Teilhard e a noção do Cristo cósmico
O ímpeto de confiança
que o cientista e jesuíta
tem com o mundo das ciências
e das técnicas
Ao falar sobre o legado de Teilhard de Chardin (foto) para nossos dias, o frei dominicano Jacques Arnould declara que retém de Chardin “primariamente o ímpeto de confiança que ele tem com o mundo das ciências e das técnicas, juntamente com a exigência que ele mostra com o mundo da filosofia e da teologia”. E completa: “Confiança e lucidez, curiosidade e espírito crítico: eis, em algumas palavras, o que eu gostaria de responder”.
Arnould reflete sobre a atualidade do cientista e jesuíta e considera que “o dia em que nossa humanidade não contará mais com homens e mulheres da têmpera de Teilhard, que ousem crer na humanidade, em Deus, no futuro, contra toda expectativa, então a humanidade estará próxima de seu fim. Estou convencido que tais momentos já estiveram em risco de ter lugar no passado; mas também estou persuadido que nossa época nos lança um mesmo desafio”.
O dominicano Jacques Arnould é engenheiro agrônomo, doutor em História das Ciências e em Teologia. Ele tem como áreas de interesse em suas pesquisas as relações entre as ciências, culturas e religiões, mantendo particular interesse por dois temas: os seres vivos e sua evolução, o espaço e sua conquista. Consagrou vários livros e artigos de história e teologia ao primeiro tema. Com relação ao segundo tema, desde 2001, trabalha como responsável pela missão no Centro Nacional de Estudos Espaciais (Centre National d’Etudes Spatiales) na dimensão ética, social e cultural das atividades espaciais.
Confira a entrevista:
Qual a importância e atualidade de Teilhard de Chardin neste cenário de crise financeira e ambiental que estamos vivendo?
Eu devo confessar que jamais pensei particularmente em Teilhard de Chardin nesta época de crise financeira. É, sem dúvida, uma falha, na medida em que esta crise poderia marcar uma ruptura importante na história da humanidade... Mesmo se, até o presente, eu tenha antes a impressão de que os governos, os responsáveis políticos e econômicos tenham procurado impedir esta ruptura.
Não tenho nenhuma competência para falar sobre isso, mas, como a maioria das pessoas, sou realmente obrigado a reconhecer que “o mundo está em chamas”, para retomar uma palavra que não é de Teilhard, mas de Teresa de Ávila. Até onde é possível manter sistemas econômicos fundados exclusivamente no progresso, no único “sempre mais”? Então, se eu tivesse que evocar o pensamento de Teilhard nesse contexto, eu antes me perguntaria: tem ele realmente algo a nos dizer, ele que estava tão convencido do progresso geral do mundo? Paradoxalmente, creio que sim.
Quais os caminhos que Chardin indica para a saída da crise ecológica e da crise de valores (morais, cristãos) em que se encontra a humanidade hoje?
É, com efeito, em relação aos valores, que as obras de Teilhard de Chardin merecem, sem dúvida, ser relidas e sua própria existência ser redescoberta (pois eu não posso separar a vida da obra do pensamento deste homem). Ele também vivenciou diversas crises, diversas rupturas mundiais; não esqueçamos que ele nasceu na França, em 1881, e morreu em Nova York, em 1955.
Ele atravessou, portanto, duas guerras mundiais, a Grande Crise de 1929 etc. O que parece extraordinário nele é sua fé inquebrantável, sua confiança encarniçada no movimento da vida, na aventura humana. Ele jamais se refugia na retaguarda, mas corre aos postos avançados, ao front, persuadido de que um futuro é sempre possível e que este futuro deve necessariamente ser melhor que o presente. Não para cada indivíduo, mas ao menos falando globalmente. Porque Teilhard vê as coisas em nível macro, não que ele esqueça as pessoas (ele tem tantos amigos!), mas sua visão é sempre “elevada”: ele considera sempre as vagas sucessivas da evolução, da história.
