quinta-feira, 19 de maio de 2011

ALQUIMIA - C.G.Jung



C.G.Jung

Jung pensava que a alquimia, 
verificada à luz do simbólico e não do cientifico, 
poderia ser considerada como um dos precursores 
do moderno estudo do INCONSCIENTE e,
em particular, do interesse analítico na  
TRANSFORMAÇÃO da personalidade. 

Os alquimistas projetavam seus processos internos naquilo que estavam fazendo, e, à medida que levavam a cabo suas várias operações, passavam por experiências profundas e apaixonadas lado a lado com outras, espirituais. 

Fundamentalmente, não procuravam separar experiência de atividade e, também, dessa forma, se ligam à atitude psicológica contemporânea, ao menos se interpretados retrospectivamente. 

Como a PSICOLOGIA ANALÍTICA e a PSICANÁLISE no seu tempo, a alquimia pode ser julgada uma força subversiva e subterrânea: suas vívidas e terrenas imagens contrastando com a expressão estilizada e assexuada do cristianismo medieval, de forma idêntica a como a Psicanálise chocava o puritarismo e a arrogância vitorianas.

Tanto quanto se pode fazer uma reconstituição, os alquimistas dos séculos XV e XVI tinham dois objetivos inter-relacionados:

(a) alterar ou transformar materiais básicos em alguma coisa mais valiosa – variadamente referida como ouro ou um elixir universal ou a pedra filosofal; 

(b) transformar uma matéria básica em ESPÍRITO; em suma, libertar a ALMA

Inversamente, também se fez a tentativa de transformar ou traduzir o que estava na própria alma do alquimista em uma forma material – suas projeções inconscientes servindo a essa necessidade. Essas várias metas podem ser consideradas METÁFORAS para o crescimento e o desenvolvimento psicológicos.

O alquimista, cuidadosamente,
deveria escolher elementos na base 
de um esquema organizadoem termos de OPOSTOS

Isso porque a atração dos opostos acarretava sua eventual conjunção e, em última análise, a produção de uma nova substância, resultante das substâncias originais, porém delas diferente. A nova substância, após a combinação química e a regeneração se realizarem várias vezes e de modos diferentes, iria emergir como algo puro.

É o fato de que uma tal substância 
não parece existir na natureza que levou Jung 
a entender que a alquimia devia ser abordada 
de um ponto de vista simbólico, 
mais que tomada como uma pseudociência 
até agora desacreditada 
(ver SÍMBOLO).

Essa última consideração torna-se particularmente relevante em conexão com a escrita alquímica. Lá, como em nossos SONHOS, podemos ver os vários elementos representados ou como pessoas ou como animais, e os chamados processos “químicos” (pois a alquimia também foi precursora da química moderna) representados nas imagens de relações sexuais ou outros eventos corporais. 

Por exemplo, a combinação de dois elementos pode ser representada por figuras masculinas e femininas que se engajam numa relação, produzem um bebê, se juntam como em um HERMAFRODITA, ou se tornam um ANDRÓGINO

O masculino e o feminino impressionavam o alquimista como, talvez, os opostos mais fundamentais (ou, antes, como a representação mais fundamental da existência de opostos psicológicos). Em virtude de o resultado da relação ser uma nova entidade derivada, mas também diferente, dos pais, podemos ver que os seres humanos e seu desenvolvimento estão sendo usados simbolicamente para se referir a processos intrapsíquicos e ao modo como uma personalidade individual se desenvolve.

Porém não se deveria pensar que o fator interpessoal é negligenciado. O alquimista (normalmente masculino) trabalhava em uma relação com uma outra pessoa (às vezes uma figura real, às vezes uma figura de fantasia), referida como sua sóror mystica ou irmã mística (ver ANIMA).

O papel do “outro” na mudança psicológica é, por ora, bem conhecido – o “stade du miroir de Lacan (1949), a ênfase de Winnicott sobre a reflexão da mãe para o bebê de sua integridade de seu valor (1967) são apenas dois exemplos desse aspecto. Portanto, a alquimia elude a divisão interpessoal/intrapsíquica e é uma METÁFORA que elucida o modo como um relacionamento com uma outra pessoa promove um crescimento interno e também como os processos intrapsíquicos provêem as relações pessoais.

A alquimia torna-se uma metáfora pertinente quando consideramos o relacionamento entre ANALISTA E PACIENTE

A ênfase de Jung sobre o processo dialético e a questão da transformação mútua pode ser ilustrada a partir da alquimia (CW 16, “The Psychology of the Transference”). Na transferência, o analista está em relação com o paciente tanto como uma pessoa quanto como uma projeção de um conteúdo interior – genitor, problema, potencial. 

A tarefa da ANÁLISE é libertar a “alma” (isto é, o potencial) de sua prisão material (isto é, NEUROSE); aquilo que o psicoterapeuta moderno vê na psicologia humana de seu paciente, o alquimista via em forma química. “A personalidade é uma combinação específica de chumbo depressivo denso com enxofre agressivo inflamável, sal sábio amargo, mercúrio evasivo volátil” (Hillman, 1975, p. 186).

O núcleo conceitual da alquimia é a diferenciação entre a PSIQUE e a matéria. Saber até que ponto fatores psicológicos tais como SIGNIFICADO, propósito, emoção, podem ser considerados funcionando no mundo natural, físico, tem a ver com a análise de projeções e varia de acordo com o contexto (ver INCONSCIENTE PSICÓIDE; SINCRONICIDADE; UNUS MUNDUS). 

