestalt-terapeuta formada pela Clínica Sê-Mente.
Fonte:
Rede Reich
http://www.redereich.com/1024%20x%20768/texts%20%28autores%29/texto_reich_spinoza.htm
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

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