Como se dá a relação entre Filosofia, Teologia e Ciência em Teilhard de Chardin?
Eu não ignoro os embaraços e questões de Teilhard com as autoridades romanas; mas também não iria até o ponto de dizer que ele seja um exemplo perfeito das relações a promover entre a filosofia, a teologia e a ciência. Não é certo que Teilhard já tivesse escolhido a atitude mais pastoral e mais lúcida, em todo o caso, certamente não a mais prudente. Este é um assunto sobre o qual haveria muitas coisas a dizer e a debater, principalmente entre os amigos de Teilhard e aqueles que menos o apreciam... Mas, de Teilhard eu retenho primariamente o ímpeto de confiança que ele tem com o mundo das ciências e das técnicas, juntamente com a exigência que ele mostra com o mundo da filosofia e da teologia.
Ele viveu no meio dos cientistas, fez aí numerosos amigos; tomou posição nos debates científicos, sob o risco de se enganar e de defender causas perdidas; mas, nessa época, ninguém pôs em causa a qualidade de seu engajamento no seio desse mundo. Vale o mesmo para o meio teológico: ele só tinha, todavia, amigos e, no entanto, não cessou de esperar dos intelectuais cristãos que eles levassem a sério o mundo das ciências e as questões que este então levantava... e que ainda levanta. Confiança e lucidez, curiosidade e espírito crítico: eis, em algumas palavras, o que eu gostaria de responder.
Qual a atualidade das frases de Teilhard “não tenhais medo” e “tenha confiança na vida” diante dos avanços tecnológicos contemporâneos?
Você tem razão: a mensagem de Teilhard se inscreve na linha daquela de Páscoa e prefigura as primeiras palavras do pontificado de João Paulo II. Não tenhamos medo, tenhamos confiança nesta vida que vem de tão longe, de uma dimensão tão profunda, para nos soerguer e que nos ultrapassará bem após nosso desaparecimento. Teilhard sempre esteve entusiasmado pelos progressos tecnológicos, sujeito a lhe faltar um pouco de lucidez. Mas, não esqueçamos que ele morreu em meados do século XX; raros eram, então, os que começavam a distinguir os possíveis malefícios das técnicas modernas. Einstein, que morreu no mesmo ano que ele, tinha, apesar de tudo, visto e denunciado os danos da bomba atômica; Teilhard só tinha visto as proezas tecnológicas das pilhas nucleares. Talvez seja preciso aliar o entusiasmo de Teilhard (eu não falaria necessariamente de sua confiança) e a lucidez crítica de Einstein para abordar atualmente as realizações tecnológicas antes de falar de progresso.
Qual o sentido do mal e do sofrimento para o ser humano contemporâneo? Teilhard teria a mesma fé no fenômeno humano atual?
Por que a posição, ou a fé, como você diz, de Teilhard teria mudado? Você pensa que nosso mundo seria hoje mais (ou menos) marcado pelo sofrimento do que aquele de Teilhard? Pessoalmente, não o creio. Foi com frequência censurado a Teilhard o fato de parecer ignorar a existência do mal, do sofrimento dos humanos. Ele tenta dar-lhes uma explicação, um sentido ao termo de seu livro O fenômeno humano. Ele fala do caráter finito, limitado, imperfeito do mundo em evolução, da mesma forma como o Catecismo da Igreja Católica partirá da criação a caminho, de aperfeiçoamento em aperfeiçoamento. Mas Teilhard constata e deplora um excesso de mal, incompreensível; ele fala de um caminho de cruz. Não penso que tenhamos avançado mais do que ele, tanto no bem como no mal. No que me diz respeito, não me sinto à vontade com os discursos que pretendem que a humanidade jamais tenha sido tão perversa, etc. Não pequemos por orgulho, pretendendo ser piores do que nossos predecessores.