Para alguns, o interesse de Jung pela alquimia pode parecer questionável, até mesmo descabido, e sua vinculação de alquimia com um conceito chave clínico, tal como a transferência, pode parecer incompreensível. Não obstante, independentemente de dar a Jung certo grau de apoio emocional no sentido de que ele se percebia numa fraternidade com os alquimistas, a alquimia lhe possibilitava pesquisar o crescimento e mudança psicológicos, tratamento psicológico e a questão da ubiqüidade psicológica na natureza de um ponto de vista único, embora flexível, fora da medicina ou da RELIGIÃO.

Os escritos de Jung
estão pontilhados de referências alquímicas 
e de um glossário resumido juntamente 
com sugestões quanto às implicações 
de determinados termos.

Adepto:
O alquimista, sua participação consciente no trabalho, 
daí simbólico do ego e do analista.

Coniunctio:
O acasalamento no vas (ver adiante) 
dos elementos díspares 
originalmente ali colocados. 

Quando a metáfora alquímica se aplica à analise, vários tipos diferentes de CONIUNCTIO podem ser observados. 

(a) A consciente aliança de trabalho que se desenvolve entre o analista e seu “oposto” analítico, o paciente; o desenvolvimento de um objetivo comum para a análise. 

(b) a coniunctio entre a CONSCIÊNCIA do paciente e seu inconsciente à medida que ele se torna mais autoconsciente

(c) O mesmo processo dentro do analista. 

(d) A integração crescente dentro do inconsciente do paciente de lutas e tendências lá encontráveis. 

(e) O mesmo processo dentro do analista. 

(f) A fusão gradativa daquilo que era totalmente sensual ou material com o que era totalmente espiritual, para produzir uma posição menos unilateral.

Fermentatio: 
Estágio no processo alquímico,
uma fermentação dos elementos.
Na análise, evolução 
da transferência-contratransferência.

Hierosgamos: 
Literalmente, “casamento sagrado”.
Uma forma especial de coniunctio 
em que se coloca a ênfase
tanto em “sagrado” como em “casamento”; 

daí, uma vinculação do espiritual com o corporal. No cristianismo agostiniano um hierosgamos, diz-se, existe entre Cristo e sua Igreja, consumado no leito nupcial da cruz.

Impregnatio:
  Estágio no processo alquímico, 
a alma é libertada de sua prisão
corporal (material)e ascende ao céu.
Na análise, mudanças no paciente, 
possivelmente emergência de um “novo homem”.

Lapis: 
Pedra filosofal, objetivo do alquimista.
Às vezes, mesmo os alquimistas consideram 
a pedra uma metáfora para o objetivo. 
Daí, lapis fala de auto-realização 

Nigredo: 
Estágio no processo alquímico,
um obscurecimento dos elementos sugerindo 
que algo de importância está prestes a se realizar.

Na análise, pode assumir a forma de uma depressão logo antes do movimento ou do fim de um período inicial, de lua-de-mel. De modo geral, refere-se a um confronto com a SOMBRA.

Mercúrio: 
A capacidade do Deus assumir 
inúmeras formas e, contudo,permanecer ele próprio 
é precisamente o que se exige 
na mudança psicológica. 

Na análise, é descrito por Jung como “a terceira parte na aliança” e seu lado enfurecido e diabólico é equilibrado por suas propensões transformadoras (CW 16, parág. 384). Para os alquimistas, a importância de Mercúrio jazia no fato de que ele era, a um mesmo e só tempo, mau, vil, duvidoso e também divino, o deus da revelação e da INICIAÇÃO -  uma personificação da coniunctio (ver TRICKSTER).

Mortificatio: 
Estágio no processo alquímico, 
os elementos originais estão “mortos”,
não existem em suas formas originais.
Na análise, os sintomas podem adquirir 
um novo significado e o relacionamento analítico, 
uma nova importância

Opus: 
O processo e trabalho alquímicos. 
Também o trabalho da vida, isto é, 

Prima materia (massa confusa): 
Os elementos originais em estado de caos.

Putrifactio: 
Estágio no processo alquímico,
dos elementos em decadência exala-se um vapor 
que prenuncia a transformação.

Soror: 
Figura real ou simbólica com que o adepto se relaciona.
Na análise, o paciente e o analista 
adotam esses papéis.

Transmutação de elementos: 
Idéia, básica para a alquimia,
de que os elementos podem ser transformados 
e produzir um novo produto, 
ver ENERGIA.

Vas: 
Recipiente alquímico. 
Na análise, refere-se a aspectos continentes
do relacionamento analítico.


APRESENTAÇÃO DA RUBEDO:
http://www.rubedo.psc.br/dicjung/aprerubd.htm
A parceria da Rubedo com Andrew Samuels se expressa na tradução 
de seus textos e entrevistas ( disponíveis no site), se confirma em pequenas palestra
realizada no Rio de Janeiro e se presentifica neste projeto em comum:
a edição eletrônica do Dicionário Crítico de Análise Junguiana.
          Carlos Bernardi
          Marta Maria Sardinha Chagas
          Marcus Vinícius Quintaes


Fonte:

Dicionário Crítico de Análise Junguiana
Rubedo

http://www.rubedo.psc.br/dicjung/verbetes/funtrans.htm
www.rubedo.psc.br
Sejam felizes todos os seres. Vivam em paz todos os seres.
Sejam abençoados todos os seres.

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