Por que o senhor acha que Teilhard se encantaria com a Internet?
Ouvi muitas vezes, como você, que Teilhard poderia ser considerado como o profeta da Internet. Digamos ao menos que ele viu nascer uma consciência humana planetária. Ele próprio percorreu o mundo, graças a meios de transporte cada vez mais eficazes (embora jamais tenha realmente apreciado o avião), e conheceu os primeiros passos da noosfera. Ele pensou, então, que a humanidade iria viver uma nova etapa, a da noosfera, da qual ele, sem dúvida, teria reconhecido uma bela realização na prática da Internet. Aliás, por que não fazer dele o santo padroeiro?
Podemos vislumbrar um futuro de esperança, com um rosto humano, ou até de um Deus cósmico, para o cenário de crise atual?
Não sei se podemos entrever o que quer que seja. Nós somos os responsáveis por esta crise; sua saída está, pois, em parte, em nossas mãos (pois sabemos também que há processos realmente já lançados, que não controlamos mais). É a nós que cabe a tarefa, não de entrever, mas de dar a esta crise uma fisionomia humana, ou melhor, de orientá-la para Deus. Para tal, é preciso, sem dúvida, sair do discurso que só pensa no que seria preciso FAZER; é absolutamente necessário interrogar-se sobre o que nós queremos SER. Isso não é fácil, pois não é algo que se regula a golpes de plano econômico, nem mesmo de grandes slogans, do estilo desenvolvimento sustentável etc. E nós temos tal pavor de nos interrogar sobre a fisionomia que gostaríamos de dar à humanidade de amanhã! Preferimos de tal modo permanecer onde estamos, persuadidos de que todos os problemas se resolverão, que tudo voltará a ser como antes... Sinceramente, ainda é possível acreditar nisso?
Pensando no diálogo entre Teilhard e Darwin, qual a atualidade da ortogênese, defendida por Teilhard em relação à evolução humana?
Devo confessar que sempre tive dificuldade para compreender exatamente o que Teilhard entendia por ortogênese. Será uma direção fixada, determinada da evolução? Sem dúvida, não. Mas então, que lugar deixar ao acaso? Teilhard, parece-me, não deixou ideia precisa, digamos definitivamente fixada. Acaso, finalidade, determinismo, contingência: essas são questões amplamente debatidas no seio da comunidade científica e além da mesma.
Elas não estão muito distantes da questão tão clássica em filosofia: por que existe algo antes do que nada? É preciso que permaneçamos modestos em nossas respostas, ao mesmo tempo em que claros a propósito do registro no qual nos situamos. De um ponto de vista teológico, creio que a criação é determinada, já que ela está imersa na vontade criadora de Deus; mas, do ponto de vista científico, só posso constatar a presença de processos aleatórios. Por trás desta questão, esconde-se aquela da possibilidade (ou da impossibilidade) para um espírito humano de apreender o decurso do tempo, o sentido da história... na medida em que ele próprio está nisso mergulhado!
Como podemos atualizar hoje, em nosso contexto, a ideia de Cristo cósmico levantada por Teilhard de Chardin?
Aí você evoca uma contribuição extremamente importante da obra de Teilhard: a de ter redescoberto a noção de Cristo cósmico. Ela era familiar aos padres da Igreja, mas a tradição ocidental se reduziu muito frequentemente à questão da salvação das almas, esquecendo que existe o cosmos. Dito isso, as ciências modernas dão atualmente ao cosmos tais dimensões, que se torna quase assustador pensar de um ponto de vista humano e cristão: o que somos nós na escala do universo, espacial e temporal? Teilhard tem realmente razão de lhes exigir abrirem sua fé nas dimensões do Universo. Mas isso é, ao mesmo tempo, um pouco assustador, não? Seria preciso que nos habituássemos pouco a pouco, passo a passo.
Em sua opinião, a partir da vida e do pensamento de Chardin, como seria a nossa Terra e nossa humanidade se nós perdêssemos a fé?
A fé em quê? Em Deus, no homem, na vida? O que é extraordinário, no pensamento de Teilhard, é que tudo está aí para que ele mergulhe na depressão (ele era, aliás, depressivo), no pessimismo; mas, sua vontade e sua fé são mais fortes. Por vezes é até surpreendente vê-lo se debater, autopersuadir-se: ele não pode acreditar que o mundo seja sem finalidade, sem saída; e então ele decide crer... e age em consequência.
É certo que o dia em que nossa humanidade não contará mais com homens e mulheres da têmpera de Teilhard, que ousem crer na humanidade, em Deus, no futuro, contra toda expectativa, então a humanidade estará próxima de seu fim. Estou convencido que tais momentos já estiveram em risco de ter lugar no passado; mas também estou persuadido que nossa época nos lança um mesmo desafio.
Como se dá, em Teilhard de Chardin, a relação entre Cosmogênese, Biogênese, Noogênese, e Cristogênese?
Esta visão, toda teilhardiana, evidentemente continua sendo mais filosófica e teológica do que científica. Ela é literalmente grandiosa, à maneira dos relatos bíblicos que falam da criação. Ela por vezes até esquece a questão do mal, do fracasso possível, do sofrimento. Mas coloca um elemento fundamental da fé cristã: o sentido do mundo se encontra sempre mais à frente, na figura do Cristo, primeiro ressuscitado, imagem perfeita de Deus, em quem se recapitulará toda a história do Universo.
Encontramos o “Não tenhais medo!”: devemos admitir não poder compreender tudo desde agora, mas podemos, não obstante, inserir nossos pensamentos, nossos desejos, nossa fé, nosso amor a qualquer coisa, muito mais em Alguém que está diante de nós. Teilhard, este homem com os pés ao vento, já percorreu este caminho à sua maneira. Resta-nos inventar, cada um de nós, o nosso.
Arnould reflete sobre a atualidade do cientista e jesuíta e considera que “o dia em que nossa humanidade não contará mais com homens e mulheres da têmpera de Teilhard, que ousem crer na humanidade, em Deus, no futuro, contra toda expectativa, então a humanidade estará próxima de seu fim. Estou convencido que tais momentos já estiveram em risco de ter lugar no passado; mas também estou persuadido que nossa época nos lança um mesmo desafio”.
O dominicano Jacques Arnould é engenheiro agrônomo, doutor em História das Ciências e em Teologia. Ele tem como áreas de interesse em suas pesquisas as relações entre as ciências, culturas e religiões, mantendo particular interesse por dois temas: os seres vivos e sua evolução, o espaço e sua conquista. Consagrou vários livros e artigos de história e teologia ao primeiro tema. Com relação ao segundo tema, desde 2001, trabalha como responsável pela missão no Centro Nacional de Estudos Espaciais (Centre National d’Etudes Spatiales) na dimensão ética, social e cultural das atividades espaciais.
Confira a entrevista:
Qual a importância e atualidade de Teilhard de Chardin neste cenário de crise financeira e ambiental que estamos vivendo?
Eu devo confessar que jamais pensei particularmente em Teilhard de Chardin nesta época de crise financeira. É, sem dúvida, uma falha, na medida em que esta crise poderia marcar uma ruptura importante na história da humanidade... Mesmo se, até o presente, eu tenha antes a impressão de que os governos, os responsáveis políticos e econômicos tenham procurado impedir esta ruptura.
Não tenho nenhuma competência para falar sobre isso, mas, como a maioria das pessoas, sou realmente obrigado a reconhecer que “o mundo está em chamas”, para retomar uma palavra que não é de Teilhard, mas de Teresa de Ávila. Até onde é possível manter sistemas econômicos fundados exclusivamente no progresso, no único “sempre mais”? Então, se eu tivesse que evocar o pensamento de Teilhard nesse contexto, eu antes me perguntaria: tem ele realmente algo a nos dizer, ele que estava tão convencido do progresso geral do mundo? Paradoxalmente, creio que sim.
Quais os caminhos que Chardin indica para a saída da crise ecológica e da crise de valores (morais, cristãos) em que se encontra a humanidade hoje?
É, com efeito, em relação aos valores, que as obras de Teilhard de Chardin merecem, sem dúvida, ser relidas e sua própria existência ser redescoberta (pois eu não posso separar a vida da obra do pensamento deste homem). Ele também vivenciou diversas crises, diversas rupturas mundiais; não esqueçamos que ele nasceu na França, em 1881, e morreu em Nova York, em 1955.
Ele atravessou, portanto, duas guerras mundiais, a Grande Crise de 1929 etc. O que parece extraordinário nele é sua fé inquebrantável, sua confiança encarniçada no movimento da vida, na aventura humana. Ele jamais se refugia na retaguarda, mas corre aos postos avançados, ao front, persuadido de que um futuro é sempre possível e que este futuro deve necessariamente ser melhor que o presente. Não para cada indivíduo, mas ao menos falando globalmente. Porque Teilhard vê as coisas em nível macro, não que ele esqueça as pessoas (ele tem tantos amigos!), mas sua visão é sempre “elevada”: ele considera sempre as vagas sucessivas da evolução, da história.
Como se dá a relação entre Filosofia, Teologia e Ciência em Teilhard de Chardin?
Eu não ignoro os embaraços e questões de Teilhard com as autoridades romanas; mas também não iria até o ponto de dizer que ele seja um exemplo perfeito das relações a promover entre a filosofia, a teologia e a ciência. Não é certo que Teilhard já tivesse escolhido a atitude mais pastoral e mais lúcida, em todo o caso, certamente não a mais prudente. Este é um assunto sobre o qual haveria muitas coisas a dizer e a debater, principalmente entre os amigos de Teilhard e aqueles que menos o apreciam... Mas, de Teilhard eu retenho primariamente o ímpeto de confiança que ele tem com o mundo das ciências e das técnicas, juntamente com a exigência que ele mostra com o mundo da filosofia e da teologia.
Ele viveu no meio dos cientistas, fez aí numerosos amigos; tomou posição nos debates científicos, sob o risco de se enganar e de defender causas perdidas; mas, nessa época, ninguém pôs em causa a qualidade de seu engajamento no seio desse mundo. Vale o mesmo para o meio teológico: ele só tinha, todavia, amigos e, no entanto, não cessou de esperar dos intelectuais cristãos que eles levassem a sério o mundo das ciências e as questões que este então levantava... e que ainda levanta. Confiança e lucidez, curiosidade e espírito crítico: eis, em algumas palavras, o que eu gostaria de responder.
Qual a atualidade das frases de Teilhard “não tenhais medo” e “tenha confiança na vida” diante dos avanços tecnológicos contemporâneos?
Você tem razão: a mensagem de Teilhard se inscreve na linha daquela de Páscoa e prefigura as primeiras palavras do pontificado de João Paulo II. Não tenhamos medo, tenhamos confiança nesta vida que vem de tão longe, de uma dimensão tão profunda, para nos soerguer e que nos ultrapassará bem após nosso desaparecimento. Teilhard sempre esteve entusiasmado pelos progressos tecnológicos, sujeito a lhe faltar um pouco de lucidez. Mas, não esqueçamos que ele morreu em meados do século XX; raros eram, então, os que começavam a distinguir os possíveis malefícios das técnicas modernas. Einstein, que morreu no mesmo ano que ele, tinha, apesar de tudo, visto e denunciado os danos da bomba atômica; Teilhard só tinha visto as proezas tecnológicas das pilhas nucleares. Talvez seja preciso aliar o entusiasmo de Teilhard (eu não falaria necessariamente de sua confiança) e a lucidez crítica de Einstein para abordar atualmente as realizações tecnológicas antes de falar de progresso.
Qual o sentido do mal e do sofrimento para o ser humano contemporâneo? Teilhard teria a mesma fé no fenômeno humano atual?
Por que a posição, ou a fé, como você diz, de Teilhard teria mudado? Você pensa que nosso mundo seria hoje mais (ou menos) marcado pelo sofrimento do que aquele de Teilhard? Pessoalmente, não o creio. Foi com frequência censurado a Teilhard o fato de parecer ignorar a existência do mal, do sofrimento dos humanos. Ele tenta dar-lhes uma explicação, um sentido ao termo de seu livro O fenômeno humano. Ele fala do caráter finito, limitado, imperfeito do mundo em evolução, da mesma forma como o Catecismo da Igreja Católica partirá da criação a caminho, de aperfeiçoamento em aperfeiçoamento. Mas Teilhard constata e deplora um excesso de mal, incompreensível; ele fala de um caminho de cruz. Não penso que tenhamos avançado mais do que ele, tanto no bem como no mal. No que me diz respeito, não me sinto à vontade com os discursos que pretendem que a humanidade jamais tenha sido tão perversa, etc. Não pequemos por orgulho, pretendendo ser piores do que nossos predecessores.
Por que o senhor acha que Teilhard se encantaria com a Internet?
Ouvi muitas vezes, como você, que Teilhard poderia ser considerado como o profeta da Internet. Digamos ao menos que ele viu nascer uma consciência humana planetária. Ele próprio percorreu o mundo, graças a meios de transporte cada vez mais eficazes (embora jamais tenha realmente apreciado o avião), e conheceu os primeiros passos da noosfera. Ele pensou, então, que a humanidade iria viver uma nova etapa, a da noosfera, da qual ele, sem dúvida, teria reconhecido uma bela realização na prática da Internet. Aliás, por que não fazer dele o santo padroeiro?
Podemos vislumbrar um futuro de esperança, com um rosto humano, ou até de um Deus cósmico, para o cenário de crise atual?
Não sei se podemos entrever o que quer que seja. Nós somos os responsáveis por esta crise; sua saída está, pois, em parte, em nossas mãos (pois sabemos também que há processos realmente já lançados, que não controlamos mais). É a nós que cabe a tarefa, não de entrever, mas de dar a esta crise uma fisionomia humana, ou melhor, de orientá-la para Deus. Para tal, é preciso, sem dúvida, sair do discurso que só pensa no que seria preciso FAZER; é absolutamente necessário interrogar-se sobre o que nós queremos SER. Isso não é fácil, pois não é algo que se regula a golpes de plano econômico, nem mesmo de grandes slogans, do estilo desenvolvimento sustentável etc. E nós temos tal pavor de nos interrogar sobre a fisionomia que gostaríamos de dar à humanidade de amanhã! Preferimos de tal modo permanecer onde estamos, persuadidos de que todos os problemas se resolverão, que tudo voltará a ser como antes... Sinceramente, ainda é possível acreditar nisso?
Pensando no diálogo entre Teilhard e Darwin, qual a atualidade da ortogênese, defendida por Teilhard em relação à evolução humana?
Devo confessar que sempre tive dificuldade para compreender exatamente o que Teilhard entendia por ortogênese. Será uma direção fixada, determinada da evolução? Sem dúvida, não. Mas então, que lugar deixar ao acaso? Teilhard, parece-me, não deixou ideia precisa, digamos definitivamente fixada. Acaso, finalidade, determinismo, contingência: essas são questões amplamente debatidas no seio da comunidade científica e além da mesma.
Elas não estão muito distantes da questão tão clássica em filosofia: por que existe algo antes do que nada? É preciso que permaneçamos modestos em nossas respostas, ao mesmo tempo em que claros a propósito do registro no qual nos situamos. De um ponto de vista teológico, creio que a criação é determinada, já que ela está imersa na vontade criadora de Deus; mas, do ponto de vista científico, só posso constatar a presença de processos aleatórios. Por trás desta questão, esconde-se aquela da possibilidade (ou da impossibilidade) para um espírito humano de apreender o decurso do tempo, o sentido da história... na medida em que ele próprio está nisso mergulhado!
Como podemos atualizar hoje, em nosso contexto, a ideia de Cristo cósmico levantada por Teilhard de Chardin?
Aí você evoca uma contribuição extremamente importante da obra de Teilhard: a de ter redescoberto a noção de Cristo cósmico. Ela era familiar aos padres da Igreja, mas a tradição ocidental se reduziu muito frequentemente à questão da salvação das almas, esquecendo que existe o cosmos. Dito isso, as ciências modernas dão atualmente ao cosmos tais dimensões, que se torna quase assustador pensar de um ponto de vista humano e cristão: o que somos nós na escala do universo, espacial e temporal? Teilhard tem realmente razão de lhes exigir abrirem sua fé nas dimensões do Universo. Mas isso é, ao mesmo tempo, um pouco assustador, não? Seria preciso que nos habituássemos pouco a pouco, passo a passo.
Em sua opinião, a partir da vida e do pensamento de Chardin, como seria a nossa Terra e nossa humanidade se nós perdêssemos a fé?
A fé em quê? Em Deus, no homem, na vida? O que é extraordinário, no pensamento de Teilhard, é que tudo está aí para que ele mergulhe na depressão (ele era, aliás, depressivo), no pessimismo; mas, sua vontade e sua fé são mais fortes. Por vezes é até surpreendente vê-lo se debater, autopersuadir-se: ele não pode acreditar que o mundo seja sem finalidade, sem saída; e então ele decide crer... e age em consequência.
É certo que o dia em que nossa humanidade não contará mais com homens e mulheres da têmpera de Teilhard, que ousem crer na humanidade, em Deus, no futuro, contra toda expectativa, então a humanidade estará próxima de seu fim. Estou convencido que tais momentos já estiveram em risco de ter lugar no passado; mas também estou persuadido que nossa época nos lança um mesmo desafio.
Como se dá, em Teilhard de Chardin, a relação entre Cosmogênese, Biogênese, Noogênese, e Cristogênese?
Esta visão, toda teilhardiana, evidentemente continua sendo mais filosófica e teológica do que científica. Ela é literalmente grandiosa, à maneira dos relatos bíblicos que falam da criação. Ela por vezes até esquece a questão do mal, do fracasso possível, do sofrimento. Mas coloca um elemento fundamental da fé cristã: o sentido do mundo se encontra sempre mais à frente, na figura do Cristo, primeiro ressuscitado, imagem perfeita de Deus, em quem se recapitulará toda a história do Universo.
Encontramos o “Não tenhais medo!”: devemos admitir não poder compreender tudo desde agora, mas podemos, não obstante, inserir nossos pensamentos, nossos desejos, nossa fé, nosso amor a qualquer coisa, muito mais em Alguém que está diante de nós. Teilhard, este homem com os pés ao vento, já percorreu este caminho à sua maneira. Resta-nos inventar, cada um de nós, o nosso.
Jacques Arnould é autor de numerosos artigos e livros entre os que destacamos La Théologie après Darwin (Cerf, 1998); Quelques pas dans l’univers de Teilhard de Chardin (Aubin, 2002); e Pierre Teilhard de Chardin (Perrin, 2005). É igualmente autor dos Cadernos Teologia Pública, número 22, de 15/09/2006, intitulado Terra Habitável: um desafio para a teologia e a espiritualidade cristãs.
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*Jo
Fonte:
Por IHU Online
http://www.domtotal.com/especiais/artigo_detalhes.php?espId=904&espId_art=909
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.
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